segunda-feira, 16 de junho de 2008

ESPIRITUALIDADE CRISTÃ A PARTIR DO DOCUMENTO

Enquanto nossa vontade tem caprichos estranhos à união com Deus,
fantasias contraditórias, nós permanecemos no estado de infância
e não caminhamos a passo gigante no amor;
porque o fogo ainda não consumiu toda a escória.
O ouro não está puro.
Estamos ainda em busca de nós mesmos”.
(Elisabete da Trindade).


Introdução – “Espiritualidade” diz respeito à dimensão espiritual, ou mais precisamente à vida espiritual (é o ser humano em sua vida interior, animado do Espírito de Deus). A nossa Espiritualidade é cristã, porque está essencialmente fundamentada em Cristo, no mistério da Santíssima Trindade. Daí a expressão Espiritualidade cristã. Isto nos ajuda a diferenciar de outras espiritualidades não cristãs. Para nós, católicos, esta vida espiritual é “vida no Espírito de Jesus Cristo”.

1. Essencialmente, o que é Espiritualidade? – Como primeira e fundamental definição, podemos dizer que Espiritualidade é a vida guiada pelo Espírito... é o seguimento de Jesus sob o impulso do Espírito Santo. A espiritualidade está essencialmente sob o signo do discipulado. Quando os bispos falam no Documento de Aparecida (DA) da formação sobre a Espiritualidade dos discípulos missionários, afirmam, que o ser cristão se funda na experiência de Deus manifestado em Jesus e que o conduz pelo Espírito através dos caminhos de profundo amadurecimento. Por meio dos diversos carismas, a pessoa se fundamenta no caminho da vida e do serviço proposto por Cristo, como estilo pessoal” (DA 280b). O mesmo documento afirma que “é necessário formar os discípulos numa Espiritualidade da ação missionária, que se baseia na docilidade ao impulso do Espírito, à sua potência (força, dinamismo) de vida que mobiliza e transfigura todas as dimensões da existência. Não é uma experiência que se limita aos espaços privados da devoção, mas que procura penetrá-los completamente com seu fogo e sua vida. O discípulo e missionário, movido pelo estímulo e ardor que provém do Espírito, aprende a expressá-lo no trabalho, no diálogo, no serviço e na missão cotidiana” (DA 284).



2. Principais componentes de uma Espiritualidade integradora – Tendo sempre bem presente o que acabamos de afirmar sobre o nosso tema, e para configurar melhor a abrangência (o alcance) da definição sobre a Espiritualidade, faz-se necessário enumerar alguns elementos, alguns componentes, dimensões (espaços), aspectos ou verdades essenciais do mistério de Deus e da vida da Igreja, para que, possamos, de fato ter uma compreensão real e integradora o que vem a ser uma verdadeira Espiritualidade a partir do Documento de Aparecida.

2.1. A fonte da Espiritualidade: Trindade – Uma autêntica proposta de encontro com Jesus Cristo deve estabelecer-se sobre o sólido fundamento da Trindade-Amor. A experiência de um Deus Uno e Trino, que é unidade e comunhão inseparável, permite-nos superar o egoísmo para nos encontrarmos plenamente no serviço para com o outro. A experiência batismal é o ponto de início de toda espiritualidade cristã que se funda na Trindade (cf. DA 240; 357).


2.2. O Reino de Deus – “A voz do Senhor continua a nos chamar como discípulos missionários e nos desafia a orientar toda a nossa vida a partir da realidade transformadora do Reino de Deus que se faz presente em Jesus (...) O Espírito colocou esse germe do Reino em nosso Batismo e o faz crescer pela graça da conversão permanente graças à Palavra de Deus e aos sacramentos ” (DA 382; cf. 361).

2.3. Comunhão eclesial – “A vocação ao discipulado missionário é con-vocação à comunhão em sua Igreja. Não há discipulado sem comunhão. Diante da tentação, muito presente na cultura atual, de ser cristão sem Igreja e das novas buscas espirituais individualistas, afirmamos que a fé em Jesus Cristo nos chegou através da comunidade eclesial e ela ‘nos dá uma família, a familia universal de Deus na Igreja Católica’” (DA 156).

2.4. Espírito missionário – O Documento de Aparecida acentua fortemente uma pastoral decididamente missionária. Só assim será possível que “‘o único programa do Evangelho continue introduzindo-se na história de cada comunidade eclesial’ com novo ardor missionário, fazendo com que a Igreja se manifeste como mãe que vai ao encontro, uma casa acolhedora, uma escola permanente de comunhão missionária” (DA 370; 365).

2.5. Espiritualidade fundamentada na Palavra de Deus – “É preciso fundamentar nosso compromisso missionário e toda a nossa a vida na rocha da Palavra de Deus” (DA 247). É necessário propor aos fiéis a Palavra de Deus como dom do Pai para o encontro com Jesus Cristo vivo...” (DA 248).

2.6. Espírito ecumênico – A Igreja não é uma realidade voltada sobre si mesma, mas aberta permanentemente à dinâmica missionária e ecumênica, porque enviada ao mundo para anunciar e testemunhar, atualizar e expandir o mistério de comunhão que a constitui: a fim de reunir a todos e tudo em Cristo; ser para todos sacramento inseparável de unidade (cf. Encíclica Ut Unum Sint, 5; cf. DA 227-228).

2.7. Dimensão comunitário-paroquial – A comunhão eclesial, embora possua sempre uma dimensão universal, encontra a sua expressão mais imediata e visível na paróquia: esta é a última localização da Igreja; é em certo sentido, a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas. É aí na comunidade paroquial que vive a família de Deus, como uma fraternidade animada pelo espírito de unidade, toda fraterna e acolhedora (cf. João Paulo II, Christifideles 26). Por isso, uma pessoa que quer viver uma verdadeira espiritualidade cristã não pode ignorar, e nem pode se colocar acima de sua comunidade paroquial, atuando fora dela, sem participar de seus projetos pastorais. Tal cristão não vive a comunhão eclesial com sua comunidade paroquial e nem com sua Igreja diocesana (cf. DA 170-175; 304-306).

2.8. Conversão Pastoral – Faz parte da Espiritualidade cristã, segundo a compreensão do Documento de Aparecida, que a firme decisão de conversão pastoral e missionária deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais de dioceses, paróquias, comunidades religiosas, movimentos e de qualquer instituição da Igreja (cf. DA 365).

2.9. Conselhos paróquias e Espiritualidade de comunhão – Os conselhos Pastorais Paroquiais terão de estar formados por discípulos missionários, constantemente preocupados em chegar a todos. Estes e todos os organismos precisam estar animados por uma espiritualidade de comunhão missionária. “Sem este caminho espiritual, de pouco serviriam os instrumentos externos da comunhão. Mais do que modos de expressão e crescimento, esses instrumentos se tornariam meios sem alma, máscaras de comunhão (NMI 43)” (cf. DA 203).

2.10. A vida de oração pessoal e comunitário-litúrgica – A oração pessoal e comunitária é o lugar onde o discípulo, alimentado pela Palavra e pela Eucaristia, cultiva uma relação de profunda amizade com Jesus Cristo e procura assumir a vontade do Pai (cf. DA 255).

2.11. Santificação do Dia do Senhor e participação eucarística – O domingo significa, ao longo da vida da Igreja, o momento privilegiado do encontro das comunidades com o Senhor ressuscitado. Cada domingo e cada Eucaristia é um encontro pessoal com Cristo. Ao escutar a Palavra divina, o coração arde porque é ele quem a explica e proclama (cf. DA 305, discurso de Bento XVI, em Aparecida: 13 de maio de 2007).

2.12. Espiritualidade inserida na vida dos sacramentos – A vida guiada pelo Espírito e o seguimento de Jesus numa constante busca de assemelhar-se com ele, realiza-se através de uma profunda e coerente participação da vida dos sacramentos em comunhão com a Igreja, que é o Corpo de Cristo (cf. DA 142; 175).

2.13. A verdadeira Espiritualidade se revela na misericórdia – O Espírito Santo é dado pelo Pai e pelo Filho num amor de ternura ao ponto de o Filho morrer por nós pecadores e nos alimentar de si mesmo na Eucaristia. Isto é amor misericordioso. É apelo do próprio Cristo: “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36). A misericórdia sempre será necessária, pois a misericórdia e a solidariedade é um campo de atividade que caracteriza de maneira decisiva a vida cristã, o estilo eclesial e a programação pastoral. Nesse sentido, cada paróquia deve chegar a concretizar em sinais solidários seu compromisso social em que se move, com toda “a imaginação da caridade” (DA 385; cf. 384; 394; 176).

2.14. Devoção Mariana – A Virgem Maria é a imagem esplêndida da conformação ao projeto trinitário que se cumpre em Cristo (cf. DA 141; 266-272). Maria é a grande missionária, continuadora da missão de seu Filho e formadora de missionários (cf. DA 269). Maria, a imagem perfeita da discípula missionária (cf. DA 364). Maria, discípula e missionária (cf. DA 266). Maria é a discípula mais perfeita do Senhor (cf. DA 266). Maria, discípula por excelência entre discípulos (cf. DA 451).


2.15. A necessidade de desenvolver a Espiritualidade da gratuidade – A verdadeira Espiritualidade se fundamenta na doação e na entrega gratuita do amor a Deus, como Cristo que nos amou por primeiro e nos amor até a morte, só para a Glória do Pai e pela nossa salvação (DA 517c).

2.16. O amor de Deus é inseparável do amor ao próximo – Não há Espiritualidade cristã sem o amor ao irmão ou à irmã. Diz a Escritura: “Se alguém dizer: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é um mentiroso; pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20). A opção preferencial pelos pobres nasce da fé em Jesus Cristo, o Deus feito homem, que se fez nosso irmão (cf. Hb 2,11-12) (cf. DA 392). De nossa fé em Cristo nasce a solidariedade com atitude permanente de encontro, irmandade e serviço. Esta solidariedade há de se manifestar em opções e gestos visíveis, principalmente na defesa da vida e dos direitos dos mais vulneráveis e excluídos (cf. DA 65; 394; 397-398).

2.17. Estar atento aos sinais dos tempos – Uma pessoa de profunda Espiritualidade está sempre antenada (atenta) aos sinais dos tempos, através dos quais o Espírito Santo suscita, desperta as pessoas espirituais para as coisas novas que devem renovar a vida e a história da humanidade (cf. DA 33; 366).

2.18. Pastoral vocacional – Entre os diversos elementos que ajudam configurar uma verdadeira Espiritualidade está o espírito de amor e o empenho pela animação da Pastoral vocacional da Igreja. Toda aquela pessoa que vive uma saudável Espiritualidade na Igreja, como povo sacerdotal, profético e servidor, deve, naturalmente, está empenhada em promover e colaborar no florescimento e a maturação das vocações sacerdotais, religiosas e missionárias ou ainda como pais e mães de família com a oração e a vida sacramental, com o anúncio da palavra e a educação da fé, com a orientação e testemunho da caridade (cf. DA 314; discurso de Bento XVI, em Aparecida: 13 de maio de 2007).

2.19. Promoção humana e defesa da vida como expressão de Espiritualidade cristã – Só cumpre e vive cristãmente a vontade de Deus, o Deus da vida, aquele que promove, protege, defende e ama a vida dos mais fracos e dos indefesos. Só existe verdadeira vida de oração e Espiritualidade cristã naquele que defende e ama a vida humana, desde o momento da concepção até à morte natural. Aliás, só se pode falar de uma pessoa de espiritualidade se nela houver a verdadeira caridade para com o irmão. A oração deixa de ser verdadeira se a pessoa que se diz orante ou de vida espiritual guardar rancor, ódio e não se põe no caminho da reconciliação ou do perdão. Nesse sentido, o amor verdadeiro implica tudo o que diz respeito à pessoa humana em todas suas fases de vida, aceitando a pessoa em todas suas limitações e necessidades físicas e espirituais (cf. DA 26; 98; 146).

2.20. Espiritualidade Eucarística – A fonte de toda a Espiritualidade cristã está na vida eucarística. Bento XVI diz que “os fiéis cristãos precisam de uma compreensão mais profunda das relações entre a Eucaristia e a vida cotidiana. Espiritualidade eucarística não é apenas participação na missa e devoção ao Santíssimo Sacramento; mas abraça a vida inteira” (Sacramentum Caritatis 77). Em outras palavras, quer dizer, que é preciso descobrir que Jesus Cristo não é uma simples convicção privada ou uma doutrina abstrata, mas uma pessoa real cuja inserção na história é capaz de renovar a vida de todos. Para entender essa realidade eucarística em nossa vida cristã, devemos estar atentos quando a Igreja suplica, durante a Missa, “ao Pai que envie o Espírito Santo sobre o pão e o vinho, para que os transforme no Corpo e Sangue de Cristo; e também sobre a comunidade reunida, para que, recebendo o Corpo e Sangue do Senhor, seja por ele renovada e reunida num só corpo, o Corpo de Cristo. “Comungar é unir-se e formar com ele um só corpo. ‘Como disse São Leão Magno: ‘A nossa participação no corpo e sangue de Cristo age de tal modo que nos transformamos naquele que recebemos’”(CNBB, Sou católico, vivo a minha fé, p. 62; cf. DA 128; 153; 251; 354).

Conclusão – A partir de tudo o que acabamos de refletir até agora, fica bem claro que a verdadeira Espiritualidade envolve sempre toda a vida do cristão. Nenhum aspecto da vida do ser humano pode ficar fora da força do Espírito e do Ressuscitado, obra da Trindade.
É importante esclarecer que não se pode simplesmente confundir Espiritualidade com oração. Não basta algumas orações isoladas e esparramadas segundo o nosso desejo em alguns momentos da vida, sem compromisso com a pessoa de Jesus e intimamente voltado para o cumprimento da vontade de Deus Pai. Se não há oração, não há fé viva; se não há oração, não há vida cristã. A nossa Espiritualidade é mais do que a oração só; porque a Espiritualidade é toda uma vida vivida na fé e no amor. Porém, esta é primeira regra da Espiritualidade: fazer oração e fazer bem a oração com atitude filial e com amor. Só reza realmente quem sabe amar tanto nos momentos de alegria e de vitória, como também nos momentos da dor e dos grandes sofrimentos e de fracassos. Quem não faz meia hora diária de oração (diz dom Pedro Casaldáliga), está fora de jogo na caminhada do Reino. Quando muito estará na reserva do time.
Portanto, a verdadeira Espiritualidade é um caminho a ser percorrido e vivido em Cristo, com Cristo, por Cristo, na unidade do Espírito Santo para a glória de Deus Pai.

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