sexta-feira, 20 de junho de 2008

Castidade: masturbação

«Quisera uma palavra de esclarecimento sobre a masturbação.
Há médicos que a aprovam, ao passo que os moralistas a condenam».
O termo «masturbação», oriundo provavelmente de «manibus turbare», significa a provocação dos órgãos genitais por meio da mão ou de outro estímulo inadequado. Mais precisamente: masturbação é a polução voluntariamente provocada num ato solitário; e a satisfação sexual do indivíduo de si para si.
Abaixo procuraremos formular um juízo sobre esse fenômeno, tanto do ponto de vista fisico-psíquico como do ponto de vista moral. A seguir, enunciaremos algumas normas de conduta oportunas frente a tal afirmação da natureza.
Que dizer...?
a) do ponto de vista psicossomático
A tendência sexual de todo ser humano é naturalmente voltada para semelhante pertencente a outro sexo; esse semelhante há de ser capaz de complementar o físico e o psíquico de quem o procure. Normalmente é numa atmosfera de amor, ou seja, em função do amor, em função de um ato em que toda a personalidade se empenha com o que ela tem de mais nobre, que se realiza o encontro sexual entre os seres humanos. A luz destes princípios, verifica-se que a chamada «masturbação» ou o uso da função sexual por parte de um indivíduo que vise satisfazer-se a sós, constitui uma aberração contra a própria natureza humana; é a volta do indivíduo a si mesmo mediante um ato que de per si tenderia a levar a personalidade para fora de si.
A masturbação pode tomar-se um hábito, cujas causas são assaz variadas: às vezes decorre da curiosidade simplória com que a criança, nos seus primeiros anos de idade, começa a observar as atividades de seu corpo; suscita então inocentemente o funcionamento de seu órgão; contudo a partir dos seis ou sete anos, o hábito assim adquirido provoca sensações cada vez mais acentuadas podendo tomar-se fortemente arraigado e avassalador. Outras vozes, o vício deve-se aos exemplos ou as seduções provenientes de adultos ou de outros jovens. Em outros casos, o costume se deriva de disposições psicóticas do indivíduo, disposições que, mediante a pratica do ato solitário, causam um estado doentio cada vez mais marcante (um dos sintomas mais comuns desse estado mórbido são os sonhos de natureza perversa que as vozes precedem, provocam ou acompanham a masturbação).
Os fenômenos psicopáticos que possam estar na base do vício solitário, são entre outros: o narcisismo (tendência do indivíduo a se contemplar e admirar exageradamente), o homo-erotismo (amor ao mesmo sexo), o temor anormal para com o sexo oposto.
Feitas estas observações, já se percebe como julgar a masturbação.
Do ponto de vista fisiológico, a pratica do ato solitário, equivalendo a um desvio da natureza humana, nunca pode ser recomendável; nunca será aconselhável, nem mesmo em proporções pretensamente moderadas, como solução ou paliativo para uma situação anormal ou aflitiva em que alguém se encontre. Não raro se verifica que o hábito da masturbação toma índole de obsessão ou mania, prejudicando a saúde, principalmente o equilíbrio nervoso da vitima. Mesmo quando não atinge tais proporções, o vício solitário não pode deixar de afetar o caráter da pessoa que se lhe entrega voluntariamente: esta se toma mais e mais desatenta e distraída, sujeita as vacilações dos caprichos, mais ou menos indiferente aos grandes valores da vida. Em particular, o indivíduo, no qual o vício solitário se instala, e pessoa pouco adaptada ao genuíno amor conjugal, pois não estima devidamente o tu ou a personalidade alheia, tendendo a devaneios nos setores do irreal e do sonho.
Estas conseqüências comunicam uma marca especialmente humilhante ao vício da masturbação. Alias, não se poderia esperar outra coisa, pois ninguém contradiz impunemente as leis da natureza, que deu as funções sexuais ao ser humano em vista do casamento (como as funções digestivas foram dadas em vista da conservação do indivíduo, não propriamente para o deleite do sujeito). É vã a a1egação: «Não prejudico a alguém, quando cometo o ato solitário»; na verdade, o masturbador contradiz a orientação natural do seu amor, o qual tende espontaneamente a se voltar para outrem, de modo que quem viola essa tendência priva o próximo de um direito seu e de certo modo desfigura a si mesmo. Não poucas pessoas, aliás, dentre as que se dão ao mau hábito, dotadas de temperamento mais delicado e sensível, tem consciência da hediondez do vício: horrorizam-se por ver constantemente burlado o seu ideal de pureza, podendo chegar esse horror a provocar perturbações neuróticas por todo o resto da vida, caso não consigam em tempo libertar-se dos grilhões do vício.
b) ... do ponto de vista moral.
Aos olhos da consciência moral, a masturbação, sendo violação da natureza, constitui um pecado ou uma violação da Lei de Deus. Vista a importância da matéria respectiva, tal pecado e em si grave. Subjetivamente, porém, a culpa pode ser muito atenuada, dado que o masturbador não proceda com pleno conhecimento de causa ou com vontade deliberada. Ao se tratar de um pecador que já tenha concebido o firme propósito de se emendar e que empregue seriamente os meios para o conseguir, pode-se crer que as suas eventuais reincidências não constituem sempre pecado grave, pois ainda ocorrem por força do hábito anteriormente adquirido, ou seja, dentro de um clima de certo automatismo, no qual a liberdade de arbítrio não tem plena conivência. Será muito importante lembrar isto aos penitentes sinceramente dispostos, pois tal advertência os preservara. de cair no desânimo ao empreenderem a luta contra o vício.
Também se faz mister frisar que as poluções noturnas (as quais nos meninos se verificam desde os 12/14 anos), assim como as poluções diurnas meramente nervosas e involuntárias, não tem que ver, do ponto de vista moral. com a masturbação pecaminosa, a qual supõe sempre conhecimento de causa e vontade deliberada. Há, porém, casos em que a polução, embora não tenha sido diretamente provocada. ocorre em conseqüência de remota e imprudente excitação da sensibilidade; tal derramamento participa então do grau de culpa que toca a imprudência anteriormente cometida. Não é em vão, aliás, que os moralistas recomendam as almas fiéis o controle geral dos sentidos, mesmo independentemente do alguma tentação ao pecado; o afrouxamento dessa disciplina pode ser culpado e ocasionar culpas remotas.
Note-se bem que a própria natureza, mediante poluções espontâneas, prove devidamente as suas funções, de sorte que não é necessário ao indivíduo provocar pela masturbação o uso dos órgãos sexuais; tal provocação, longe de ser consentânea com a natureza, só se registraria em circunstâncias que contrariam as leis naturais do ato sexual (este - repita-se - foi concebido pelo Criador como função do amor,... e do amor conjugal,... amor cuja finalidade primária e a procriação da espécie). E não só faça objeção por parte da saúde: esta é muito mais assegurada pela observância das normas ou da ordem da natureza do que por qualquer violação da mesma.
2. Como remediar
Após o que dissemos, vê-se que não merece audiência a sentença dos que pretendem remediar a estados do desequilíbrio nervoso mediante a prática sistemática e controlada da masturbação. Tal método só concorre para agravar o mal psíquico, do mais a mais que freqüentemente os masturbadores desejam ardentemente libertar-se do seu hábito indigno.
Também não se alegará que o costume da masturbação é incurável, de sorte que baldado se tome todo esforço contrário. É verdade que não há uma via única de cura, aplicável a toda e qualquer situação; Os meios de combate deverão, antes, ser concebidos de acordo com as circunstâncias de cada caso. Como quer que seja, o tratamento oportuno será sempre um tratamento de base, visando o íntimo da personalidade da vítima, em conformidade com os seguintes princípios:
1) A vontade do paciente há de ser corroborada e sujeitada a uma disciplina. O uso e abuso da liberdade de conduta em nossos dias provocam naturalmente uma excessiva tensão sexual. Entre outros fatores de disciplina, enuncia-se o trabalho ou a entrega do paciente a uma tarefa séria que lhe desperte e prenda o interesse. Certas restrições na comida e na bebida concorrerão para amortecer o instinto sexual e fortalecer a vontade. Semelhante efeito será obtido pelo domínio da imaginação e o controle dos olhares.
2) Visto que a masturbação habitual suscita muitas vezes na vitima uma tendência (consciente ou inconsciente) a desprezar a si mesma, será preciso que o diretor e os amigos do paciente nele restaurem o senso de sua dignidade moral assim como uma confiança equilibrada em si mesmo nos casos de recaídas freqüentes, faz-se mister reavivar sempre a coragem do interessado, a sua vontade de combater, assim como a esperança de vit6ria; inculque-se-lhe continuamente que ele pode e deve recuperar-se.
3) Trate-se a vítima com bondade sincera e compreensiva. O fato de ser o masturbador um indivíduo fechado sobre si mesmo se explica não raro por jamais ter ele experimentado a força do autêntico amor. Esta norma vale de modo particular para os pais e mestres de uma criança viciada ou tendente ao vício da masturbação; procurem os genitores e educadores em geral fazer do lar e da escola um ambiente simpático, no qual haja ritmo de vida equilibrado: repouso suficiente, exercício físico, amizades sadias tanto com rapazes como com moças.
4) Quanto ao paciente mesmo, após alguma queda ou recaída, não se deixe ficar numa situação de perplexidade indecisa, mas sem demora arrependa-se e renove seu bom propósito; se possível, empreenda mesmo um ato adequado de penitência (renúncia a tal ou tal divertimento, privação de alguma guloseima, prática de caridade para com o próximo...).
5) Para quem possui a graça da fé, o recurso aos meios sobrenaturais é não somente imprescindível, mas até soberano. Unicamente pelo auxílio de Deus recebido através da oração e dos sacramentos (confissão e comunhão) pode haver genuína esperança de vitória sobre a natureza. A fé ajuda o paciente a restaurar sobre novas bases a sua personalidade, mostrando-lhe que a grandeza de todo indivíduo está justamente em sair de si, esquecer e desprezar a si; ao passo que o egocentrismo depaupera a personalidade, a abertura em demanda de Deus e do próximo a dilata e enriquece. - Muito valioso é também o recurso a um bom diretor espiritual.
O juízo que acaba de ser proposto a respeito da masturbação talvez pareça severo demais e pouco adaptado à mentalidade moderna. - Não há dúvida, o homem contemporâneo tende a ceder à onda, abrindo mão dos mais tradicionais e preciosos valores da consciência moral; muitos pretendem confeccionar uma «ética de situação, existencialista», isto é, uma ética norteada apenas pelos elementos que parecem convenientes ao sujeito na situação em que «aqui e agora» se acha.
A essa tendência deve-se fazer a seguinte observação: é certamente necessário que a Moral leve em conta as circunstâncias precisas nas quais um indivíduo se encontra; a consciência bem formada compete justamente a tarefa de aplicar os preceitos da lei a cada caso concreto. Não compete, porém, ao indivíduo, nem à modas e aos tempos, retocar as normas da lei natural; esta é perene e imutável como a natureza humana. Ora é a natureza humana que assinala a função sexual a sua finalidade própria, independentemente da qual o uso de tal função vem a ser desvirtuado ou abusivo.
Embora em meio à onda laxista de nossos dias estas verdades pareçam árduas, o cristão sabe que a Senhor Deus não impõe preceitos impraticáveis, mas, junto com a obrigação, confere sempre a graça para que a criatura cumpra integralmente o seu dever. E a consciência disto que dá ânimo e otimismo ao discípulo de Cristo, impedindo que se deixe arrastar por modas dissolutórias contemporâneas.
- Naturalmente, na medida em que a masturbação tenha um fundo doentio e involuntário, sua culpabilidade e atenuada; pode ser mesmo nula, portanto isenta de julgamento e punição da parte de Deus.
6) Nos casos em que o vício solitário pareça provir de um fundo psíquico anormal, consu1te-se um psiquiatra, o qual procurará descobrir a raiz do mal e indicara a terapêutica adequada, terapêutica, porém, que nunca dispensará a colaboração consciente do indivíduo na medida em que ele a puder prestar.
7) Põe-se agora uma questão derradeira: o casamento será remédio para o vício da masturbação?
Em resposta, dever-se distinguir:
a) Caso a mau hábito careça de fundo patológico, sendo mero produto de debilidade moral, pode ser extinto ou, pelo menos, nota­velmente mitigado, pelo matrimônio, pois este oferece ao paciente a ocasião legítima de satisfazer a sua necessidade de vida sexual. Mesmo assim, porém, a casamento não a dispensará o indivíduo da aplicação da sua forca de vontade.
b) Dado que o vício provenha de um estado neurótico ou doentio, a casamento não solucionará o mal, podendo mesmo agravá-lo. Sim; a vida conjugal geralmente não cura o desequilíbrio nervoso e a narcisismo, de sorte que o enfermo continua a se satisfazer a sós, mesmo depois do matrimônio, acarretando então infelicidade para a sua própria comparte.
Eis alguns casos que ilustram tal afirmação:
A Sra. N. certa vez se apresentou a um psiquiatra, por sofrer de terríveis crises de depressão nervosa, experimentando sentimentos de ódio generalizado para com os homens, inclusive seu marido, e para com Deus mesmo. Casara-se havia dezessete anos com um homem muito bom, que lhe dispensava todas os cuidados, mas limitara suas relações conjugais à noite das núpcias e a uma única ocasião depois disto. - Pois bem; ficou averiguado que tal marido praticava a masturbação antes de se casar; esperava curar-se do vício mediante o matrimônio, mas infelizmente no decurso da vida conjugal verificara que mais se comprazia em seu antigo hábito solitário do que em relações conjugais. Dai a aflição e a desgraça da esposa...
Também se relata a caso da Sra. N. N., que foi procurar um psiquiatra por sofrer de obsessão nervosa. Seu mal tinha história assaz longa: costumava, sim, praticar o vício solitário antes do matrimônio. Uma vez casada, nunca conseguiu experimentar plena satisfação em suas relações conjugais; queixava-se de que o marido era pouco compreensivo e nenhuma experiência de vida sexual possuía. Seus antigos hábitos continuavam a deleitá-la de modo tais que resolveu dar-lhes de novo livre expansão, vindo a sofrer naturalmente do conflito decorrente da nova situação.
Estes dois episódios (consignados na obra de J. H. Vanderveldt P. Odenwald, Psychiatrie et Catholicisme. Paris 1954, pág. 532s) bem demonstram que o casamento, longe de resolver sempre a situação desequilibrada devida ao vício da masturbação, pode contribuir para agravar. Consciente disto, o sacerdote será especialmente cauteloso ao julgar as conveniências de matrimônio de pessoas dadas ao vício solitário. Em casos de dúvida, poderá com vantagem mandar consultar ou consultar um psiquiatra experimentado.
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Sábado, 18 de Agosto de 2007

Castidade: corpo humano e prazeres da carne-
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 30/1960)
"Otimismo ou pessimismo em relação ao corpo humano? Condescendência ou austeridade no tocante aos prazeres da carne?
Qual será a genuína atitude do cristão?"
As questões atinentes ao modo de tratar o corpo humano mereceram em todos os tempos detida atenção de pensadores e moralistas. A fim de melhor manifestar o sentido da autêntica resposta, proporemos, antes do mais, breve panorama das principais soluções até hoje formuladas para o problema.
1. Visão retrospectiva
O homem representa, no conjunto das criaturas, um pequeno enigma, pois associa em si as tendências mais contraditórias: ora nele se faz ouvir o brado do espírito, que aspira a tudo que é nobre, belo e elevado; ora, o rebuliço dos sentidos e da carne, que cobiçam os prazeres ilusórios da terra; o orgulho, o amor próprio, o egoísmo diminuem a personalidade, essa mesma personalidade que é capaz de estupendos rasgos de altruísmo.
Em torno do homem não se observa tal conflito: as plantas dão gérmen, flor e fruto bem parecer sujeitas a contradições; os animais irracionais seguem seus instintos vitais sem dar mostras da incoerência que agita o homem. O animal que, bem alimentado, repousa ao sol, de nada parece carecer para sua felicidade; o ser humano, porém, quanto mais se sacia de bens carnais, tanto mais parece inquieto e insatisfeito.
O homem, por esse motivo, constitui, entre as criaturas visíveis, um tipo singular; seríamos tentados a dizer... um ser defeituoso. Não obstante, em virtude da sua inteligência e da sua liberdade de arbítrio, ele merece incontestavelmente ser tido como a obra-prima da criação.
Tal enigma sempre chamou a atenção dos sábios desde os tempos anteriores a Cristo. Sejam aqui mencionadas algumas: de suas sentenças a respeito
a) Na Índia antiga predominou o pessimismo em relação à natureza humana e á vida no mundo material. O ideal do hindu ficou sendo a evasiva, a fuga do ciclo das reencarnações, que são sempre tidas como punição da alma; o sábio hindu aspira a esquecer a matéria e desprezar a vida sensitiva, para viver exclusivamente da reflexão e da contemplação intelectivas.
b) Na Grécia antiga, também o pessimismo se fez ouvir, exprimindo-se em variada escala de tonalidades.
O Pitagorismo (séc. V a C.) considerava o corpo como túmulo em que a alma estava sepultada; pela procura da sabedoria ou pela filosofia, ensinavam os pitagóricos, o espírito se deveria aos poucos libertar da servidão da matéria e das reencarnações sucessivas.
Platão († 347 a C.) reavivou essas idéias, servindo-se do trocadilho «soma-sema (corpo-sepulcro)». O corpo seria cárcere, e a união da alma humana com ele equivaleria a degradação ou a castigo devido a culpas cometidas em existência anterior; por conseguinte, a finalidade suprema do sábio também seria a de emancipar-se da vida corpórea (o filósofo, enquanto o pode, desliga a alma do intercâmbio com o corpo..., não faz caso dos prazeres que provenham do corpo» (Fedon 64e-65a).
Também os estóicos pouca estima manifestavam para com o corpo.
Epícteto (séc. I d. C.), por exemplo, tinha-o na conta de «alguma coisa que não me pertence» (Dissertações 1.3, c. 24) ou de «burrinho que carrega meus fardos» (lbd. 4.1). Não obstante, o filósofo prescrevia o asseio naturalmente exigido pelo corpo, a fim de não causar incômodo à sociedade: «Quando o animal se limpa, diz-se que ele imita o homem; quando o homem se suja, diz-se que ele imita o animal» (Ibd. 4,11). Fora, porém, do asseio estritamente necessário, Epícteto julgava «ser Sinal de baixeza qualquer tratamento dispensado ao corpo» (Manual 41).
O Imperador Marco Aurélio († 181) professava idéias semelhantes, interpelando o leitor nos seguintes termos: «Não és senão uma alma pequena que carrega um cadáver, como dizia Epícteto» (Meditações 4,41).
Sêneca († 30 d. C.), por sua vez, compartilhava um ponto de vista do estoicismo; sabia, porém, manifestar-se moderadamente em textos como o que se segue:
«Dá a teu corpo apenas o suficiente para que esteja são. É preciso tratá-lo com certa dureza, a fim de que não se desvie da sujeição ao espírito. Não comas senão para acalmar a fome, nem bebes senão para extinguir a sede. Não procures, mediante a veste, senão defender-se do frio, e, mediante o teto, não aspires senão a intempéries da estação... Recorda-te de que em ti nada há de tão notável quanto o espírito; a este, grande como é, tudo deve parecer pequeno» (epíst. 8).
Ninguém negará a sabedoria que possa estar incluída nos que acabamos de transcrever. Mais adiante procuraremos analisa-la melhor. Por ora, interessa-nos levar em conta ainda outro traço do pensamento grego.
c) Ao lado de manifestações pessimistas, a literatura helênica apresenta outrossim afirmações positivas referentes à natureza humana.
Sócrates († 399 a.C.) e Platão († 347 a.C.), por exemplo, davam a crer que a virtude coincide com o saber, pois parece que todo aquele que conhece a virtude, naturalmente a pratica; o vício ou o defeito moral seriam meros produtos da ignorância humana. Tal tese supõe equilíbrio e harmonia na natureza, de sorte que a vontade esteja plenamente a altura de realizar as aspirações mais nobres do seu sujeito.
Outros pensadores gregos apregoavam, de certo modo, o culto do corpo; a beleza do físico juvenil era tema caro a literatura helênica; a figura do atleta, do triunfador dos jogos olímpicos, era grandemente exaltada pela opinião publica. Entende-se, pois, que a moral grega tenha incluído entre os seus preceitos o cuidado do corpo, de maneira que a higiene hoje em dia é tida como expressão característica do pensamento helênico. Este, de resto, se traduzia muito bem na seguinte máxima ática do séc. V a. C.:
«O maior dos bens, para um mortal, é a saúde. E o segundo dos bens é ser um jovem belo e bem estruturado».
Não há duvida, os humanistas gregos sabiam que seu otimismo não dispensava o sacrifício: para fortalecer os músculos, para dar ligeireza e plasticidade ao corpo, e preciso submeter-se a severa disciplina; dai a advertência de Filocteto (409 a. C.) : «Tem consciência de que a ti também é necessária a dor. Em recompensa desses males, porém, terás a vida g1oriosa» (Sófocles, Filocteto 1418-1422).
Entre os romanos, o poeta Juvenal († 125) tornou-se o arauto do otimismo humanista, formulando o famoso adágio: «Orandum est ut sit mens sana in corpore sano. - Havemos de orar para que uma mente sã subsista em corpo são» (Sátiras 10, 356).
Eis assim recenseados os principais tópicos da mentalidade pagã concernente á natureza humana.
d) O Cristianismo, ao entrar no mundo, não podia deixar de se opor a qualquer afirmação de otimismo absoluto em relação ao corpo. A moral do Evangelho tem consciência de que a natureza humana foi, no inicio da história, afetada por uma culpa, de sorte que o cristão deve tomar atitude reservada, muitas vezes mesmo restritiva, em relação aos movimentos de sua natureza (voltaremos um pouco adiante a falar dessa queda inicial). - Tal concepção severa, genuinamente cristã7 se implantou nas escolas antigas e medievais de espiritualidade.
e) No séc. XVI, porem, o chamado «Renascimento» procurou restaurar o pensamento grego independentemente da ideologia cristã; em conseqüência, uma onda de otimismo em re1ação á natureza humana (o «Humanismo») penetrou na cultura da época: uma mentalidade naturalista, mais ou menos pagã e hedonista (gozadora) se apossou de muitos redutos de cultura.
Esse otimismo chegou ao auge no séc. XVIII. «O homem é bom por sua natureza», tal foi o principio que inspirou:
a «moral da simpatia» de Adam Smith († 1790): os critérios que definem justiça e injustiça não seriam ditados pela razão, mas pelos sentimentos ou a simpatia;
a «moral do dever» de Kant († 1804): a natureza humana seria suficientemente forte ou propensa ao bem para poder praticar o dever por causa do dever mesmo, abstraindo de qualquer sanção anexa;
a «moral da liberdade total» de Diderot († 1784) e de Rousseau († 1778): o homem sendo bom por natureza, a corrupção só poderia provir de fatores extrínsecos ao próprio homem, isto é, da má organização das classes na sociedade ou da falta de instrução.
Nos séc. XIX/XX o liberalismo generalizado, com suas múltiplas modalidades (em moral, religião, filosofia, política), não é senão a expressão variegada desse otimismo inspirado por reação contra a mentalidade cristã: pressupondo que o homem seja naturalmente bom, os contemporâneos não raro afirmam que o vício provem da ignorância e que, por conseguinte, «basta abrir escolas para poder fechar prisões»; um homem instruído seria um homem morigerado. Há quem atribua as quedas morais dos cidadãos à péssima gestão dos governos civis: «Reformai o Estado, dizem, extingui a opressão que desencadeia a revolta nos covardes; e tereis supresso toda desordem e criminalidade; dai liberdade aos instintos, e estes só produzirão frutos bons; o homem é um cordeiro que somente a escravidão consegue transformar em lobo; se desejais acabar com os ladrões, começai por demitir os guardas da policia; é a obsessão de estarem constrangidos a praticar o bem que leva os homens a cometer o mal. A fruta proibida é sempre a mais atraente; para que ela deixe de seduzir, basta que levantemos a respectiva proibição».
f) Completando o bosquejo histórico, notaremos agora que, ao lado do otimismo humanista do séc. XVI, Lutero († 1546) e seus discípulos deram expressão a concessões derrotistas concernentes á natureza humana; esta teria sido atingida em cheio pelo pecado dos primeiros pais, de sorte a ser, mesmo após a Redenção de Cristo, totalmente incapaz de praticar o bem; o homem por si seria servo da concupiscência e do pecado, de modo que só abusivamente se lhe pode atribuir a faculdade do livre arbítrio; vão seria pretender que o homem pratique obras boas e meritórias.
Nos séc. XVII/XVIII o Jansenismo acentuou esse pessimismo, apresentando, entre outras coisas, a humilde compunção do genuíno cristão como um temor doentio e sufocador.
Não se poderia deixar de notar que também esse pessimismo jansenita exerce sua influencia até nossos dias em pessoas para quem a Religião vem a ser motivo de tristeza e medo mórbidos.
Após este rápido esboço histórico, passemos à consideração da solução cristã dada ao problema das relações vigentes entre o corpo e a alma humana.
2. A solução cristã:
Sócrates, em um de seus colóquios filosóficos, ensinava a Alcebíades: «A alma é o homem» (cf. Platão, Alcebíades Primeiro 130c).
Pois bem; distanciando-se de qualquer concepção unilateral ou do espiritualismo exagerado, o cristão repete com São Tomaz de Aquino: «Anima... non est totus homo, et anima mea non est ego. - A alma não é o homem todo, e a minha alma não é o meu eu» (In 1 Cor 15,2).
A doutrina cristã, portanto, professa que o homem é essencialmente um composto de alma e corpo, alma e corpo que, segundo os desígnios do Criador, se unem em harmonia, de modo a se completarem mutuamente. A alma não atinge por si só a sua perfeição própria; haja vista, por exemplo, o seu modo de conhecer: qualquer raciocino, por mais abstrato que seja, se baseia em dados fornecidos pelos sentidos, de sorte que, se algum órgão da vida sensitiva (principalmente o cérebro) é lesado, a inteligência já não exerce normalmente is suas funções (tal e o caso dos chamados «doentes mentais»).
A ciência moderna se compraz em sublinhar a intima correspondência que existe entre a fisiologia (constituição do corpo) e a psicologia (manifestações da alma) da pessoa humana.
O famoso Dr. René Blot observa o seguinte:
«A natureza masculina e a natureza feminina diferem biologicamente em todas as suas manifestações fisiológicas. Não há uma só atividade vital que não esteja marcada pela masculinidade no varão ou pela feminilidade na mulher» (La nature féminine et le féminisme 6).
Aliás, tendo em vista a sexualidade, já S. Agostinho declarava: «Mulier mysterium. - A mulher é um mistério».
Tão íntima união entre o físico e o psíquico do homem acarreta importante conseqüência para o conceito de perfeição humana:
«A liberdade do homem não é a mesma que a de um espírito puro. Ela não consiste em que a alma só esteja tenuemente unida ao Corpo; nem a dignidade do homem implica em esforço para afrouxar a união da alma com o corpo, como se o ideal fosse simplesmente romper essa união. Não; tal ruptura seria diretamente a morte; não seria virtude. A virtude é virtude do homem todo: a alma do homem virtuoso não esta solta do corpo, mas ela o domina e dele faz seu instrumento para o bem» (R. Blot, Le corps et 1'âme 125).
Em conclusão: considerando a essência do homem em si ou na ordem ideal, o cristão professa otimismo; sabe que corpo e alma foram destinados pelo Criador a prestar complemento um ao outro em vista do pleno desabrochar da personalidade.
2. Passando agora para a ordem das realidades concretas, como elas existem neste mundo, o discípulo de Cristo não pode deixar de temperar o seu otimismo.
E por quê?
Eis o que narra a fé cristã: Deus, que concebeu harmoniosamente a natureza humana, ao criar o primeiro casal (Adão e Eva), quis dotá-lo de dons que ultrapassavam as exigências dessa natureza humana - dons preternaturais e sobrenaturais (cf. «P.R.» 28/1960, qu. 2). Aconteceu, porém, que os primeiros pais, abusando do seu livre arbítrio, não aceitaram o desígnio divino, mas se afastaram de Deus. As conseqüências foram a perda dos dons gratuitos, característicos do estado inicial, e a ruptura da harmonia originária: tendo-se revoltado contra Deus, o espírito do homem experimenta a revolta da carne; e, consequentemente, em torno do homem os seres inferiores (animais, vegetais, minerais) causam dano tanto à carne como ao espírito. O homem, na realidade histórica concreta em que nos achamos, já não é o que deveria ser conforme o seu exemplar ou ideal. Em outros termos: a natureza humana com que nos defrontamos aqui na terra, não é a entidade harmoniosa que descrevemos nos incisos anteriores, detendo-nos no plano abstrato ou especulativo; embora essa natureza humana se conserve substancialmente boa, ela está vulnerada por múltiplas tendências desordenadas.
3. Sendo assim, compreende-se que a genuína atitude do cristão perante o humano não possa ser a de um otimismo irrestrito (otimismo que levaria a afirmar como bons todos os movimentos da carne e do espírito), nem também a de um pessimismo que tenha a matéria na conta de criatura essencialmente má e destinada a ser destruída. Entre um e outro extremo, o Evangelho ensina que o corpo deve ser reconduzido à sujeição que naturalmente lhe compete em relação a alma e a Deus. Este programa se resume também na fórmula: purificação da natureza humana e de seus instintos, não, porem, extinção ou aniquilamento da mesma.
O cristão, portanto, é chamado a praticar o combate à natureza, não para chegar a um estado de apatia total ou de extinção de todos os afetos (alegria, tristeza, medo, audácia...) da natureza (tal era o ideal do estóico pagão, ideal que não levava em conta a colaboração que o corpo deve prestar a alma humana), mas para chegar ao que se chama a metriopatia, ou seja, a disciplina dos afetos e paixões tal que permita ao espírito usufruir, sem detrimento algum para si, dos serviços do corpo. Este terá que dar tudo que tem de bom, sem jamais tomar a dianteira sobre o espírito.
Os autores de espiritualidade costumam atribuir papel muito importante na vida sobrenatural às paixões ou aos afetos devidamente controlados. O ideal do cristão não é um ideal linfático (aguado ou facilmente acomodatício); ao contrário para realizar as obras de Deus, requerem-se paixões fortes, oportunamente suscitadas e controladas pelo sujeito (por «paixões» entendem-se aqui os movimentos em que corpo e alma se empenham na conquista de um bem).
Verifica-se mesmo que todos os santos foram profundamente apaixonados ou os grandes «apaixonados» do seu século. Não há dúvida, eles nunca teriam realizado as grandes obras que despertam a admiração dos pósteros, se não tivessem sido movidos por dose de amor e entusiasmo pouco comum. A realização da vida cristã exige adesão decidida e enérgica aos bens invisíveis, adesão que, em meio aos obstáculos suscitados pelo mundo visível, não pode ser sustentada senão mediante a mobilização de todas as qualidades que o corpo e a alma ofereçam para tal fim.
Em resumo, pois: a sabedoria cristã consiste em excitar os afetos da natureza (coragem, temor, alegria, tristeza, audácia...) na ocasião oportuna e dentro dos limites convenientes, de modo que cada um dos seus afetos preencha devidamente o seu papel sem excesso nem desvio.
4. As considerações acima projetam luz ainda sobre outro aspecto do nosso problema. Costuma-se citar freqüentemente um adágio que se toma por vezes ocasião de mal-entendidos: «A graça não destrói a natureza, mas supõe-na e aperfeiçoa-a» (cf. S. Tomaz, Suma Teológica I q. 1, a. 8 ad 2).
Este axioma só poderá ser retamente avaliado mediante uma distinção:
a) A graça (a ordem sobrenatural) não destrói, mas supõe a natureza... no plano ontológico ou na linha das essências. - Sim. A ordem sobrenatural ou a vida cristã não é dada ao homem como algo de descontínuo com a natureza humana. Ao contrário, os dons sobrenaturais foram concebidos pelo Criador como coroa ou cúpula das facu1dades (inteligência, vontade, sensibilidade com seus afetos) da natureza racional; cf. «P.R.» 28/196o, qu. 2 (pág. 137).
b) Descendo agora do plano abstrato para a ordem concreta, real, já não se pode dizer que «a graça simplesmente supõe a natureza e a aperfeiçoa». Há, sim, na vida prática, não raros conflitos entre as tendências da natureza e as aspirações da graça ou aspirações sobrenaturais. Quem dissesse «Sim» a tudo que a natureza sugere e apetece, destruiria a graça recebida no batismo e nunca chegaria a perfeição cristã. A razão de tais conflitos já foi indicada: a natureza humana, na realidade histórica, não se conservou tal como no plano especulativo foi concebida pelo seu Autor; não nos é possível, por conseguinte, transpor para a ordem existente concreta todo o otimismo que concebemos ao considerar o homem em si mesmo ou abstratamente.
5. Os princípios que acabamos de expor, também nos permitem avaliar certo ideal de santidade que, inspirado pela mentalidade de nossos tempos, se vai propagando como se fosse a autêntica mensagem do Cristianismo para os nossos dias.
Com efeito; em 1946 realizou-se na França um inquérito intitulado «Vers quel type de sainteté allons-nous? - Para que tipo de santidade caminhamos?».
Ora uma das respostas que, pode-se dizer, resumia exatamente as demais, era assim concebida:
«Associar a mais elevada vida espiritual com todos os prazeres humanos, excetuado apenas o pecado; tal parece ser o ideal» («Vie Spirituelle» n.º 304, fev. de 1946, 238).
Esta afirmação categórica reaparece sob formas equivalentes em outros testemunhos. o seguinte provém de uma Diretora de hospital:
«A consciência do pecado instalado em nós e da nossa miséria moral é assaz rara. A espiritualidade atual... não se preocupa muito com a necessidade da expiação. A idéia de que somos 'pobres pecadores', como professamos na 'Ave Maria’, não penetra muito a fundo na psicologia religiosa atual. Facilmente os homens julgam que poderiam, sim, ter procedido melhor, mas que, em todo caso, o que eles realizaram já é satisfatório. Esta atitude é corroborada pela tendência jurídica da nossa mentalidade latina, que tem o pecado na conta de transgressão da lei, considerada em parte como um código; ora, pensam muitos, enquanto alguém não infringe uma cláusula do código, nada há que lhe censurar; tal pessoa é justa» (Ibd. 241).
Uma assistente social, por sua vez, escrevia:
«Meu ideal de santidade? – É o de uma celibatária... capaz de ser pioneira da cultura e do movimento social moderno. Eu a quisera ver muito elegante, capaz de lançar a moda, não apenas de a seguir - o que é meio de influência muito importante. Que os autênticos cristãos deixem de estar no 'reboque’ e tomem finalmente o lugar que sempre deveriam ter ocupado à frente de todas as iniciativas espirituais, intelectuais e sociais» (Ibd. 239).
Um membro da Ação Católica assim se exprimia:
«Nossa espiritualidade equivale a um humanismo cristão. A tendência mais acentuada, principalmente nos jovens, visa uma liberdade total, que significa desabrochar em todos os sentidos. Os homens praticam, sem duvida, a renuncia imposta pela necessidade, como seria a perda da saúde ou de um noivo, mas a luta do indivíduo contra si mesmo, a procura da mortificação contam poucos adeptos; são coisas que quase escandalizariam. Por que não gozarmos de tudo que Deus coloca a nossa disposição? Procurar a cruz para nos assemelharmos a Nosso Senhor... não entra nas perspectivas da espiritualidade contemporânea. Não são compreendidas, são, antes, severamente julgadas, certas renúncias excepcionais, como a de deixarmos que nos atribuam injustamente alguma falha sem que nos desculpemos, a fim de sermos mais semelhantes a Cristo crucificado» (Ibd. 233).
Uma jicista (membro da «Juventude Independente Católica»), por fim, preconizava:
«Os santos de amanhã serão menos penitentes; serão muito mais os reis da criação» (Ibd. 232).
Perguntamo-nos agora: como julgar tais concepções, aparentemente tão apropriadas para captar a simpatia do homem moderno e trazê-lo a Cristo?
Sem negar o que possa haver de magnânimo nessas fórmulas, não recearemos dizer que são perigosas e, na prática, inexeqüíveis. Sim; quem considera com otimismo irrestrito a natureza humana, sem se preocupar com mortificação, arrisca-se a ver-se suplantado pelas ciladas da carne. Quem se entrega ao prazer lícito, intencionando recuar diante dos deleites pecaminosos (e somente diante deles), dificilmente deixará de cair neles; arrastado pela natureza, tal indivíduo se renderá tanto ao que é licito como ao que é ilícito.
É por isto que não se pode dar razão aos que interrogam: «Que mal há em usufruir dos bens que Deus criou?» - Suposto (como se entende) que esses bens não sejam em si pecaminosos, o gozo irrestrito dos mesmos debilita a resistência da personalidade, que, vulnerada pelo pecado original, tende não somente a usar, mas também a abusar... Por conseguinte, para conquistar firmeza na virtude, o cristão tem inevitavelmente que se abster em certo grau até mesmo dos bens lícitos (esse grau será mais ou menos intenso, conforme as tendências próprias da natureza de cada um). Qualquer que seja a época em que viva o cristão (mesmo em meio ao libertinismo do séc. XX), ele jamais se poderá adaptar a mentalidade contemporânea de sorte a esquecer o pecado original e as tristes conseqüências que acarretou para a natureza humana.
Está claro, isto não quer dizer que o cristão se deva tornar um tipo desambientado ou um quisto na comunidade; não. «Um santo triste é um triste santo», reza a máxima tradicional. O justo, portanto, saberá utilizar, em toda a medida do possível, Os valores tanto da família como da sociedade; saberá dar-lhes sentido sobrenatural, sem, porém, esquecer que em tudo é necessário observar uma certa cautela ou «virgindade», a fim de que a natureza não tome a dianteira sobre a graça:
«Digo-vos, irmãos:... os que se alegram, sejam como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se não usassem, porque passa a figura deste mundo» (1Cor 7,29-31).
Assim fazendo, o cristão será, sem dúvida, o homem sempre ambientado e atual; será «o sal da terra e a luz do mundo» (cf. Mt 5, 13s).
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Quarta-feira, 20 de Junho de 2007

Castidade: sexo antes do casamento: sim ou não?
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 167 1973)
Em síntese: As relações sexuais anteriores ao casamento tornam-se praxe cada vez mais comum entre os jovens de hoje, como demonstram pesquisas e estatísticas.
Em vista disto, numerosos pensadores vêm estudando o assunto, e procuram legitimar esse costume, que parece ditado por necessidades im­periosas da vida contemporânea (hoje em dia o casamento só pode ser tranqüilamente contraído depois que os jovens tenham adquirido certa esta­bilidade profissional e econômica). As diversas fórmulas, porém, concebi­das em vista de justificar o uso do sexo antes do casamento são de todo insuficientes. - Autores católicos de renome lembram que
- as relações sexuais são, por sua índole, a expressão de um amor que chega à mais íntima e extrema doação de si. Por isto, requerem a totalidade e a estabilidade que só o contrato matrimonial lhes pode dar. Antes do casamento, as relações sexuais vêm a ser uma expressão sem conteúdo; são, em grande parte, movidas pelo egoísmo e pela cobiça cega, mais do que pelo genuíno amor-doação. Muitas vezes equivalem a indigna manipulação do corpo humano;
- o casamento tem sempre um aspecto social e uma dimensão pú­blica, institucional; a vida conjugal não interessa apenas aos nubentes, mas a toda a sociedade. Por isto, desde que dois jovens queiram viver conju­galmente, a sociedade tem o direito de lhes pedir que oficializem esse seu propósito mediante um ato público que é o casamento legitimamente con­traído. O casamento clandestino, não oficializado, vem a ser burla do próprio casamento; antigamente admitido pela jurisprudência, foi definitiva­mente rejeitado pelo Concílio de Trento no séc. XVI, por dar margem a copiosos abusos.
Em suma, o problema das relações pré-matrimoniais não pode ser isolado do contexto do comportamento sexual do homem moderno. Este é mal orientado por falsos conceitos de amor, sexo e casamento, que a ética da situação tem relativizado e a onda de erotismo moderno tem deturpado. Por isto a solução que se deve dar ao problema, está ligada à renovação das noções fundamentais de amor, sexo e matrimônio. Seja o jovem de hoje preparado a se libertar dos sugestionamentos que a sociedade de consumo lhe incute; assim compreenderá que a continência pré-nupcial não é frustração nem castração, mas condição de crescimento do autêntico amor­-doação.
***
Comentário: Está cada vez mais propagada entre os jo­vens a prática de relações sexuais antes do casamento. Tempos havia em que tal costume chamava a atenção e suscitava repú­dio; atualmente, porém, a praxe tende a se generalizar com foros de legitimidade. As mais variadas razões são aduzidas, para tentar justificá-las, de sorte que se registra perplexidade entre os que observam o fenômeno. Ora, a fim de ajudar os interessados a refletir sobre o assunto, vamos propor nas pá­ginas seguintes alguns dados concretos e certos princípios que projetem luz sobre a espinhosa questão.
1. A situação: números
A liberdade sexual, cada vez mais notória no mundo intei­ro, se reflete também no período que precede o casamento. Desde que o queiram, muitos jovens fazem tranqüilamente suas experiências de vida conjugal, encontrando para isto o apoio de teorias psicológicas, pedagógicas, filosóficas...: o uso de anti­concepcionais e o recurso ao aborto contribuem fortemente para remover o receio de conseqüências desagradáveis de tal costume.
Certos inquéritos realizados nos últimos tempos dão a ver quão disseminada está a prática de relações sexuais antes do casamento:[1]
Nos Estados Unidos, o relatório de Kinsey indica que 90% dos rapazes e aproximadamente 50% das moças têm relações sexuais pré-matrimoniais.
Nos países escandinavos, a praxe já tem sua antiga tradi­ção, de modo que é geralmente tida como normal. Na Dina­marca, por exemplo, recente pesquisa evidenciou que, entre ra­pazes de 18/19 anos de idade, 63% tinham tido relações sexuais pré-matrimoniais; 97% dos mesmos as julgavam normais, e 93% as tinham mesmo como obrigatórias. Na Suécia, a Uni­versidade de Upsália em 1965 averiguou que, entre estudantes de 17 a 23 anos, 81% dos rapazes e 65% das moças tinham feito a mesma experiência pré-conjugal.
Na França, estatísticas de 1963 davam a ver que, aos 20 anos de idade, 80% dos rapazes e 50% das moças haviam tido suas relações pré-matrimoniais.
Na Alemanha, um inquérito de 1953 forneceu os seguintes resultados: 70% das mulheres e 98% dos homens interrogados tinham tido relações sexuais antes do casamento. Interrogados quanto à moralidade dessa praxe, 18% dos homens e 28/29% das mulheres a desaprovaram.
No Brasil, a imprensa tem noticiado o surto espantoso de doenças venéreas entre universitários.
As condições da vida moderna inspiram e fomentam a no­va praxe. A sociedade, através dos seus meios de comunicação (imprensa escrita, falada e televisionada), através dos cartazes das ruas, mediante também o cinema e o teatro, oferece aos jovens uma série de estimulantes da vida sexual. O casamento, porém, só pode ser realizado quando os jovens tenham habilita­ção, emprego estável, salário compensador, etc. Consequentemente, a tentação se torna forte... De modo especial, o auto­móvel tem sido o grande instrumento da revolução dos costu­mes sociais, repercutindo notavelmente sobre as relações entre namorados e noivos. Segundo recente estatística norte-ameri­cana, 67% dos jovens consideram o automóvel essencial para o período de noivado. Nos Estados Unidos, a maioria dos filhos ilegítimos foi concebida dentro de um carro.
É a realidade proposta por tais dados numéricos e fatos que leva os estudiosos a encarar o assunto em conferências, mesas-redondas, debates, etc.
Vejamos, pois, quais os argumentos que mais freqüente­mente se propõem em favor das relações pré-matrimoniais.
2. Em prol de nova moralidade
Na bibliografia que vem sendo publicada sobre o assunto, encontramos a apresentação de um princípio geral, de fatores concretos e de fórmulas de canonistas que tendem a fundamen­tar uma revisão do clássico modo de julgar as relações pré­-matrimoniais.
2.1. Um princípio geral
Dentre as correntes inovadoras em questões de Moral, des­taca-se a «New Morality» (Nova Moralidade) na Inglaterra, de inspiração anglicana (não católica). Apela para a ética da situação ou para o princípio de que nenhum ato por si mesmo é moralmente bom ou mau; mas o que, em determinadas cir­cunstancias, seria condenável, em outras seria mesmo louvável; o amor - amor subjetivo, concebido pela pessoa que age - é o único preceito sempre válido. Como principais representantes dessa tendência, citam-se J. Fletcher e J. A. T. Robinson, que apelam para princípios lançados por E. Brunner, H. R. Niebuhr, D. Bonhoeffer, R. Bultmann, P. Tillich.
Foi principalmente no campo sexual que a nova Moral en­controu aplicação. Robinson, por exemplo, assim exprime o seu pensamento no tocante às relações pré-matrimoniais:
"Nada pode, em si mesmo, ser sempre qualificado de mau. Por exem­plo, não se pode partir da tese de que as relações sexuais antes do ma­trimônio ou o divórcio são coisas más ou pecaminosas em si mesmas. Podem sê-lo em 99% ou mesmo em 100% dos casos, mas não o são intrin­secamente, porque o único mal intrínseco é a falta de amor".
Todavia com este princípio Robinson não tenciona abrir a via ao relaxamento ou ao desmando dos costumes; é ele quem diz ainda:
"A porta do amor é estreita e rigorosa, e as suas exigências muito mais profundas e penetrantes. A um rapaz que pergunta a propósito das suas relações com uma jovem: 'Por que não o devo fazer?', é relativa­mente fácil responder: 'Porque é mau' ou 'Porque é pecado' e depois con­dená-lo... É muito mais exigente responder-lhe com a pergunta: 'Será que tu a amas realmente?' ou 'Até que ponto a amas?' e ajudá-lo então a veri­ficar por si mesmo que, se não a ama ou não a ama profundamente, o seu ato é imoral, ou que, se a ama, deve respeitá-la a tal ponto que não lhe será possível abusar dela ou tratá-la libertinamente" ("Um Deus diferente". São Paulo 1967, pp. 152s).
Aqui ainda merece especial menção o parecer de uma co­missão de moralistas anglicanos nomeada pelo chamado «Con­selho Britânico das Igrejas» para estudar o problema das rela­ções pré-matrimoniais e informar a respeito a assembléia res­pectiva que se realizou em Lambeth nos dias 25 e 26 de outubro de 1966 (versamos em ambiente não católico).
Os autores do relatório se movem no clima da «New Mora­lity», que é de relativismo moral.
Não afirmam que as relações pré-matrimoniais sejam intrinsecamente ou por si más, como se depreende da seguinte passagem do relatório:
"Toda norma por si mesma é base inadequada para a Moral. Nenhuma regra pode compreender o grande número de variedades e situações com­plexas em que se acham os homens e as mulheres. Além disto, um ato que seja exteriormente conforme a uma regra, pode ser imoral por ser inspirado por má intenção. A nossa recusa de apresentar o significado da castidade em função de regras básicas não se deve a falta de convicção sobre o valor da castidade, mas, antes, ao desejo de dar um conteúdo, adequado a este vocábulo" (o texto original inglês foi traduzido para o espanhol com o título "Sexo y moralidad. Informe para el Consejo Brita­nico de las Iglesias". Madrid 1968; cf. pp. 104s).
Na prática, porém, os relatores tendem a desaprovar as relações pré-matrimoniais.
Justificam esta posição lembrando que ninguém pode usufruir do sexo sem assim se comprometer definitivamente e sem vulnerar a outrem e ser vulnerado por outrem. Mais: afirmam também que relações sexuais destina­das a provar o companheiro e averiguar se ele (ou ela) é o consorte conveniente pecam contra uma das condições essenciais do autêntico amor, que é a doação irrevogável.
Faz-se mister agora examinar quais as razões concretamen­te apresentadas em favor da legitimação do relacionamento sexual pré-conjugal.
2.2. Os fatores concretos
Recensearemos quatro motivos que a alguns autores pare­cem exigir revisão da Moral das relações pré-matrimoniais:
a) A saúde física e psíquica dos jovens, principalmente dos rapazes, só pode ser preservada e autenticamente desenvol­vida caso o jovem dê livre expansão à sua sexualidade; as res­trições feitas ao uso do sexo, quando este faz sentir suas ten­dências, vêm a ser nocivas. Daí a necessidade de não se impedir a juventude de ter relações sexuais mesmo antes do matrimônio.
b) A vida sexual pré-matrimonial servirá de teste ou de experiência que preparará o contato conjugal posterior. As re­lações sexuais, dizem, são uma arte que é preciso aprender oportunamente a fim de que os esposos não passem pela frus­tração de muitos casais decepcionados. Além do mais, a expe­riência anterior ao matrimônio ajudará a se descobrir qualquer incompatibilidade que mais tarde seria difícil remediar.
c) O amor autêntico exige comunhão plena entre aqueles que se amam, comunhão tal que deve atingir mesmo a união física. Esta vem a ser decorrência natural do verdadeiro amor, de modo que onde haja amor, mesmo fora do casamento, deve haver liberdade de cópula carnal. A união sexual inspirada por amor fora do casamento é preferível às relações sexuais de cônjuges que vivem o matrimônio sem amor.
d) Como dito, as circunstâncias da vida moderna exigem que o casamento seja diferido até a idade em que o casal possa ter sua estabilidade habitacional e econômica. Sendo assim, não se vê como condenar o uso do sexo anteriormente ao matrimô­nio,... matrimônio que os jovens interessados têm que adiar a contragosto. Já que em muitos casos é recomendável o adia­mento das núpcias, por que não permitir a um estudante ou a um jovem profissional que satisfaça à sua vida sexual antes do casamento?
Colocados diante destas reivindicações da juventude e de muitos dos seus mentores, os moralistas (protestantes e católicos) têm encarado o problema, no intuito de encontrar, em consciência honesta ou diante de Deus, alguma fórmula que possa de certo modo ou em certas circunstâncias legitimar uma realidade que parece imperiosamente acarretada pelo ritmo da vida contemporânea.
Consideremos, pois, algumas teses esboçadas por estudio­sos como possíveis soluções à problemática que acabamos de expor.
2.3. As fórmulas de canonistas
Distinguiremos três tentativas concebidas a fim de legiti­mar as relações sexuais pré matrimoniais.
a) A revalorização do contrato de noivado
Um dos principais arautos desta tese é o Dr. Geoffrey, Fisher, que foi arcebispo primaz da Igreja anglicana até 1961. A sua fórmula afirma que, no caso de dois jovens se amarem, mas não se poderem casar em tempos próximos, se pode revi­gorar a praxe antiga dos esponsais ou do noivado como contrato de casamento. Tendo contraído noivado entre si, tais jovens gozariam da liberdade de se unir sexualmente, sem que isto pudesse ser tido como fornicação.
A propósito, pode-se lembrar que os povos antigos da Me­sopotâmia, de Israel e do Império greco-romano praticavam os esponsais; estes equivaliam a verdadeiro contrato cujo objeto era o casamento futuro. Esse contrato, quanto aos seus efeitos jurídicos, podia ser equiparado ao próprio casamento; era autoritariamente estipulado pelos genitores dos futuros nubentes, às vezes quando estes ainda eram crianças; a jovem tinha a obrigação de se casar com a pessoa a quem fora prometida.
- Entre os babilônios (que praticavam os esponsais), o ato sexual podia ser consumado pelos dois noivos, embora isto não fosse bem visto pela respectiva sociedade. Em caso de infideli­dade ao noivo, a noiva israelita era apedrejada como adúltera; cf. Êx 22,15; Dt 22,23-29.
Entre os cristãos, os esponsais tiveram voga e grande valor até o séc. XVI. O Concilio de Trento (1545-1563), porém, re­formulando a legislação sobre o casamento, fez indiretamente que os esponsais (no sentido de promessa redigida por escrito e dotada de rigorosos efeitos jurídicos) perdessem a sua impor­tância e o seu rigor; o noivado é reconhecido como promessa de casamento no Código de Direito Canônico (cân. 1017), mas o «Ritual Romano» não apresenta rito nem ato litúrgico que acompanhe a promessa prevista pelo cân. 1017.
Se os moralistas católicos quisessem adotar a sentença do Dr. Geoffrey Fisher, deveriam revalorizar os esponsais (noiva­do) e dar-lhes um efeito que nunca tiveram em ambientes ca­tólicos, ou seja, o efeito de legitimar relações sexuais pré­-matrimoniais.
Passemos a outra via aberta pelos estudiosos.
b) O casamento em realização gradativa («in fieri»)
Assim argumenta o Pe. Jaime Snoek no artigo «Matrimo­nio e istituzionalizzazione delle relazioni sessuali», da revista «Concilium» n° 55 (1970)
O conceito tradicional de casamento apresenta três ele­mentos distintos: o Sim dos nubentes (no noivado), o Sim da Igreja (nas núpcias) e a consumação (na cópula carnal). Ora esta dinâmica pode ser interrompida após a primeira fase (o noivado pode ser dissolvido) e, também, após a segunda (o casamento sacramental contraído, mas não consumado pela união dos corpos, ainda pode ser dispensado pelo Sumo Pontí­fice). - Não se poderia levar em conta a continuidade que vai entre o noivado e o matrimônio e, consequentemente, per­mitir aos noivos que em determinadas circunstâncias antecipem a consumação, praticando-a antes do Sim da Igreja?
O Pe. Snoek apela para os mestres Juan Sánchez († 1624) e Caetano († 1534) como predecessores seus na formulação de tal tese. Afirma também que tal era a praxe em certos ambi­entes do judaísmo contemporâneo a Cristo.
K. Kriech, a seu turno, parte do princípio de que a forma da celebração do sacramento do matrimônio depende de lei positiva da Igreja e não do Direito natural. Em conseqüência, diz ele, leve-se em conta que «a lei positiva não obriga quando acarreta grave incômodo para quem a queira observar». Por conseguinte, as relações sexuais entre noivos que se amam e não se podem casar, deverão ser consideradas como matrimo­niais e legítimas, ainda que formal e juridicamente sejam tidas como pré-matrimoniais. - Cf. K. Kriech, «Vorehelicher Geschlechtsverkehr in moraltheologischer Sicht. Ein Zwischen­bilanz», em «Schweizerische Kirchenzeitung» 19 (1970) pp. 274-278.
c) O matrimônio de emergência
F. Böckle, em diversos escritos seus, mostra-se contrário ao consórcio marital fora do sacramento do matrimônio. Não aprova, portanto, relações sexuais pré-matrimoniais, pois julga que o relacionamento sexual supõe e exige doação total dos consortes entre si, doação que só tem suas garantias quando há casamento entre ambos.
Todavia Böckle lembra que existe no Código de Direito da Igreja o cânon 1098, o qual diz:
"Se não se pode obter ou não se pode recorrer, sem incômodo grave, a algum pároco ou Ordinário ou sacerdote delegado, que assista ao casa­mento, de acordo com os cânones 1095 e 1096,
- em perigo de morte, é válido e lícito o casamento contraído diante de testemunhas apenas. Fora do perigo de morte, o casamento em tais circunstâncias também é válido e lícito, se com prudência se prevê que tal estado de coisas há de protrair-se por um mês.
- Em ambos os casos, se há outro sacerdote que possa assistir ao casamento, é preciso chamá-lo, e ele deve, juntamente com as testemunhas, assistir ao casamento. Este, porém, será válido, ainda que se celebre ape­nas diante das testemunhas".
Ora Böckle propõe uma interpretação larga deste cânon, que prevê o chamado «casamento de emergência». Segundo o autor, há jovens que desejam viver conjugalmente, mas não se podem casar em presença de um sacerdote; por que então não lhes seria permitido faze-lo de maneira válida e lícita dian­te de testemunhas apenas? Esta posição de Böckle teve grande repercussão e influência em ambientes católicos.[2]
V. Schurr faz eco à sentença de Böckle. Rejeita, sem dúvida, as relações pré-matrimoniais, pois diz que o ato sexual é de tanta profundidade e intimidade e exige doação tal do homem e da mulher entre si que ele só pode ser realizado no âmbito do casamento devidamente contraído. Schurr chega a rejeitar, pelo mesmo motivo, o casamento de experiência ou «por algum tempo» («Ehe auf Zeit»). Doutro lado, porém, aceita a interpretação que Böckle dá ao cân. 1098 e - mais ainda - exprime o desejo de que a forma canônica prescrita, para o sacramento do matrimônio não seja necessária para a validade, mas apenas para a liceidade do enlace.[3]
Estão assim expostas as diversas posições de pensadores não católicos e católicos que de algum modo apregoam a re­formulação da ética do consórcio sexual pré-matrimonial. Pro­curemos agora refletir sobre tais teses e confrontá-las com os mais sólidos e básicos princípios da Moral católica.
3. Que pensar?
As sentenças dos autores que, embora com timidez em alguns casos, deixam entrever que as relações pré-matrimoniais poderiam ser legitimadas pela consciência cristã e pelo Direito da Igreja, não fazem parte do ensinamento oficial da Igreja. Deve-se mesmo notar que suscitaram, da parte de teólogos ca­tólicos de nomeada, estudos que reafirmam o constante e atual pensamento da Igreja a respeito: as relações sexuais antes ou fora do matrimônio legítimo e publicamente contraído não en­contram justificativa; hão de ser consideradas como ofensa ao conceito de amor total e à índole do próprio casamento. Um dos maiores valores da humanidade que é o amor entre esposo e esposa, vem a ser assim vilipendiado e posto em xeque. Com efeito, duas notas características se prendem ao uso do consór­cio sexual: amor total e tomada de posição na sociedade.
1) Amor total
De 13 a 17 de janeiro de 1967, realizou-se em Madrid um Congresso de Teologia Moral, de cujo programa constou uma mesa redonda sobre o problema das relações pré-matrimoniais. O estudo assim realizado terminou-se com a apresentação de pareceres de abalizados teólogos, entre os quais vem a propó­sito aqui o do Pe. Bernardo Häring:
"Rejeito firmemente as relações sexuais pré-matrimoniais propriamente ditas... O amor é um encontro de todo o ser humano, de toda a perso­nalidade, que passa a constituir uma só carne, no sentido bíblico desta expressão, sentido que é total e definitivo. Esta sinceridade pode realizar­-se de modo gradativo. Na prostituição, por exemplo, ela não existe de modo nenhum, porque então a mulher se torna instrumento, instrumento às vezes mesmo anônimo.
No amor livre, há maior sinceridade, porque a pessoa em foco tem seu nome; todavia não se dá, no amor livre, a integração total e definitiva das pessoas.
Nas relações entre noivos, aproximamo-nos mais de uma sinceridade total; todavia não chegamos à sinceridade total, porque, embora os noivos se digam comprometidos, eles se sentem ainda livres para recuar.
Em suma, os jovens, que hoje em dia são tão sinceros, devem ser sinceros também neste setor das relações pré-matrimoniais" ("Moral y hombre nuevo". Madrid 1969, pp. 266s).
Pouco depois desta declaração, o mesmo autor concedeu entrevista ao jornal alemão «Der Spiegel», em que de novo ex­primiu a mesma posição frente ao problema: as relações sexuais exigem doação mútua total e plena, que só existe no casamento contraído legitimamente. Afirmava também algo que adiante será estudado explicitamente: o relacionamento sexual não pode ser considerado como algo de interesse particular ou exclusivo de duas pessoas, mas, por sua índole mesma, interessa a toda a sociedade e deve ser integrado dentro da comunidade (o que. quer dizer: supõe o compromisso matrimonial publicamente assumido pelos cônjuges).[4]
Em suma, o casamento não implica apenas leito comum, mas também convivência, comunhão de ideal, de bens pessoais e humanos, ou seja, um «dar e receber» de todos os dias, que se faz sob o mesmo teto ou no lar, em presença dos filhos, que são a expressão do amor ou da mútua doação dos pais. Enquan­to não é possível a dois jovens constituir tal comunhão de vida, o consórcio sexual vem a ser burla do amor autêntico ou da doação total que ele deveria exprimir; é expressão de egoísmo, e não de amor; significa, antes, a degradação da sexualidade. Quem se dá sexualmente, se dá da maneira mais íntima e plena, numa atitude de amor total, exclusivo e definitivo. Ora nem os namorados nem os noivos professam esse amor total e defi­nitivo, mas guardam legitimamente a liberdade de voltar atrás.
Ainda em outros termos: os atos do homem devem ter um significado humano ou devem ser expressões de uma personali­dade. De modo particular, a vida sexual não pode ser tida como mera expressão das funções biológicas ou da fisiologia que o ser humano tem em comum com os demais animais. Por isto também o consórcio sexual não há de ser procurado por mero deleite. Toda relação sexual que seja mero desejo de pra­zer sensível, deixa de ser autêntica; já não exprime uma per­sonalidade formada, capaz de amor e de doação, mas, sim, um ser movido por concupiscência um tanto egoísta; é a redu­ção da pessoa humana à categoria de instrumento do prazer; tanto a pessoa que toma a iniciativa de tal relacionamento como aquela que voluntariamente se deixa manipular, decaem da sua dignidade (não raro, inconscientes e «anestesiadas» pe­la propaganda do erotismo).
2) Compromisso público
Nos últimos tempos, a cultura ocidental descobriu a dimen­são personalista do sexo. Tal modo de valorizar o sexo é autêntico: este existe em função de uma pessoa e para a cons­trução de uma personalidade. Todavia valorização personalista não é o mesmo que valorização individualista.
Com efeito, A sexualidade não diz respeito somente a um indivíduo, nem mesmo a duas pessoas apenas. Ela constitui um nós - o nós do casal - que se abre para o nós da sociedade,. Não se pode viver um relacionamento sexual plenamente hu­mano em um ambiente puramente privado e individualista. É no meio da sociedade que o casal se realiza plenamente e que o amor se consuma. Sim; o nós da sociedade acolhe o casal; dá­-lhe o apoio com que ele pode e deve contar para se consolidar em seus diversos aspectos. Por isto também a sociedade está interessada na regulamentação ética e jurídica do comporta­mento sexual; se este não se orienta segundo certas normas de respeito mútuo e de autodomínio, o bem comum da sociedade vem a sofrer graves danos. Em conseqüência, é indispensável a «institucionalização» da vida conjugal, sem a qual o uso do sexo se pode tornar um fator de desintegração da comunidade e de destruição dos membros desta.
Observa o grande teólogo J. Ratzinger:
"É preciso reconhecer que a interpretação do casamento a partir do amor pessoal é um tanto unilateral. Já os bispos africanos no Concílio acharam essa teologia do matrimônio muito bela, mas irreal... O eu e o tu só se realizam em conjugação com o nós... A pessoa não se realiza plenamente se se confina no encontro eu-tu ... O individualismo esquece a profunda vinculação de todas as pessoas no complexo da sociedade; é nesta que se torna possível o ser pessoa... Eros e sexo são, ao mesmo tempo, o que há de mais público e o que há de mais íntimo. Deles de­pendem a vida e a morte de toda a sociedade. Toda sociedade depende dos seus membros individuais, como todo indivíduo depende da sociedade" ("Zur Theologie der Ehe", em "Tübinger theologische Quartalschrift" 1949 (1969) pp. 53-74).
É por isto que, por sua própria índole, o amor e o sexo estão sujeitos a ser integrados na boa ordem da sociedade. Todas as culturas humanas e todos os povos dão testemunho disto. Não se conhece sociedade que não tenha instituído nor­mas para regulamentar e harmonizar o comportamento sexual dos seus membros. Verdade é que Bachofen propôs a tese de que os povos primitivos viviam em promiscuidade sexual; to­davia tal posição carece de base científica; cf. PR 13/1959, pp. 3-9.
Estas considerações projetam luz sobre o que as relações sexuais fora ou antes do matrimônio têm de abusivo e de prejudicial tanto para os indivíduos quanto para a sociedade. É de interesse comum a instituição que se chama casamento. Mesmo relações sexuais pré-matrimoniais empreendidas de ma­neira esporádica, e não habitual, não encontram justificativa, ainda que pareçam ser manifestação de autêntico amor entre dois seres humanos. Com efeito, diz a «Informação ao Conse­lho Britânico das Igrejas»
"Julgamos que relações esporádicas criariam provavelmente problemas mais numerosos do que aqueles que elas deveriam resolver, pois as relações sexuais não são algo que se possa separar adequadamente do contexto de um relacionamento permanente" ("Sexo e moralidade", p. 103).
Com outras palavras: as relações sexuais vinculam as pessoas ou estabelecem entre elas liames que não podem ser esquecidos ou cancelados segundo o arbítrio dos interessados.
A palavra «institucionalização» não é sempre agradável nem aceita pelo homem de hoje, que muito apregoa liberdade e criatividade. Não se poderiam, porém, ignorar os benefícios que toda justa legislação traz à sociedade; sem estipulação de direitos e deveres entre os membros de uma comunidade, esta se esfacela. A lei tem por finalidade não a sufocação da vida e dos seus valores, mas, ao contrário, visa a preservar e garan­tir o autêntico desabrochar dos mesmos. Isto se aplica também ao valor que se chama amor, existente entre o homem e a mulher e tendente a se exprimir em relacionamento sexual.
Compreende-se, porém, que, para não se sentirem sufoca­dos pela institucionalização do matrimônio, se requer que os interessados se certifiquem previamente de que nutrem autên­tico amor que seja doação generosa, e não cobiça egoísta. Esta certeza só poderá ser adquirida paulatinamente, ou seja, se o amor que desperta nos jovens (com índole um tanto instintiva: e cega) for submetido a delicada e prolongada educação, em vez de ser prematuramente exercitado em relações sexuais. O amor e a arte de amar são algo que se aprende mediante es­forço e magnanimidade - esforço que é, ao mesmo tempo, maravilhosa descoberta.
Enquanto o amor não se torna suficientemente adulto e amadurecido para ser institucionalizado, a conduta do jovem é a da continência pré-matrimonial.
Esta não se deriva de mentalidade antiquada, marcada por tabus morais e desuma­nos, mas, sim, pela própria índole do amor autenticamente concebido
Faz-se mister agora voltar aos argumentos apresentados em favor de uma revisão destes conceitos de amor e casamento.
4. E as razões em favor da nova posição?
Examinaremos primeiramente os argumentos de índole ge­ral; depois, passaremos aos que teólogos e canonistas propõem em prol de abrandamento da sentença tradicional.
4.1. Argumentos de índole geral
1) Saúde física e psíquica
Já PR 36/1960, pp. 506-514 publicou um artigo sobre a continência pré-matrimonial. Esta, longe de prejudicar o de­senvolvimento normal do organismo, é mesmo penhor de saúde e vigor. Seja recordado aqui, por exemplo, que as glândulas humanas funcionam todas em estreita correlação entre si; em particular, as que segregam os hormônios das funções genitais não servem somente a estas funções, mas beneficiam outras atividades do organismo humano. Em conseqüência, a continên­cia sexual permitirá que as glândulas hormônicas favoreçam com mais intensidade outras funções vitais do organismo. Pode-se dizer que o preconceito e o condicionamento psicológico (devidos, em grande parte, ao ambiente de erotismo em que vivem) é que levam muitos jovens a crer que não lhes é possível observar a continência sexual; assim pensando, não conseguem realmente guardá-la.
2) Aprendizagem e experiência
As relações pré-matrimoniais preparam os jovens para a vida matrimonial experimentada e tranqüila?
- O uso do sexo antes do matrimônio prova pouca coisa. Caso seja bem sucedido, daí não se segue que a vida conjugal será feliz; paralelamente, no caso de deixar o jovem psicolo­gicamente frustrado, pode-se crer que nem por isto o jovem não conseguirá comportar-se devidamente no plano sexual após o casamento. Segundo um inquérito realizado por P. Le Moal, não se pode provar que haja relação entre «aprendizagem sexual antes do casamento» e subseqüente felicidade conjugal. Será que realmente o amor - dínamo e segredo da felicidade conjugal - pode ser avaliado ou testado mediante experiências sexuais? Admitir isto não seria equivocar-se sobre a realidade do amor? Quem entra em relações sexuais para provar o seu, companheiro, já não observa a condição básica do amor, que é a de ser uma doação irrevogável e absoluta.
3) Amor pede comunhão física
É evidente que o amor estabelece comunhão entre duas pessoas que se amem mutuamente. Todavia o dar e receber que o amor suscita, pode estar sujeito a ilusões; o egoísmo e a procura de auto satisfação podem provocar a comunhão física. O autêntico amor sabe que nem sempre a união sexual contribui para o bem comum. O organismo humano se torna capaz de ter relações sexuais e de experimentar atração por estas antes mesmo que a pessoa tenha a possibilidade de arcar com os compromissos e responsabilidades da cópula sexual. Por isto é que, antes de ter condições de contrair casamento, o jovem é incitado a se abster do sexo, ainda que deva exercer corajoso autodomínio sobre si mesmo.
4) Adiamento forçado do matrimônio
É certo que as circunstâncias da vida moderna dificultam ou impossibilitam aos jovens o casamento sem base profissional e financeira. Daí, porém, não se segue que as relações sexuais pré-matrimoniais se tornam legítimas ou recomendáveis. A propósito, deve-se lembrar ainda o seguinte: o diferimento do enlace matrimonial dá ocasião a que os jovens se preparem não só no plano econômico e profissional, mas também no pla­no da formação humana e moral. Se os jovens, antes do ca­samento, não adquirem o hábito de dizer Não a si mesmos se­gundo as diversas oportunidades que o possam exigir, dificil­mente saberão contrariar a seus instintos depois do matrimônio.
4.2. Argumentos teológicos e jurídicos
1) Revalorização do noivado
Na jurisprudência cristã, o noivado nunca teve a qualificação de contrato que empenha-se definitivamente. Com o passar dos tempos, o noivado se tornou, tanto no foro eclesiás­tico como no civil, uma praxe sem conseqüências de grande peso para os noivos. Donde se vê que seria artificial pretender revalorizar o noivado hoje em dia, dando-se-lhe mesmo importância e realce que ele nunca teve, ou seja, a característica de tornar lícitas as relações pré-matrimoniais.
2) Casamento em realização gradativa («in fieri»)
Os noivos que entrassem em relações sexuais, já estariam iniciando o seu casamento pelo fato mesmo de assim procede­rem, antes de tornarem oficial e público o seu amor mútuo. Tal sentença que, à primeira vista, parece significar um pro­gresso da Moral constitui, na realidade, um retrocesso a fases superadas na história e na teologia do casamento.
Com efeito. A sentença volta a tornar legítimo o que se chama «casamento clandestino». Dados os abusos que tal con­ceito facilitava, o Concílio de Trento recusou reconhecer para o futuro a validade de casamentos clandestinos (não públicos) e estipulou uma forma jurídica pública e necessária para a va­lidade do casamento: duas testemunhas e presença de sacerdote se requerem para que os nubentes profiram publicamente o seu consentimento matrimonial.
Mais: já foi dito atrás que todo casamento tem uma di­mensão social, que deve ser absolutamente respeitada e salva­guardada.
Note-se ainda: o princípio segundo o qual a lei positiva não obriga quando acarreta graves incômodos, não encontra aplicação no caso de pessoas que não queiram (ou julguem não poder) observar a castidade pré-matrimonial. Pois há cer­tos incômodos que não podem ser evitados sem que com isto a pessoa e a sociedade sofram sérios danos. Ademais a expres­são «graves incômodos», genérica e indeterminada como é, não deveria ser adaptada à satisfação de veleidades. O espírito da legislação matrimonial é o de preservar e fomentar o bem co­mum, nunca o de abrir brechas para males envernizados por falsa legalidade.
Por último, a tese de que as relações sexuais já constituem casamento entre os dois interessados, tem sua sutileza. Com efeito, as relações sexuais contraídas dentro de um matrimônio implícito ou gradativo já não são relações pré-matrimoniais, mas intra-matrimoniais. Donde se vê que mesmo os autores que defendem a tese do matrimônio gradativo, não estão de­fendendo a legitimidade de relações pré-matrimoniais; repu­diam-nas como os clássicos moralistas. Todavia nem por isto a idéia de «casamento implícito ou gradativo» é válida e satis­fatória, como acabamos de ver.
3) Matrimônio de emergência
Quando não é possível o recurso a um sacerdote pelo pra­zo de trinta dias, o Código de Direito Canônico reconhece a va­lidade e legitimidade do casamento celebrado perante duas testemunhas apenas. Cf. cân. 1098.
É de notar que esta norma do Código se aplica a situações ditas «de emergência» ou extraordinárias; supõem penúria de sacerdotes em determinado lugar e certa urgência por parte dos noivos interessados. Tais não são os casos de jovens soltei­ros que queiram ter ou já tenham tido relações sexuais entre si e resolvam fazer um casamento «facilitado» e precipitado que legitime tais relações.
Veja-se também o que foi dito sob os títulos 1) e 2) ime­diatamente anteriores.
5. Reflexão final
Em conclusão, verifica-se que a legitimação das relações pré-matrimoniais não é a resposta da Moral cristã para quem se sinta atraído pelo sexo.
Com efeito. O problema das relações pré-matrimoniais não é problema autônomo, que se possa formular e resolver dentro dos seus próprios limites. Deve, antes, ser inserido no vasto contexto de todo o comportamento sexual humano. O que hoje parece faltar, são noções claras a respeito dos valores do amor humano, do corpo, da sexualidade e do casamento. A ética da situação, relativizando tais valores, tem dado ensejo a uso e abuso dos mesmos.
Por conseguinte, o que se deve preconizar, hoje em dia, é a renovação dos conceitos relativos ao sexo. Sejam os jovens e os adultos em geral despertados para a nobreza e a dignidade do amor que se sabe dar em vista do bem de outrem, sem pro­curar necessariamente compensação sexual. Sejam preparados a se emancipar do sugestionamento e da pressão que a socie­dade de consumo, os anúncios da publicidade, o cinema, o tea­tro e a pornografia tentam impor aos cidadãos contemporâneos, fazendo-lhes crer que o uso livre do sexo é sinal de mentali­dade evoluída ou condição de saúde física e psíquica! Este mo­do de pensar constitui os novos tabus, de que é vítima a ju­ventude. A continência pré-matrimonial está longe de ser re­pressão, frustração ou castração; é, ao contrário, condição de autêntico crescimento no amor e de libertação frente ao egoís­mo.
Bibliografia:
M. Vidal, "I rapporti prematrimoniali". Assis 1973. L. Évely, "Amor y matrimonio". Barcelona 1970.
E. Schillebeeckx, "El matrimonio, realidad terrena y misterio de salva­ción". Salamanca 1968.
J. Snoek, "Matrimonio e istituzionalizzazione delle em "Concilium" 55 (1970).
K. Kriech, "Vorehelicher Geschlechtsverkehr in moraltheologischer Sicht. Ein Zwischenbilanz", em "Schweizerische Kirchenzeitung" 19 (1970), pp. 274-278.
V. Schurr, "Wieder kiandestinische Ehen?", em "Theologie der Ge­genwart" 13 (1970), pp. 172-174.
H. G. Pöhlmann and V. Schurr, "Vorerelicher Sexualverkehr?", em "Theologie der Gegenwart" 11 (1968), pp. 207-216.
F. Böckle and J. Köhne, "Geschlechtliche Beziehungen vor der Ehe". Mainz 1967.
____
NOTAS:
[1] Os números que, a seguir, citaremos, são tirados do livro de Mar­ciano Vidal: "I rapporti prematrimoniali", Assis 1973 (tradução do espanhol "Moral y sexualidad prematrimonial". Madrid).
[2] Cf. F. Böckle e J. Köhne, "Geschlechtliche Beziehungen vor der Ehe". Mainz 1967. "Sexualitát and sittliche Norma", em "Stimmen der Zeit" 180 (1967), pp. 249-267; "Sexualidad y norma moral", em "Selecciones de Teo­logia" 7 (1968), pp. 229-236.
[3] Cf. H. G. Pöhlmann e V. Schurr, "Vorehelicher Sexualverkehr?", em "Theologie der Gegenwart" 11 (1968), pp. 207-216.
[4] Cf. B. Haring, "Mein Interview mit dem 'Spiegel'. Sittliche Beurteilung des vorehelichen Sexualverkehrs", em "Theologie der Gegenwart" 13 (1970), pp. 123-125.
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Segunda-feira, 18 de Junho de 2007

Castidade: amor livre: expressão máxima da personalidade?
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 137/1971)

Em síntese: O amor é uma das mais altas expressões da dignidade humana. Os animais inferiores não têm amor, mas apenas instinto e sexo. Enquanto o instinto dos animais é cego, o amor do homem escolhe. O ser humano que se dá a alguém no amor, sabe por que o faz: tende a construir um lar, educar a prole, dar dignos filhos a Deus e à sociedade.
Donde se vê que amor livre é aberração: é mera concessão à sensualidade, sem compromisso nem ideal; bestializa e degrada. Longe de ser expressão de mente evoluída, é renúncia ao que o homem tem de mais nobre e digno, ou seja, à vida segundo a razão e um ideal.
Amor livre não pode ser evolução para conflitos psicológicos, porque gera, em quem tenha um pouco de personalidade, os conflitos do “Quem sou eu? Como me defino? Como me apresento a mim mesmo e aos homens?”
Sabe-se também que a livre prática do amor facilmente acarreta doenças graves, moléstias venéreas, descalcificação, desregramento do metabolismo. Além disso, é fonte para profundos males sociais: uniões infelizes, filhos sem pai, depauperamento da raça, rebaixamento do nível social, dissolução do indivíduo e da família. O Evangelho é extremamente exigente no tocante à disciplina dos afetos (cf. Mt 5, 8, 27-30; 18, 6-10). Aponta mesmo para o ideal de uma vida uma, ou seja, da virgindade que, consagrada a Deus, se consagra indiretamente a todos os homens.
***
Resposta: A expressão «amor livre» parece cada vez mais sedutora, suscitando na sociedade de hoje opiniões e atitudes de todo inéditas. Pergunta-se: não será realmente a manifestação mais pujante do espírito moderno, emancipado de tabus e preconceitos? Não é o homem o senhor de seus próprios afetos e instintos, de modo a dispensar normas extrínsecas inspiradas por filosofias que não lhe interessem?
Movidos por tais interrogações, são cada vez mais numerosos os adeptos do amor livre. É o que nos leva a dedicar ao assunto as reflexões seguintes.
1. Amor livre: que é?
Na expressão em foco, amor significa simplesmente o apetite sexual ou o instinto afetivo. O adjetivo livre designa o desejo de satisfazer a esse instinto sem reconhecimento de freio ou unicamente de acordo com o bel-prazer.
Podem-se conceber duas formas de amor livre: uma, ampla e absoluta; outra, que aceita algumas reservas. Examinaremos uma e outra sucessivamente.
1.1. Amor livre propriamente dito
Assim entendido, o amor livre implica cinco notas características, que podem ser recenseadas do seguinte modo:
1) Emancipação frente a qualquer lei de moral pessoal. Não se entende (dizem) que a pessoa imponha a si mesmas restrições em sua vida afetiva. O amor surge por ímpeto da natureza e se nos impõe, sem pedir o consentimento do sujeito ou de outra pessoa. O amor não conhece deveres senão em seu favor - o que quer dizer que ele só tem direitos.
Disto se segue que toda pessoa humana tem a liberdade de exercer o amor (entenda-se: o apetite sexual) como e quando isto lhe agrade.
2) Isenção frente a toda a lei social. Nenhuma autoridade - nem a civil, nem a familiar, nem a religiosa - tem o direito de se imiscuir no comportamento afetivo dos indivíduos, impondo-lhes restrições ou limite. O que cabe à autoridade, é, sim, garantir a cada cidadão o livre exercício do amor (=instinto sexual).
3) Rejeição emanada de qualquer norma emanada do senso de pudor, da conveniência ou de princípios sociais e religiosos. Tais normas não seriam dignas do amor; originaram-se do medo e dos preconceitos. Em vez de construir a personalidade, fomentam (por reação) e exacerbam as tendências eróticas; impedem o sereno equilíbrio da personalidade, equilíbrio necessário para que esta se forme e desenvolva. As concessões ao instinto sexual são comparáveis às da alimentação: como o nutrimento revigora o organismo, restituindo-lhe o equilíbrio desfeito pelas preocupações e as labutas cotidianas, assim o livre erotismo constrói a personalidade. A propósito pode-se lembrar o livro «Liberdade sem medo» de Alexandre Neill, da escola de Summerhill: o autor apregoa a plena liberdade para os jovens educandos, mesmo no setor sexual, como se a natureza humana fosse sempre e por si mesma pendente a proceder retamente. Esta filosofia naturalista inspirada por Jean-Jacques Rousseau não se coaduna nem com as concepções cristãs nem com a experiência da vida. Cf. PR 97/1968, pp.35-46.
4) O amor livre oferece o desafogo ou a expansão necessária a numerosas pessoas que, por um motivo ou por outro, não se podem casar. Assim escreve a Doutora Adam Lehmann:
"Sem vida sexual, o ser humano é incompleto ou mutilado. Felizmente isto já é do conhecimento das mulheres. Vai crescendo constantemente o número de mulheres cultas, honestas e trabalhadoras, que não se casaram nem se podem casar por um motivo qualquer, e, não obstante, têm relações sexuais. São mulheres corajosas, conscientes do seu valor próprio, as quais preparam tempos melhores para as suas Irmãs" (texto citado por F. V. Förster, “Ética e pedagogia della vita sessuale". Torino 1911).
Desenvolvendo tais idéias, E. B. Russell, um dos autores mais sistemáticos neste campo, escreve:
"Do ponto de vista da moral pura, o amor livre significa imenso progresso em comparação com o antigo sistema. Os moralistas tradicionais o deploram, porque nele vêem uma falência que eles não podem dissimular. Todavia esta nova liberdade do amor nos jovens deve ser fonte de alegria para nós, porque há de criar uma nova geração de homens e mulheres, livres de todo retardamento sofístico" ("Le mariage et la morale", trad. francesa, Paris 1930 6, p 144).
5) Por último, o amor livre é uma preparação indispensável à felicidade matrimonial, a qual já não estará sujeita a desilusões. Não somente os rapazes, mas também as moças serão assim beneficiados. Com efeito, a experiência adquirida através de várias aventuras, de um lado, amainará os primeiros e mais ousados impulsos e, de outro lado, favorecerá no momento oportuno a escolha feliz do companheiro ou da companheira do resto da vida. Inspira-se de tais idéias o adágio: «preciso que a juventude se divirta»; tais dizeres justificariam irrestritamente as «aventuras» da juventude.
Acontece, porém, que nem todos os arautos de liberdade em matéria sexual professam integralmente as conseqüências da tese atrás exposta. Propõem antes, o que se pode chamar
1.2. União livre
Segundo esta, os cônjuges têm o direito de separar-se a seu arbítrio a fim de contrair outras uniões,... e isto repetidas vezes. Caso julguem que o seu matrimônio não lhes satisfaz plenamente, cabe-lhes procurar fora do matrimônio aquilo que não encontram no lar. - Na verdade, é o amor que livremente cria a união conjugal, livremente a sustenta, e livremente a dissolve desde que se defronte com objeto mais desejável do que o que tem. É, de resto, o escritor e teatrólogo francês Molière († 1673) quem comenta:
"Seria muito tolo querermos gloriar-nos da falsa honra de sermos fiéis, sepultarmo-nos para sempre numa paixão, estarmos desde a juventude mortos para todas as belezas que nos possam impressionar a vista" ("Don Juan", ato I, cena 2ª.).
Diante da múltipla argumentação proposta em favor do amor livre, pergunta-se:
2. Vale ou não vale?
Enfocaremos a questão sucessivamente a partir de dois pontos de vista: o natural ou filosófico e o ponto de vista teológico cristão.
2.1. Com a palavra a razão
1. O amor ou a capacidade de amar é um dos maiores tesouros que o homem possui. É mesmo uma das características do ser humano, pois se sabe que os animais inferiores não têm amor, mas apenas instinto. O instinto dos animais é cego, ao passo que o amor dos homens escolhe ; tende a realizar o ideal que a inteligência concebe. O ser humano que se dá a alguém no amor, sabe por que o faz; tem em vista uma meta digna da natureza racional: construir um lar, educar a prole, dar dignos filhos à sociedade. Quem «ama» sem saber por que, faz algo de meramente instintivo como fazem os animais inferiores.
1. Por isto não se pode justificar o chamado «amor livre». Amor livre é amor sem finalidade; e mera concessão, de momento, à sensualidade, sem compromisso nem ideal. Mais propriamente deveria ser dito «sexo» ou «uso do sexo», e não «amor». Ora o sexo devidamente entendido, no homem, é elevado ao plano superior da inteligência; participa da intelectualidade e deve servir para que o homem se realize cada vez mais corno ser humano ou inteligente O sexo desabrido ou livremente usado concorre para rebaixar e desfigurar a criatura humana (pode bestializá-la), tornando-a joguete de instintos eróticos.
2. Com outras palavras: é verdade que o amor, mesmo compreendido como apetite sexual, pode favorecer o pleno desenvolvimento da personalidade. Por isto, Os homens têm o direito de procurar no amor humano a sua felicidade; o que quer dizer: têm o direito de casar-se e de escolher a pessoa do cônjuge respectivo. Também se sabe que, sem satisfação do instinto sexual, a humanidade não se propagaria; por isto atender ao apetite sexual não é, por si mesmo, algo de mau. - Mas o que importa neste particular, é frisar bem que a criatura humana não é totalmente e apenas instinto erótico; nela existem outros sentimentos, outras aspirações, pois ela e, antes do mais, um ser racional e social; o ser humano, portanto, só se realiza plenamente caso se entregue a um ideal racional e faça que seus instintos cegos sirvam a esse ideal, construindo uma personalidade harmoniosa e uma sociedade forte ou corajosa. O sexo no homem não é qualidade nem imperativo incoercível, mas é meio de realização e parte integrante de um conjunto ou de uma personalidade Quem isolasse o erotismo no homem e o considerasse como valor autônomo, se degradaria ou bestializaria.
É necessário que se diga isto com clareza e coragem em nossos dias. Os meios de comunicação social sugestionam o público, fazendo-lhe crer que, na criatura humana, tudo é instinto sexual e que o sexo é um imperativo ao qual não se pode nem se deve resistir. Este sugestionamento provoca a necessidade do sexo; daí a obsessão que afeta tantos jovens e tantos adultos em nossos dias; o afã de atender ou servir ao sexo é suscitado, alimentado e intensificado pelo clima ou o ambiente em que vive a sociedade. Se os «massmedia» e os mentores da opinião pública dissessem o contrário, isto é, se proclamassem que o sexo é apenas uma função subordinada do homem, haveria sugestionamento no bom sentido e a preocupação sexual não dominaria tanta gente.
3. Os grandes mentores do marxismo (Engels, Guesde, Bebel...) apregoaram o amor livre.
Eis palavras de Engels:
"A emancipação da mulher tem corno primeira condição a entrada do todo o sexo feminino na indústria Pública. Essa condição exige a supressão da família individual como unidade econômica da sociedade” ("A origem da família", p.79).
Engels julgava que a família monogâmica era instituição da economia burguesa e, por isto, devia ser combatida em favor do amor livre. - Todavia Lenine se opôs às teses do amor livre «nas circunstâncias da sociedade atual», porque dizia que era preciso criar primeiramente nos homens a disciplina do costumes, libertando-os do egoísmo; uma vez obtida esta meta, poder-se-ia introduzir o amor livre. O fato, porém, e que até hoje nem na Rússia o amor livre foi oficializado.
Aliás, a experiência bem mostra quão funestas são as conseqüências do amor livre: uniões infelizes, filhos sem pai, desequilíbrio psíquico, assassínios e suicídios provocados por paixões desencadeadas, depauperamento da raça, descida de nível da autêntica civilização. Não é por tais vias que se constrói uma nação próspera. Dando-se o nome de amor a qualquer ato instintivo do homem, em vez de se suscitar liberdade, induz-se escravidão, ou seja, a escravidão ao homem ao pior e mais degradante de todos os senhores que e a animalidade cega.
4. Quanto aos casos de pessoas que não se podem casar ou não se julgam felizes no matrimônio, também e certo que não se realizarão em concessões sexuais desregradas: estas por si só podem contribuir para despertar ou avivar um conflito ainda mais sério, concretizado nas questões: «Quem sou eu? Qual a minha definição? Como me apresento a mim mesmo e a sociedade?»
Em tais casos, a coerência, a lisura e a integridade de vida são as únicas fontes de felicidade autêntica e duradoura, ao passo que o desbussolamento e a libertação dos instintos vêm cedo ou tarde a ser motivo de nova e profunda insegurança. Ter uma auto-definição, eis um dos anseios mais naturais e nobres de toda pessoa humana.
5. E a preparação para o matrimônio não se beneficiaria com experiências livremente empreendidas pelos futuros cônjuges?
É de crer que uma vida sexual desregrada ou livre desde as suas primeiras afirmações dificilmente encontrará mais tarde o seu caminho; quem se habitua a conceder descontroladamente aos instintos, sem experimentar o que seja dizer NÃO a si mesmo em vista de um ideal superior (brio, coerência, dignidade...) deverá aceitar as tristes conseqüências dos seus hábitos; muito provavelmente seguirá de maneira servil os instintos até que estes se amorteçam pela própria situação do «prazer».
Não há melhor garantia de um matrimônio feliz do que a procura do autodomínio e dos valores propriamente humanos desde os primeiros dias de namoro; e aprendendo a dizer NÃO sempre que a sã razão o julgue oportuno, que conquistamos a felicidade: a felicidade de sabermos o que somos e de nos apresentarmos aos nossos semelhantes com uma definição clara e honrada e de nós mesmos.
As experiências pré-matrimoniais não são física nem psiquicamente benéficas (ao contrário do que apregoam certos especialistas) : tornam-se focos de doenças venéreas e depauperamento do organismo. Cf. PR 117/1969, pp.393-405.
Deve-se, porém, notar que hoje em dia são julgadas com menos severidade do que outrora certas demonstrações de carinho e afeto entre jovens que se preparam para o casamento. Este abrandamento é razoável desde que não equivalha a aceitação do pecado e da libertinagem.
2.2. E em termos de Evangelho?
A Moral do Evangelho só tem a corroborar o repúdio do amor livre. O Senhor Jesus mostrou-se exigente no tocante à pureza do coração e à disciplina dos costumes de seus fiéis. Tenha-se em vista, por exemplo, a passagem de Mt 5,8.27-30:
"Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus... Ouvistes o que foi dito: Não cometeras adultério. Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para urna mulher, cobiçando-a, já cometeu adultério com ela, em seu coração.
Se teu olho direito é causa de caíres em pecado, arranca-o e lança para longe do ti; é preferível perderes um de teus membros a seres lançado de corpo inteiro na geena.
Se tua mão direita é o motivo de tuas faltas, corta-a e atira-a para longo do ti; é preferível perderes um de teus membros a ires de corpo inteiro para a geena".
Para o Evangelho, a renúncia ao prazer sensível em vista de bens espirituais e eternos é elemento normal é necessário num programa de vida cristã. Liberta-o dos instintos e seqüela de Cristo são incompatíveis entre si. Não há dúvida, o Senhor Jesus sabe que a natureza humana é fraca, debilitada pelo pecado inicial; todavia o Redentor oferece aos cristãos os meios de superação de si mesmos; não há preceito nem missão da parte de Deus que não venha acompanhado da graça respectiva.
O Cristianismo aponta mesmo para o ideal da vida una ou indivisa: a virgindade consagrada a Deus é uma das primeiras flores da mensagem cristã na história dos homens (cf. 1 Cor 7, carta escrita no ano de 56!). Dar-se diretamente a Deus para se dar em Deus e por Deus a todos os homens, eis um dos dons mais belos e ricos do Senhor aos seus fiéis.
Bibliografia:
Dentre os numerosos livros que se têm publicado sobre amor e sexo, limitamo-nos a recomendar aqui:
Vittorlo Costa, “Sexo o maturidade. Psicopedagogia da sexualidade". Petrópolis 1969.
Charbonneau e Me. Cristina Maria, "Amor, sexo e segurança". Porto Alegre 1967.
Waldomiro Otávlo, "Problemas da juventude". Petrópolis 1968.
Estevão Bettencourt O. S. B.
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Sexta-feira, 15 de Junho de 2007

Castidade: masturbação é pecado?
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 110/1969)
«A masturbação deve sempre ser tida como pecado grave?
Ocorre tão freqüentemente que muitas pessoas a conside­ram algo de natural ou mesmo recomendável em certas fases da vida.
Que dizer a propósito?»
Resumo da resposta: A masturbação é cada vez mais comum, principalmente entre os jovens e, de modo especial, entre os que estu­dam; está freqüentemente associada a estados de angústia. Dai pro­curarem alguns moralistas isentá-la de culpa.
Na verdade, a masturbação, considerada em si mesma, é pecado grave não somente porque contraria as leis biológicas do homem. Le­ve-se em conta também que a ejaculação é, por si, a expressão do amor do homem voltado para outrem; ora, na masturbação, essa expressão é destituída do seu caráter altruísta e assume uma índole egoísta, solipsística ou narcísica; o sujeito procura para si um prazer que deveria estar estritamente a serviço de uma causa ulterior ou de uma doação de si mesmo.
Não obstante, nem todo ato de masturbação é gravemente peca­minoso. Com efeito, às vezes a masturbação é produzida sem parti­cipação da vontade do sujeito (como acontece freqüentemente nas poluções noturnas). Em outros casos, ela é resultante do apetite inferior ou sensitivo do homem, que escapa em parte ao domínio da vontade; torna-se então ato não plenamente humano e, por conse­guinte, não plenamente culpável.
O pastor de almas e o educador, ao tratar com os jovens, deverão ter sempre presente que a masturbação está freqüentemente asso­ciada a estados psicológicos especiais (às vezes, doentios e obsessivos). Consequentemente. evitarão aumentar a angústia do jovem que tenha o hábito da masturbação; falar-lhe apenas de perigos seria nocivo. Tratarão, antes, de mostrar no adolescente que a masturbação, longe de o beneficiar, só o prejudica; abram-lhe assim as perspectivas do amor nobre e altruísta. A visão da virtude, que é bela e atraente, ajudará poderosamente a superar a má inclinação.
Resposta: Inegavelmente a masturbação (também dita «vicio ou pecado solitário» ou, menos exatamente, «onanismo») é fenômeno muito difuso, principalmente entre os adolescentes.
Nos últimos tempos, o Dr. Alfred C. Kinsey realizou um inquérito entre 6.000 indivíduos masculinos, chegando à con­clusão de que 92% haviam praticado a masturbação até o orgasmo.
A porcentagem sobe, caso se considere apenas a classe estudantil: entre os universitários, Kinsey averiguou a cota de 96%; e, entre os secundaristas, 95%. Nos grupos de me­ninos de escola primária, a porcentagem foi de 89%.
Kinsey notou também que os rapazes de zona rural caem menos freqüentemente do que os de zona urbana. Averiguou outrossim que, «a partir dos dezoito anos, a freqüência da mas­turbação declina regularmente à medida que a idade sobe. Baixa mais rapidamente nas classes menos cultas, em que as relações heterossexuais costumam começar precocemente. Nas classes sociais de nível mais elevado, o declínio é menos acele­rado, pois aí há menos relações sexuais antes do casamento» (cf. «Le comportement sexuel de l'homme», 1948, pág. 629).
Ainda o mesmo autor observou que a masturbação no sexo feminino é menos comum do que no masculino, não ultrapas­sando a cota de 62%; apresenta características próprias.
A verificação do fenômeno tem levado os moralistas e mé­dicos a refletir sobre o assunto; há quem pense em desculpar por completo os consuetudinários. Para elucidar a questão, percorreremos rapidamente a história da Moral. A seguir, for­mularemos considerações sobre a qualificação ética da mas­turbação, às quais se seguirão advertências pastorais.
As páginas que se seguem, inspiram-se de valioso artigo do P. Albert Pié O. P.: «La masturbation. - Réflexions théologiques et pastorales», em «La Vie Spirituelle - Supplément» t. XIX, n° 77 (mai 1966), pág. 258-292. Veja-se também a obra do mesmo autor «Vie affective et ehasteté». Paris 1964.
«P.R.» já publicou a respeito um artigo em seu número 35/19600 pág. 472-477.
1. Breve esboço histórico
O exercício da masturbação é atestado desde tempos anti­gos. Já era conhecido e condenado pelos egípcios, gregos e ro­manos, como demonstram passagens de Platão («Górgias» 494c), Aristófanes («Cavaleiros» 24; «Paz» 290), as sátiras de Juvenal e os epigramas de Marcial.
Entre os judeus, a Bíblia não menciona diretamente a masturbação. Conforme os bons exegetas, a condenação pro­ferida pelo Senhor sobre Onã não versa propriamente sobre esse pecado, mas sobre o fato de não ter Onã cumprido a lei do levirato, que lhe mandava suscitar uma prole ao seu irmão defunto (cf. Gên 38,6-26). É possível que o texto de Eclo 23, 21-23 (aliás, um tanto obscuro) faça alusão ao «vicio solitário»:
«Duas espécies de pessoas multiplicam os pecados, e uma terceira atrai sobre si a ira e a perdição: a que se abrasa no fogo de seus apetites e não se acalma antes de ter devorado alguma coisa. O homem que abusa do seu próprio corpo, o qual não terá sossego enquanto não acender uma fogueira...»
A tradição dos rabinos de Israel foi muito severa a res­peito da masturbação, comparando-a ao próprio homicídio. Eis como se exprime o Talmud:
«Aquele que ejacula a semente em vão, assemelha-se a quem derrama sangue» (Talmud da Babilônia, Niddah 13a).
Os escritos do Novo Testamento não falam explicitamente da masturbação. Os moralistas, porém, costumam citar passa­gens de São Paulo para corroborar a condenação de tal defeito:
1 Cor 6,9s: «Não sabeis que os injustos não possuirão o Reino de Deus? Não vos enganeis: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas nem ladrões, nem ava­rentos, nem maldizentes... possuirão o Reino de Deus».
Ef 5,3: «A imoralidade e qualquer impureza ou ganância, nem sequer sejam mencionadas entre vós, como é próprio dos santos».
Gá1 5, 19-21: «As obras da carne são estas: prostituição, impu­reza, desonestidade, idolatria, malefícios... Os que as praticarem, não herdarão o Reino de Deus».
Na história da Igreja, os mestres de Moral rejeitam a masturbação. Os testemunhos se tornam mais numerosos a partir do inicio da Idade Média, quando se redigiram os «Livros Penitenciais» ou catálogos de penitências correspondentes aos diversos pecados possíveis.
No século XVII foram condenadas respectivamente pelos Papas Alexandre VII (em 1655) e Inocêncio XI (em 1679) duas proposições do teólogo cisterciense Caramuel de Lobkowicz, as quais professavam certa indulgência para com o vício solitário:
«A masturbação, a sodomia e a bestialidade são pecados da mesma espécie leve. Portanto, é suficiente ao penitente dizer em confissão que praticou uma polução» (Denzinger-Schoenmetzer, «Enquirídio» 2044).
«A masturbação não é proibida pela lei natural. Por conseguinte, se Deus não a tivesse proibido, seria freqüentemente algo de bom e por vezes mesmo algo de obrigatório sob pena de pecado mortal» (ib. 2149).
Chama a atenção nestas intervenções da Santa Sé a rejeição da tese segundo a qual a masturbação não seria contrária à natureza humana.
A partir do séc. XVII foram-se multiplicando as obras que em termos rigorosos se opunham à masturbação. Famoso se tornou o tratado do autor inglês Bekkers, que condenou ve­ementemente a masturbação também dita «onanismo»: «Onania or the Heinous Sin of Self-pollution, and all its Frightful Conse­quences in both Sexes, considered with Spiritual and Physical Advice». - Essa obra conheceu mais de oitenta edições e foi traduzida para o alemão.
Em 1760, Tissot, médico de Lausanne (Suíça), publicou em latim um «Tratado do onanismo. Dissertação sobre as doenças produzidas pela masturbação». A obra conheceu mais de doze edições até o fim do século XVIII, mais de vinte entre 1813 e 1842, e foi diversamente reproduzida ou aproveitada na redação de livros congêneres. Além do que, foi publicada tam­bém em francês no ano de 1764.
Muito digno de nota é o fato de que os filósofos Jean­ Jacques Rousseau e Voltaire no século XVIII combateram - e com grande veemência - a masturbação. Tenham-se em vista a obra «L'Émile ou de l'Éducation», 1. IV, de Rousseau (publi­cada em 1766) e o artigo «Onanisme» de Voltaire no «Diction­naire Philosophique».
Eis uma das passagens mais significativas de Rousseau:
«Vigiai, pois, cuidadosamente o rapaz. Ele poderá preservar-se de tudo; mas é a vós que toca preservá-lo contra si mesmo. Não o dei­xeis a sós nem de dia nem de noite; deitai-vos no seu quarto. Só vá ele para a cama quando abatido pelo sono e levante-se imediata­mente após ter acordado. Desconfiai do instinto...; é bom enquanto age a sós; é suspeito desde que se misture às instituições dos homens; é preciso não o destruir, mas regrá-lo; e isto pode ser mais difícil do que aniquilá-lo» (ed. Garnier 1961, pág. 415s).
Os quatro autores que acabam de ser citados (Bekkers, Tissot, Rousseau e Voltaire), contribuíram poderosamente para formar a opinião pública a respeito de masturbação.
Deve-se notar ainda uma declaração do Santo Ofício de Roma datada de 2 de agosto de 1929: perguntaram a esse dicastério se era lícito provocar masturbação a fim de obter esperma para fins de exame clínico em caso de blenorragia contagiosa. O Santo Ofício respondeu negativamente, dando a entender que nem para fins medicinais é lícito recorrer à masturbação (cf. «Acta Apostolicae Sedis» 21 [1929] 490).
Pergunta-se agora: que dizer a propósito?
Formularemos a resposta em duas proposições
2. Falta contra a natureza
Antes do mais, deve-se observar:
A masturbação, considerada em si mesma (abstração feita das circunstâncias em que ocorra), é pecado grave, porque contraria a natureza.
E por que contraria a natureza?
Por dois motivos principais: um de ordem biológica, e outro de ordem antropológica. Com efeito,
1) A natureza produz a semente humana em vista da procriação ou da função genital. A biologia, a embriologia e outras ciências modernas corroboram esta afirmação dos an­tigos e medievais.
Ora a masturbação prescinde desta finalidade ou impede-a. Por conseguinte, a masturbação é contra a natureza.
Não será preciso acrescentar que pecado contra as leis da natureza vem a ser pecado contra a lei de Deus, pois Deus é o autor da natureza. Ao homem compete observar fielmente essas leis, das quais ele não é senhor.
Esta argumentação é perfeitamente válida até nossos dias.
Há, porém, um segundo argumento no caso, argumento que procede não das leis da biologia, mas da índole psíquica e afe­tiva própria do ser humano. Este ponto de partida, para muitos de nossos contemporâneos, é mais interessante e valioso do que o anterior. Eis como pode ser apresentado
2) A ejaculação, no homem, é parte integrante de um ato muito mais complexo e rico ou muito mais humano, ato que exprime o amor. Com efeito, a ejaculação consuma e atua­liza o dom total e recíproco que o homem e a mulher fazem de si; esse dom frutifica normalmente na procriação de um filho.
Por conseguinte, em se tratando de sexualidade humana, deve-se dizer que a relação a outrem ou a relação consciente e amorosa de pessoa a pessoa é elemento constitutivo.
Ora quem pratica a masturbação não exerce o amor para com outrem, mas antes o amor a si mesmo; volta-se para o próprio «eu», fechando-se em si, em vez de se abrir para um consorte de outro sexo. O prazer do sujeito torna-se então a única finalidade de um ato que por si deveria dirigir-se a outrem (a um cônjuge e à prole). Esse prazer, em vez de ser (como deveria ser) fator concomitante, torna-se fim. Nisto há de­sordem profunda.
Freud (cuja filosofia em outros pontos não pode ser recomen­dada) julgava severamente o vício solitário. Afirmava sim, que a masturbação tem um caráter de narcisismo.
O narcisismo seria a satisfação do sujeito em si mesmo; carac­teriza os primeiros anos do ser humano.
A masturbação, portanto, seria o sintoma de um narcisismo infan­til não superado. Caso se torne habitual, ensina a psicanálise, a mas­turbação significa estagnação do desenvolvimento da personalidade ou mesmo regressão infantil; denuncia uma sexualidade não integrada na ternura ou uma sexualidade imatura, que não está em condições de servir à procriação e de ser altruísta.
Por outro lado, Freud reconhecia - e com razão - que a mas­turbação pode ser também o sintoma de uma neurose obsessiva; tem então algo de patológico. Esta observação de grande importância, será desenvolvida um pouco adiante nestas páginas.
Tais considerações são úteis ao moralista cristão. Este jul­gará a masturbação não apenas como um pecado contra as leis da biologia (que, sem dúvida, são leis do Criador), mas tam­bém como um ato contrário ao desenvolvimento normal do amor, que é o vínculo da perfeição (cf. Col 3, 14). Quem cede voluntariamente à masturbação, pratica algo que tende a de­formar a personalidade, pois a grandeza do homem está em abrir-se para outrem ou em tornar seu amor mais e mais al­truísta. A masturbação é, ao contrário, amor narcísico, desor­denado amor do sujeito a si mesmo.
Eis, porém, que uma objeção se impõe à nossa atenção:
Há quem queira evidenciar que a perda de espermatozóides voluntariamente provocada pelo homem nada tem de contrário à natureza, lembrando que a própria natureza ocasiona imenso desperdício de germens vitais. Com efeito, a biologia moderna observa que cada ejaculação de esperma masculino lança mais de 300 milhões de espermatozóides (caso seja portadora de menos de 60 milhões, há pouca esperança de que seja fecun­dante). O homem, no decorrer de sua vida, produz trilhões de espermatozóides, ao passo que a mulher faz amadurecer cerca de 400 óvulos. A própria natureza, portanto, produz sementes destinadas à infecundidade em proporção surpreendente. – Não se segue daí que o desperdício acarretado pelo homem já não pode ser dito antinatural ?
A resposta não é difícil: o proceder da natureza não é razão para que o homem derrame a semente fora do lugar pre­visto pela natureza. Este lançamento voluntário continua a ser contrário à natureza. Fazendo-o, o homem utiliza em vista de um prazer egoísta e narcísico uma função que por sua natureza mesma é aberta para o próximo. Ora tal comportamento é sempre contrário à natureza.
As considerações anteriores tinham por objeto a mastur­bação em si ou como tal, abstração feita das circunstâncias con­cretas em que seja praticada. Têm de ser completadas por ul­teriores ponderações.
3. Na realidade concreta, atenuantes
Por muito severo que seja o juízo dos moralistas sobre a masturbação, estes mesmos reconhecem que, na prática, nem todo ato de masturbação é pecado grave.
Com efeito, o pecado grave supõe sempre, sejam preenchi­das três condições:
matéria grave,
conhecimento da gravidade do ato a ser cometido,
vontade deliberada de o cometer.
Ora a segunda e principalmente a terceira das condições acima não se verificam sempre devidamente, mesmo quando há matéria grave. Em particular, no tocante à terceira condi­ção deve-se dizer que há diversos graus de voluntariedade na masturbação.
S. Tomás de Aquino distingue no homem três «apetites» ou tipos de tendência diferentes:
a) o apetite natural: é uma tendência determinada, impressa na natureza de cada ser, tendência em virtude da qual esse ser se inclina para tudo que lhe é conveniente. Esse apetite é cego; não depende de conhecimento previamente adquirido pelo respectivo su­jeito. Assim a pedra é naturalmente sujeita às leis da gravidade; ela cai por sua própria natureza. O homem também é dotado de apetite natural: por exemplo, ele tende naturalmente (antes de qualquer de­liberação) à felicidade. - No homem distingue-se ainda
b) o apetite superior: é também chamado «vontade»; é a capa­cidade de querer (apetecer) e amar os seres conhecidos pela inteli­gência humana. A vontade se inclina para tal pessoa ou tal realidade, após a ter escolhido com pleno conhecimento de causa. - Além disso, existe no homem
c) o apetite inferior ou sensitivo: é a inclinação voltada para tal ou tal realidade previamente conhecida pelos sentidos; tal reali­dade é apresentada pelos sentidos como algo de agradável ao homem. Assim o apetite sensitivo leva o homem a procurar água, quando este tem sede, pelo fato de ser então na água algo de agradável. O apetite sensitivo se volta necessariamente para tudo que parece ser fonte de prazer para o homem. Ele é por si mesmo inclinado ao prazer; é o que se pode verificar claramente nos animais irracionais.
No homem o apetite inferior ou sensitivo é, de certo modo, con­trolado ou dominado pelo apetite superior ou pela vontade. A von­tade deliberada faz com que o apetite sensitivo nem sempre ceda à procura do prazer, mas, antes, se ponha a serviço de interesses supe­riores concebidos pela inteligência e desejados pela vontade.
Todavia o apetite sensitivo (sequioso de prazer) permanece geral­mente, em grau maior ou menor, refratário ao domínio da vontade; fica sempre na natureza animal do homem algo que não pode ser plenamente «humanizado» ou que escapa ao controle da razão e da vontade. É esta uma das conseqüências do pecado original, pecado que violou a harmonia inicialmente existente na natureza do homem. Em outros termos: o apetite sensitivo prorromperá sempre em mo­vimentos espontâneos e impulsivos (feita talvez a exceção de um ou outro santo), que a vontade deliberada não consegue impedir. A vontade pode, sim, recusar seu consentimento a tais irrupções inde­liberadas; pode combatê-las, depois de oriundas mas não se lhes pode antecipar de modo que nunca se façam sentir.
Ora os movimentos espontâneos do apetite sensitivo não podem constituir, por si mesmos, pecados mortais; podem, sim, levar ao pecado mortal, caso a razão humana lhes dê o seu consentimento. Serão pecados veniais, caso a vontade do sujeito possa ser, de algum modo, responsável por eles.
É o que S. Tomás ensina em «De Veritate» qu. 25 e na Suma Teológica I/II qu. 74, a. 3.
É à luz de tais considerações que se deve analisar a mora­lidade da masturbação. Distinguem-se consequentemente três graus de qualificação moral desse ato. Com efeito, a mastur­bação pode ser pecado mortal, desde que haja livre consentimento da vontade;
pecado venial, caso a vontade, embora não provoque o ato, seja conivente com o mesmo ou responsável pela produção desse ato;
ato infra-moral, dado que seja mero reflexo fisiológico ou psíquico, que se antecipa por completo à intervenção da von­tade humana.
Este último caso se dá não raro nas poluções noturnas. Estas ocorrem geralmente em estado de inconsciência do su­jeito, sem prévia deliberação da parte do mesmo. Desde, porém, que a pessoa possa evitar tais atos e nada faça nesse sentido, torna-se responsável pelos mesmos; já se pode então falar de pecado leve ou grave, segundo o grau de conivência da vontade.
Conscientes destes dados, os moralistas, educadores e pais procurarão proferir um juízo adequado e devidamente mati­zado sobre a masturbação praticada pelos jovens. Ao lado de casos gravemente maliciosos e culposos, podem-se admitir ou­tros (e talvez muitos) cuja culpabilidade é atenuada;... ate­nuada, porque o indivíduo se acha em estado patológico (obses­são nervosa ou excitação psicopática que nele provocam rea­ções quase totalmente independentes do controle de sua von­tade). As pessoas que se encontrem em tal situação, precisam naturalmente de tratamento pastoral adequado.
Tais considerações se completarão em algumas
4. Reflexões pastorais
Pode-se dizer que ao educador e ao pastor de almas com­pete evitar dois excessos, ao enfrentar problemas de castidade da juventude:
1) a condescendência cega, pronta a tudo desculpar como se já não houvesse pecados de impureza. Não poucos são le­vados a essa benignidade em nome de uma mentalidade «escla­recida», que, em verdade, é traiçoeira e prejudicial aos jovens. Se, por certo, há casos patológicos, de moralidade atenuada ou nula em matéria de castidade, não deixa de haver verdadeiros casos de pecado na vida de nossos dias. A propósito vêm as advertências do S. Padre Pio XII em discurso de 23/111/52:
«Rejeitamos como errônea a afirmação daqueles que consideram inevitáveis as quedas cometidas nos anos da puberdade. Estas, dizem, não merecem que delas se faça muito caso; não seriam faltas graves, porque (como acrescentam) a paixão suprime a liberdade necessária para que um ato seja moralmente imputável» (La Documentation Catholique» 20/IV/1952, col. 454).
Doutro lado, é mister evitar
2) a severidade cega. Não basta denunciar o pecado. É preciso que o pai espiritual e o educador ajudem o jovem a se precaver contra o mal da masturbação e a se libertar dele desde que o cometa. Para o conseguir, faz-se mister considerem os fatores que ocasionam ou favorecem este desvio sexual.
Ora está averiguado que a masturbação ocorre freqüente­mente associada a estados psicopatológicos. Com efeito, veri­fica-se muitas vezes que o jovem se masturba quando sofre algum revés ou golpe da parte dos mais velhos ou de seus com­panheiros, quando padece solidão, quando sente saudades... O pecado solitário vem a ser então, para ele, um meio (aliás, muito pouco eficaz) de se consolar a sós. - Verifica-se tam­bém que a concentração exigida pelo estudo e o trabalho inte­lectual parece favorecer tal reação da natureza. Segundo bons autores, o fato de que o período de estudos dos jovens se pro­longou na vida moderna explicaria, em parte, que a mastur­bação se tenha tornado tão freqüente.
Consequentemente, é preciso que o diretor espiritual e o educador, por suas intervenções na vida do jovem, tratem de não lhes aumentar o medo do pecado a ponto de lhes agravar a angústia e o sentimento de culpa habitualmente associados à masturbação.
Quem grita «Perigo!» a um homem sujeito à vertigem (princi­palmente quando de fato há perigo), está, de certo modo, empurrando esse homem para o perigo ou para o abismo que o fascina. Ora o jovem tendente ao pecado solitário é como tal homem sujeito à verti­gem; traz em si a angústia sexual, angústia que pode recrudescer se o educador lhe incute indiscriminadamente a consciência do perigo moral que o ameaça.
Como se compreende, o bom pai espiritual deverá evitar essa falta de tino. Compete-lhe procurar escutar o adolescente; deixe o paciente falar de seus problemas. E depois procure, por suas palavras oportunas, lançar um pouco de luz nas trevas e na angústia do jovem; isto será possível, se tratar de ajudá-lo a descobrir o que a masturbação tem de desarrazoado:
- é reação infantil que, longe de resolver situações afli­tivas, só concorre para agravá-las;
- é obstáculo ao desabrochar de nobre amor conjugal;
- é também ocasião de difícil relacionamento com os se­melhantes, pois favorece o narcisismo e a volta do sujeito sobre si mesmo. A masturbação cria um clima de solipsismo ego­cêntrico, em que a caridade mal pode desabrochar.
Cedendo, pois, à masturbação, o jovem prejudica sua ma­turidade afetiva e seu progresso, tanto humano como cristão.
O educador que mostre isto ao pupilo, longe de lhe au­mentar a angústia de alma, contribui para acalmá-lo; ao mesmo tempo, orienta-o para o amor da castidade. Esta é bela e não
pode deixar de atrair a quem a queira considerar lealmente, como insinua S. Tomás:
«A estima da castidade pode ser motivo de alegria não somente para quem pratica a castidade, mas também para aquele que não possui tal virtude. Na verdade, o homem é naturalmente por sua razão levado a julgar que a virtude é um bem; ele ama esse bem e nele encontra alegria, ainda que não pratique a virtude» («De Malo» 15, 2, ad 5).
Ao se tratar, pois, de masturbação, será de importância capital opor ao vício o amor à virtude, o amor ao Verdadeiro Amor, que é sempre belo e atraente.
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Segunda-feira, 26 de Março de 2007

Castidade: relações sexuais pré-matrimoniais
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 230/1979)
Em síntese: As relações sexuais pré-matrimoniais se tornam cada vez mais freqüentes e “normais” em nossos dias.
Ora é de se lembrar que a união sexual vem a ser a expressão máxima da doação mútua de duas pessoas que se vão aproximando uma da outra mediante o namoro e o noivado. A união de corpos supõe o compromisso definitivo do amor e a estabilidade do lar, pois ela é por si fecunda, ou seja, tende a se exprimir num fruto ou num terceiro, que é a prole; esta firma o amor do homem o da mulher, obrigando-os a superar quaisquer resquícios de egoísmo.
***
Verdade é que em nossos dias se propõem argumentos para justificar as relações pré-matrimoniais:
1) “O amor leva à plena comunhão”. Sim. Todavia é de notar que o ser humano chega à maturidade biológica antes do possuir maturidade psicológica e personalidade plena, capaz do sustentar o peso das relações do amor heterossexual.
2) “É preciso testar o amor”. - Quando se realizam relações sexuais para "provar" o (a) companheiro (a), falta a condição básica do amor que é entrega irrevogável e absoluta.
3) “A longa espera do casamento!...” - Não se corrija o “mal” da espera com outro mal, que seriam as relações pré-matrimoniais. De resto, a espera tem seus aspectos positivos, pois oferece aos jovens a ocasião de aprimorar sua formação humana ou cristã.
4) "O uso dos anticoncepcionais facilita...". Os anticoncepcionais cindem amor e fecundidade; esterilizam um valor que por si é fecundo. Em conseqüência, marcam nocivamente o físico e o psíquico da mulher, que vem a ser facilmente instrumentalizada pelo egoísmo alheio, julgando "não correr riscos".
5) "O contrato é mera formalidade..." - o contrato matrimonial significa a inserção do nós conjugal dentro do nós da grande sociedade. O amor é eminentemente social.
Eis por que importa mostrar aos jovens que as relações pré-matrimoniais, em vez de levar a mais felicidade e grandeza, muitas vezes não fazem senão alimentar o egoísmo dos interessados.
Comentário:
É fato notório que as relações sexuais anteriores ao casamento vão sendo cada vez mais julgadas como algo de normal. Os jovens parecem praticá-las tranqüilamente, máxime após a difusão da pílula anticoncepcional. Pergunta-se, pois: não se poderia dizer que realmente tal praxe nada tem de ilícito, desde que cultivada por amor?... ou desde que haja previsão de casamento entre as duas partes interessadas?
Responderemos a estas perguntas, após haver exposto o problema; abordaremos então 1) o conceito de amor; 2) a argumentação favorável às relações pré-matrimoniais.
O assunto, aliás, já foi abordado com certa amplidão em PR 167/1973, pp.467-484; por isto remetemos o leitor a tal artigo. Não deixamos, porém, de voltar á temática no presente número, vista a crescente atualidade da questão.
1. O problema
Os inquéritos realizados nos Estados Unidos e na Europa manifestam que a grande maioria dos jovens não vê dificuldade em aceitar re1ações pré-matrimoniais. Apenas pequena porcentagem de moças se casa em estado de virgindade; os próprios rapazes, que antigamente muito se importavam com a virgindade de suas futuras esposas, parecem não mais dar valor a tal exigência.
As razões explicativas desta situação parecem óbvias:
A sociedade contemporânea e acentuadamente permissiva; procura cada vez mais remover o que ela chama «os tabus do sexo». Os meios de comunicação social (televisão, cinema, teatro, impressos, periódicos...) muito contribuem para isto; direta ou indiretamente fixam a atenção do público sobre temas erotizantes; o «sexo» se torna quase obrigatório, para não se dizer:... obsessivo... Em conseqüência, as crianças e os adolescentes concebem curiosidade e interesses sexuais em idade precoce ou a grande distância do casamento.
Eis como Harvey Cox descreve a influência dos meios de comunicação social no caso:
“Os jovens são constantemente bombardeados pelo modo de vestir, pelas diversões, pe1os anúncios, etc., meios estes que talvez constituam a força mais habilmente preparada em matéria de estimulantes eróticos que jamais se tenha conseguido concentrar. Seus temores a fantasias sexuais são estudados por peritos em motivações e impiedosamente explorados pelos açambadores dos mass media” (La ciudad secular, Barcelona 1968, 2ª ed., p.277).
Acontece também muitas vezes que o casamento é diferido por motivos econômicos e profissionais, pois os jovens são obrigados a estudar mais a fim de poder conseguir certa estabilidade profissional e econômica... Ora a dilação do casamento, provocando impaciência, suscita numerosas e constantes ocasiões a tentação de anteciparem as re1ações conjugais.
Uma vez esboçado o problema, importa-nos traçar as respectivas pistas de solução.
2. Que é amor? Que é sexo?
1. Em nossos dias, não raro se confundem os conceitos de amor e sexo.
Na verdade, amor, no sentido próprio da palavra, é querer bem ao ser amado,... querer bem que muitas vezes não redunda em prazer ou compensação para quem ama, mas exige doação e entrega para que o bem do ser amado possa ser atingido. É claro que o amor nem sempre tem faceta tão austera[1]; em muitas de suas fases, o amor acarreta também alegria e prazer sensíveis, pois encontra doação recíproca da parte da pessoa amada.
Quando o amor ocorre entre dois jovens solteiros que se dispõem ao casamento, compreende-se que vá tornando novas e novas expressões de si mesmo... expressões que indicam o crescimento da doação íntima e mútua das duas pessoas em pauta. A união sexual, por ser a mais plena manifestação da recíproca entrega, não tem sentido no início do namoro nem durante o desdobramento do mesmo que ocorre no noivado, mas supõe a máxima e definitiva doação interior que só o matrimônio realiza. Com outras palavras: a união sexual supõe o compromisso estáve1 e responsável que é o casamento. Com efeito, tal união é naturalmente fecunda; ela leva a prole; ora a prole não se entende se não existe lar ou se não existe compromisso estável entre genitor e genitora, dispostos a educar os filhos que eles concebam.
2. Ademais note-se: o fato de alguém sentir atrativo por pessoa do sexo oposto não quer dizer que esteja em condições físicas e psíquicas de ter relações sexuais com a mesma. É preciso que haja amadurecimento paulatino, sem queima de etapas, a fim de que a união sexual possa significar ponto de chegada e autentica realização humana.
“O casamento é o clímax desse processo de crescimento”.
Ao se casarem, os noivos já devem ter superado, totalmente, o estado infantil do amor.
“A entrega dos seus corpos um só outro deve ser a manifestação total desse amor adulto que vai além do simples prazer físico, para atingir uma dimensão mais profunda de plena integração mental e psíquica" (HAROLDO GALVÃO, O problema é sexo. Ed. Paulinas, Sb Paulo 1914, pp.89a).
3. Tais princípios valem igualmente para o sexo masculino e para o feminino, embora se julgue que o rapaz (ou o homem) tem direito ao livre uso do sexo e se conteste o mesmo à mulher. Verdade e que a mulher vem a ser mais profundamente afetada por relações sexuais pré-matrimoniais do que o rapaz; tanto em seu físico como em seu psíquico ela se ressente seriamente das conseqüências de tal praxe. Isto, porém, não quer dizer que a natureza lhe tenha proibido algo que facultou ao sexo oposto. Na verdade, qualquer criatura humana está sujeita ao mesmo processo de amadurecimento pessoal; somente a união estável e definitiva, selada pelas núpcias, constitui o ambiente naturalmente propício à vida sexual, que por si é fecunda e tende à prole.
Eis, porém, que se propõem argumentos em favor das relações pré-matrimoniais. Vamos, pois, examinar de maneira objetiva a sua consistência.
3. Em prol das relações pré-nupciais...
Estudaremos cinco das principais razões comumente apresentadas:
3.1. «O amor leva à plena comunhão»
Na verdade, muitos namorados ou noivos procuram justificar a prática das relações pré-nupciais, apelando para a realidade de intenso amor recíproco; Segundo eles, tal amor exige, em termos inadiáveis, plena comunhão, ou seja, a consumação da união física. Dizem outrossim que é preferível ter relações pré-matrimoniais com amor a tê-las sem amor, isto é, com pessoas desconhecidas.
Respondemos que, na verdade, o amor implica comunicação e busca de intercomunhão pessoal. Todavia nesse «dar e receber mútuos» podem ocorrer muitas contrafações. Principalmente quando se trata de intercomunhão sexual plena, requer-se o exame da autenticidade do amor. Sim; quando se trata de entrega total física, é necessário afastar todo egoísmo (que não raro é confundido com amor); é necessário não hipertrofiar o caráter biológico do amor.
Quando um(a) jovem pergunta a(ao) namorada(o) ou noiva(o): Será que você não tem amor suficiente para dormir comigo?, está usando de artimanha. A(o) moça(o) há de lhe responder: «Certamente amo-o(a) tanto que me quero casar com você. Mas o matrimônio não consiste precisamente em dormirem os dois juntos: casamento significa permanecermos unidos para o bem, viver, crescer, tomar refeições conjuntamente e termos os nossos filhos como frutos dessa comunhão de vida. Enquanto não pudermos realizar tudo isso, não posso decepciona-lo(la), contentando-o(a) apenas com uma parte; não pertenço a tal tipo de pessoas. Mesmo que você não consiga entender isto, será que me ama suficientemente para esperar?
Diz muito a propósito John Robinson:
“A porta do amor é estreita e rigorosa, e as suas exigências muito mais profundas e penetrantes. Ao jovem que a propósito de suas relações com uma moça, nos pergunta: 'Por que eu não o devo fazer?' É relativamente fácil responder: 'Porque não fica bem' ou ‘Porque é pecado’... Muito mais exigente seria responder-lhe com a pergunta: 'Você a ama?' ou ‘Até que ponto a ama?' e ajudá-lo então a decidir por si mesmo que, se não a ama ou não a ama profundamente, seu ato é imoral, ou que, se ama, tem de respeitá-la a tal ponto que já não lhe é possível abusar dela ou tomar com ela a menor liberdade" (Um Deus diferente. Ed. Herder, São Paulo 1967, p. 152s).
Ainda a propósito de autenticidade do amor, devem-se citar as palavras do Pe. Haring:
É preciso insistir no problema da palavra e da sinceridade, o amor é um encontro de todo o ser com a pessoa, para fazer uma só carne no sentido bíblico, que é total e definitivo. Esta sinceridade pode realizar-se de forma gradual. Na prostituição, por exemplo, não existe do modo algum porque só há instrumentalização da mulher que, inclusive, é anônima. No amor livre há sinceridade maior, porque já se trata de pessoa que tem nome, mas ainda não se operou realmente esta integração das pessoas de forma total a definitiva. Nas relações entre noivos, aproximamo-nos mais da sinceridade, embora esta ainda não seja total porque, mesmo que eles digam que é como se estivessem casados, na verdade continuam sentindo-se livres para voltar atrás....... Os jovens que hoje são tão sinceros, também têm que ser sinceros quanto a este problema das relações pré-matrimoniais' (Mesa redonda sobre amor y sexualidad1 In Moral y hombre nuevo. Madrid 1964, p. 264).
Estas reflexões evidenciam que a necessidade de comunicação e comunhão entre namorados e noivos não exige relações sexuais. Estas são muitas vezes solicitadas por motivos que não são amor, mas, sim, egoísmo; há não raro muito mais amor na capacidade de abster-se até o momento oportuno do que no avanço descomprometido ou não plenamente comprometido com o parceiro.
3.2. «Testar o amor»
Não poucas pessoas tencionam justificar as relações sexuais pré-matrimoniais, baseando-se na necessidade de (experimentar) ou (testar o amor) a fim de se prepararem melhor para o matrimônio. Dizem que as relações sexuais constituem uma arte que precisa ser aprendida, a fim de se evitarem os fracassos de muitos casais. Além disto, o teste pré-matrimonial ajuda a descobrir qualquer incompatibilidade que depois dificilmente seria sanada.
- A este argumento duas observações sejam feitas:
a) Não há dúvida, o amor sexual é uma arte, no sentido de que exige delicadeza e compreensão mútuas; possivelmente o esposo e a esposa durante anos se vêem obrigados a fazer progressos nessa arte. Pergunta-se, porém: pode-se submeter o amor a «prova»? Não seria esse desejo de testar ou de submeter a prova a própria contradição ou deturpação do amor? Quando se realizam relações sexuais para «provar» o parceiro, falta a condição básica do amor, que e entrega irrevogável e absoluta.
b) Segundo a observação de bons pensadores, o teste pré-matrimonial pouco ou nada prova. A vida sexual, como dito, não se reduz a relações sexuais, mas e convivência diária é perseverante na alegria e na dor, na saúde e na doença,... Em conseqüência, pode acontecer que uma experiência pré-nupcial seja bem sucedida, mas em absoluto não garanta, nos interessados, a capacidade de conviverem e de compartilharem as responsabilidades e os fardos da vida cotidiana. Pode também um teste pré-matrimonial redundar em frustração, mas nem por isto significar fracasso na futura vida conjugal. Em síntese, não se pode estabelecer correlação entre aprendizagem sexual pré-matrimonial e felicidade matrimonial posterior. Na verdade, e preciso que se desfaça constantemente a suposição (às vezes, inconsciente) de que amor é, simplesmente, sexo ou vida conjugal ou é, sem mais ou principalmente, vida sexual.
3.3. A longa espera do casamento
Hoje em dia os jovens não se podem casar senão depois de haver adquirido certa estabilidade financeira, a qual supõe determinada profissão, ao menos por parte do noivo. Os estudos são protraídos, de modo que o casamento é diferido. Ora essa dilação do matrimônio gera certa impaciência na juventude, que, em conseqüência, apela para o uso do sexo anterior às núpcias. Esta seria uma fórmula compensatória, bem compreensível se se leva em conta que a sociedade na qual vivem os jovens solteiros é erotizante e suscita contínuos atrativos á vida sexual.
- Em resposta, reconheceremos que realmente as seduções são numerosas; criam um clima no qual a castidade pré-nupcial vem a ser difícil, se não mesmo heróica. Todavia observamos que um mal não se cura com outro mal; o adiamento do matrimônio, na medida em que possa ser um mal, não é remediado pela permissividade pré-matrimonial, que também é um mal. Com outras palavras: compreendemos o problema e a tentação que daí decorre para a juventude, mas lembramos que compreender não significa «aprovar», «coonestar».
Ademais notemos que a dilação do enlace matrimonial também pode ter seus aspectos positivos: oferece a juventude a ocasião de aprimorar a sua formação humana e moral. Se os jovens antes do casamento não adquirem o hábito de dizer não a si mesmos segundo as oportunidades que o possam exigir, dificilmente saberão contrariar a seus instintos depois do matrimônio.
3.4. O uso dos anticoncepcionais
Antigamente a abstinência sexual poderia ser fundamentada sobre os riscos que o uso do sexo acarretava: a possibilidade de engravidamento incutia receio ou mesmo espanto em muitas moças, que, diante de tal perspectiva, preferiam abster-se de relações sexuais. Atualmente, porém, está dissipado este risco pelo fato de que as pílulas anticoncepcionais são aptas a evitar o engravidamento. Por que então não recorrer ao uso do sexo antes mesmo do matrimônio?
- Notaremos, antes do mais, que o amor humano não é somente unitivo, mas por si também é fecundo. Isto quer dizer: o amor tende naturalmente a se abrir a um terceiro, que o fruto de tal amor; o filho simboliza concretamente o amor do homem e da mulher e o consolida, fazendo que ambos mais e mais convirjam em direção do terceiro, superando os resquícios do egoísmo. Em outros termos: o diálogo entre o homem e a mulher nunca poderá ser concebido como pura relação intersubjetiva, mas ele necessita de se tornar objetivo, ou de criar a sua própria objetividade.
Quem tenta subtrair ao amor a abertura para um terceiro, frustra a própria realidade do amor; mutila ou esteriliza um valor que é essencialmente fecundo e que se vai consolidando mediante a sua fecundidade.
Levem-se em conta outrossim os graves riscos - físicos e psíquicos - que incorre a mulher em conseqüência do uso do anticoncepcionais ou do fatores esterilizantes. O amor, na mulher, é intimamente marcado pelo senso da maternidade; dai os sérios inconvenientes que, em diversos níveis do sexo feminino, decorrem do recurso aos anticoncepcionais.
É, não raro, o egoísmo e especialmente o egoísmo do homem dissimulado sob a capa de «amor» - que sugestiona a mulher para que aceite tornar-se provisoriamente estéril, ou... para que aceite tornar-se instrumento inócuo do deleite do homem. Enquanto este se julga descomprometido e livre após as relações sexuais, a mulher se vê em situação diferente, pois ela é profundamente marcada - em seu físico e em seu psíquico - pelo relacionamento sexual. Toca-lhe muitas vezes carregar a sós as tristes conseqüências do um ato cujo parceiro se retira como se retiraria após haver usado um instrumento mecânico qualquer.
Ao fazer tais observações, não podemos deixar de registrar também que a própria natureza é por si estéril em certa fase do ciclo feminino. Tal esterilidade é necessária e sadia, pois concorre para restaurar e repousar o organismo feminino e assegurar o bem-estar do mesmo. O recurso às relações sexuais nos períodos de esterilidade natural nada tem de condenável, pois não contraria a natureza; esta não é artificialmente tornada estéril, mas é respeitada em seu ritmo próprio. - Afirmamos, porém, que mesmo nos períodos estéreis da mulher as relações sexuais são licitas tão somente dentro do matrimônio; elas supõem, sim, a doação máxima e total que só pode existir se existem um lar e um compromisso entre o homem e a mulher.
3.0. «O contrato é mera formalidade»
Vivemos numa época fortemente caracterizada pelo personalismo, que às vezes degenera em subjetivismo[1]. É por isto que não poucos jovens entendem o amor como relacionamento meramente intersubjetivo, esquecendo a dimensão social do amor. Em conseqüência, não vêem dificuldade em recorrer ao sexo fora ou antes de qualquer contrato matrimonial.
- Ora dizemos que o amor entre o homem e a mulher, além da sua dimensão pessoal, tem outrossim o seu aspecto social. Segundo Emmanuel Mounier (1905-1950), o fundador do personalismo, a pessoa só encontra a sua perfeição na comunidade e mediante a comunidade. Por extensão, a todo nós. corresponde um vós; aquilo que se realiza no binômio nós, deve dirigir-se a um plural vós que justamente corresponde à dimensão social do amor. Esta dimensão e especial­mente importante quando se trata do amor sexual pleno; sem inserção corajosa e oficial dentro da sociedade, o amor sexual corre o risco de ser mero egoísmo e manipulação do parceiro.
Com outras palavras: a sexualidade não diz respeito somente a um indivíduo nem mesmo a duas pessoas apenas. Ela constitui um nós - o nós do casal - que se abre para o vós da sociedade. Não se pode viver um relacionamento sexual plenamente humano em um ambiente puramente privado e individualista. É no nós da sociedade que o casal se realiza plenamente e que o amor se consuma. Sim; o nós. da sociedade acolhe o casal; dá-lhe o apoio com que ele pode e deve contar para se consolidar em seus diversos aspectos. Por isto também a sociedade está interessada na regulamentação ética e jurídica do comportamento sexual; se este não se orienta segundo certas normas de respeito mútuo e de autodomínio, o bem comum da sociedade vem a sofrer graves danos. Em conseqüência, é indispensável a institucionalização da vida conjugal, sem a qual o uso do sexo se pode tornar um fator de desintegração da comunidade e de destruição dos membros desta.
Está claro que essa inserção na sociedade não deve ser entendida apenas como medida jurídica ou formal. O papel que os nubentes assinam no foro eclesiástico ou no foro civil, não é o principal elemento do matrimônio; todavia é um símbolo,... símbolo de uma realidade interior ou do amor que os nubentes tem a coragem de professar em público, porque estão dispostos a tomá-lo a sério. Não raro aqueles que menosprezam o caráter jurídico do matrimônio, fazem- porque não estão seguros do seu amor ou não estão dispostos a levá-lo até as últimas conseqüências; querem guardar a liberdade de recuar quando lhes aprouver, sem que se lhes possa lançar em rosto o documento previamente assinado.
4. Conclusão
Estas considerações projetam luz sobre o que as relações sexuais fora ou antes do matrimônio tem de abusivo e de prejudicial tanto para os indivíduos quanto para a sociedade, de interesse comum à instituição que se chama casamento. Mesmo relações sexuais pré-matrimoniais empreendidas de maneira esporádica, e não habitual, não encontram justificativa, ainda que pareçam ser manifestação de autêntico amor entre dois seres humanos. Com efeito, diz a «Informação ao Conselho Britânico das Igrejas»:
"Julgamos que relações esporádicas criariam provavelmente problemas mais numerosos do que aqueles que elas deveriam resolver, pois as relações sexuais não são algo que se possa separar adequadamente do contexto de um relacionamento permanentes" (Sexo e Moralidade, p.103).
Com outras palavras: as relações sexuais vinculam as pessoas ou estabelecem entre elas liames que não podem ser esquecidos ou cancelados segundo o arbítrio dos interessados.
A palavra «institucionalização» não é sempre agradável nem aceita pelo homem de hoje, que muito apregoa liberdade e criatividade. Não se poderiam, porem, ignorar os benefícios que toda justa legislação traz a sociedade; sem estipulação de direitos e deveres entre os membros de uma comunidade, esta se esfacela. A lei tem por finalidade não a sufocação da vida e dos seus valores, mas, ao contrário, visa a preservar e garantir o autêntico desabrochar dos mesmos. Isto se aplica também ao valor que se chama amor, existente entre o homem e a mulher e tendente a se exprimir em relacionamento sexual.
Compreende-se, porem, que, para não se sentirem sufocados pela institucionalização do matrimônio, se requer que os interessados se certifiquem previamente de que nutrem autêntico amor, que seja doação generosa, e não cobiça egoísta. Esta certeza só poderá ser adquirida paulatinamente, ou seja, se o amor que desperta nos jovens (com índole um tanto instintiva e cega) for submetido à delicada e prolongada educação, em vez de ser prematuramente exercitado em relações sexuais, o amor e a arte de amar são algo que se aprende mediante esforço e magnanimidade - esforço que é, ao mesmo tempo, maravilhosa descoberta.
Enquanto o amor não se torna suficientemente adulto e amadurecido para ser institucionalizado, a conduta do jovem a da continência pré-matrimonial. Esta não se deriva de mentalidade antiquada, marcada por tabus morais e desumanos, mas, sim pela própria índole do amor autenticamente concebido.
A propósito recomendamos o livro de MARCIANO VIDAL: Moral do amor e da sexualidade. Ed. Paulinas, São Paulo 1978.
Apraz citar outrossim o artigo Como vai a revolução sexual nos Estados Unidos, in Seleções, novembro de 1978, pp. 35-37.
Estêvão Bettencourt O.S.B.
[1] Dizemos austera, levando em conta a plano sensível, pois inegavelmente o amor implica sempre profunda alegria espiritual. O amor é algo de nobre, que enobrece, enriquece e, por isso, regozija intimamente a quem a o cultiva.
[2] “Personalismo” é a doutrina que respeita a pessoa humana e o seu mistério indevassável. Opõe-se no coletivismo ou no totalitarismo, que apaga as pessoa com suas notas típicas, merecedoras de toda a reverência. Em ultima analise, a pessoa humana traz em si a imagem a semelhança de Deus. “Individualismo” é o exagero da ênfase dada a pessoa. Significa hipertrofia das notas típicas de cada um ou do próprio sujeito com detrimento do aspecto social que marca a pessoa humana. Foi o filósofo francês católico Emmanuel Mounier quem, em 1932/3, lançou o termo "Personalismo". Segundo Mounier, a pessoa é o indivíduo em suas relações comunitárias, de modo que o personalismo implica um certo comunitarismo. O personalismo opõe-se a individualismo a também a coletivismo.
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Castidade: relações pré-matrimoniais são válidas?
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 392/1995)

Em síntese: o Dr. Helio Begliomini, pós-graduado pela Escola Paulista de Medicina, trata, como médico, das relações pré-matrimoniais. Mostra que, em vez de favorecer uma vida conjugal mais sólida e feliz, tem contribuído para dificultar a convivência de marido e mulher. Com efeito; dão a entender subliminarmente que casamento é principalmente vida sexual, quando na verdade implica um dia-a-dia vivido a dois em atitude de doação generosa e paciente. Além disto, as relações pré-matrimoniais propiciam a transmissão da AIDS e de várias doenças venéreas, que podem perdurar mesmo depois do casamento legítimo, prejudicando a vida conjugal. Mais: o aborto decorre, não raro, desse tipo de relacionamento, e a vida moral dos dois parceiros tende a se abalar, pois cede a paixões e até a eventuais desatinos. - As energias que não se gastam nas relações pré-matrimoniais, serão canalizadas em benefício da vida intelectual, esportiva, profissional e religiosa dos interessados.
***
A Redação de PR pediu ao Dr. Helio Begliomini um artigo sobre relações pré-matrimoniais, consideradas do ponto de vista médico. Este amigo respondeu enviando a PR o artigo em vista, acompanhado de outro referente a Cursos de Preparação de Noivos para o Casamento. Publicamos neste número de nossa revista os dois estudos, que se complementam mutuamente, e agradecemos vivamente ao Dr. Helio Begliomini a sua valiosa colaboração de Médico do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo (HSPE-FMO), pós-graduado pela Escola Paulista de Medicina (EPM).
Possam os leitores beneficiar-se das ponderações do profissional em Medicina e perito de Cursos para Noivos que mais uma vez colabora com PR.
RELAÇÕES SEXUAIS PRÉ-MATRIMONIAIS
A metamorfose do mundo atual tem favorecido um relacionamento entre as pessoas mais objetivo, menos formal, mais frio e menos duradouro. A crise das crises no hodierno é sem dúvida, a crise da ética, a da moral, que se traduz na maneira desmedida em "levar vantagens sobre outrem", desacato às leis, desrespeito às instituições e o relativismo filosófico, que esconde várias nuanças entre o bem e o mal, confundindo-os e fazendo-os assumir a mesma forma.
Entre as instituições que sofrem acentuado abalo, enquadra-se o matrimônio, não por forças emanadas de sua razão de ser, mas, sim, por vetores centrífugos oriundos de seus maiores protagonistas - os consortes. Sem cônjuges, não há matrimônio. Se estes estão mal preparados ou até mal intencionados, o reflexo é direto no casamento, que terá sua saúde abalada.
Algumas estatísticas mostram que cerca de 10% dos casais que hoje contraem matrimônio, estarão em um ano separados. Este índice sofrerá incremento nos anos subseqüentes. Quais seriam as causas para tal fracasso, sobretudo num mundo onde predomina mais abertura, diálogo, conhecimento, liberdade de comunicação e compreensão..? Onde os mitos e a depreciação social de ficar solteiro(a) se diluem..?
Os especialistas sempre referem que uma das causas mais em voga na dissolução (fracasso) do casamento (não acasalamento) é o desajuste sexual. Como entender tal fato, uma vez que os noivos desenvolvem "cursos" de instrução e educação sexual nas mais diversificadas revistas de sexo, aperfeiçoamento prático durante o namoro e pós-graduação com parceiras(os) ocasionais?! A intuição indica que deveria ser exatamente o contrário! Entretanto, tais fatos, aliados a uma sociedade hedonista, expressa nos seus mais variegados meios de comunicação social, contribuem para frisar que o sexo antes do casamento ou irresponsável coopera ou é a expressão de uma fragilidade de caráter, pusilanimidade de princípios, obnubilação de objetivos retos, sérios e perenes, que o casal deveria descobrir e perseguir durante o namoro e o noivado, a fim de. que tenham um casamento sólido a persistente.
O relacionamento sexual pré-matrimonial, além dessa característica de enfraquecimento moral do casal, pode precipitar outros inconvenientes, tais como:
CONTÁGIO DE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
O universo de doenças transmitidas através do coito não se restringe apenas à sífilis e à gonorréia, como em tempos imemoriais. Uma gama maior de infecções poderá ser adquirida, tais como: uretrites, balanites, balanopostites, colpites a vulvovaginites inespecíficas causadas por um ou mais dos seguintes agentes: Gardnerella vaginalis, Trichomonas vaginalis, Candida al bicans, Ureaplasma Urealyticum, Chlamydia trachomat is, Herpes virus homimis e bactérias Gram positivas e negativas. Igualmente, outras doenças com seus agentes próprios, como condiloma acuminado, cancro mole, linfogranuloma venéreo, escabiose, pediculose, molusco contagioso e donovanose, poderão ser contraídas, além da AIDS (Síndrome da imunodeficiência adquirida) e da hepatite. Algumas dessas doenças podem ocorrer em circunstâncias matrimoniais de fidelidade. Entretanto, toma-se percalço no tratamento o fato de um dos parceiros sexuais manter relacionamento com outra(s) pessoa(s). Faz-se necessário tratar todas essas moléstias conjuntamente, o que acaba acarretando confusões e mentiras no relacionamento entre os diversos parceiros e parceiras.
REMINISCÊNCIAS SEXUAIS DE OUTREM
Trata-se de informações visuais, táteis, olfativas e auditivas adquiridas e armazenadas no subconsciente, que podem vir a tona quando se tem relacionamento com o(a) atual parceiro(a). Os termos de comparação sobre as técnicas e o desempenho sexual se estabelecem na relação; isto poderá gerar a imagem de que o(a) namorado(a) não é tão bom (boa) quanto outrem. Neste tipo de situação se enaltece o componente sensual do relacionamento, e afirma-se implicitamente que o sexo deve ser o objetivo primordial do casamento.
Quando não existe compromisso assumido social e religiosamente, o relacionamento sexual se toma mais irracional, mais carnal, mais fugaz, mais frágil, e consequentemente menos responsável, menos abrangente, menos persistente e menos sólido.
PSEUDO-RELACIONAMENTO CONJUGAL
Muitos advogam que o relacionamento sexual durante o namoro e o noivado colabora para o conhecimento entre os futuros cônjuges, evitando assim casamentos que não dariam certo. Se assim fosse, não haveria tantas separações ou tanta rotatividade entre os casados ou namorados que partilham ou partilharam essa idéia, uma vez que não faltam motivos, incentivos e ambientes para o sexo. Por mais que se queira prever, a vida conjugal reserva momentos singulares, que são ora positivos, ora negativos. Com certeza, haverá evidenciação de intimidades mútuas até então desconhecidas.
No relacionamento sexual, pré-matrimonial, procura-se valorizar só os momentos agradáveis e não se partilha o dia-a-dia conjugal. Acentua-se, desse modo, uma visão mais libidinosa do relacionamento, esquecendo-se que o cônjuge traz consigo muito mais do que esta faceta a ser apreciada e compartilhada. Cria-se assim uma falsa ilusão do futuro consorte, de modo que a distorção míope auferida no namoro e noivado poderá causar separação conjugal, pois o cônjuge aprendeu a ver parte da pessoa e não a encará-la como um todo.
O relacionamento sexual pré-matrimonial; de maneira geral, é festivo e descompromissado, não importando muito aos seus protagonistas uma visão mais duradoura e até transcendental.
ENFRAQUECIMENTO DA MORAL
O sexo não é o instinto mais forte que o homem possui, mas torna-se muito exuberante a partir da adolescência e atinge o seu cume na fase de adulto jovem, quando apresenta estabilização de sua pujança, com posterior declínio paulatino nas suas manifestações.
O controle do apetite sexual está muito ligado à razão e à educação. o autocontrole em termos de continência sexual não causa distúrbios psicológicos e físicos. Ao contrário, os desajustes na verdadeira educação (falta de orientação sobre princípios éticos seguros e lídimos) refletem-se de forma negativa nas relações psicológicas do indivíduo, precipitando-o em experiências sexuais tidas como "necessárias e medicinais", quando, na verdade, agravam a ansiedade e o vazio que acompanham o indivíduo, contribuindo para enfraquecê-lo ainda mais psicológica e moralmente. Faz-se mister quebrar o ciclo vicioso e reverter o quadro. A continência sexual pré-matrimonial demanda um contínuo exercício da vontade sobre um forte impulso físico; torna-o menos cego e irracional, proporcionando ao indivíduo um controle de si mesmo. Ademais, reordena suas prioridades e oferece uma forte sensação de bem-estar pelo domínio de si mesmo, de seu ego. Esta energia certamente há de ser canalizada em benefício de sua vida profissional, intelectual, esportiva, religiosa e matrimonial, proporcionando construtivos dividendos.
A seleção de pessoas bem formadas no rol das amizades, a freqüentarão de bons ambientes, o habito de boas leituras e de cursos educativos, a vivência religiosa, a prática esportiva, o trabalho e a vida regrada não somente colaboram para o autocontrole da sexualidade, mas também tornam-se subsídios imprescindíveis na boa formação da personalidade.
PRECIPITAÇÃO DO ABORTO
Todo relacionamento sexual irresponsável imaturo e/ou inoportuno abre as portas para a fecundação (mesmo na utilização de recursos anti­concepcionais artificiais ela não é impossível). A geração de um novo ser fora do contexto do lar, indesejado, fruto de mero hedonismo fortuito a frívolo, poderá favorecer um mal ainda maior, que é o aborto provocado Com ele se atesta que o denominador comum era mesmo o prazer desme­dido e inconseqüente, além de se testificar o despreparo de seus protagonistas, pois se chega a um crime bárbaro e nefando, onde o desprezo absoluto e radical pela vida do embrião inocente e desprotegido nem sequer é cogitado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vida sexual no matrimônio não é isolada; ao contrário, faz parte de um contexto a dois, cujo constante aprendizado, conjunto e paulatino de ambos os consortes. se fará em plenitude. o casamento sério baseado no amor sincero é terreno fecundo para este amadurecimento sexual, que mormente demanda tempo, mensurado pela razão direta do dialogo, pelas características físicas individuais, compreensão, sinceridade, educação familiar recebida e pelo respeito mútuo. Esse crescimento sexual será amplo na vida conjugal, uma vez que, como visto acima, o coito pré-matrimonial não proporciona uma visão do(a) parceiro(a) em toda sua globalidade e em todo o instante. o sexo não é o objetivo mais importante do matrimônio, mas um importante complemento, na razão direta do querer bem desinteressado e sincero que ambos os cônjuges demonstram reciprocamente. Neste sentido, colaborara para levar o casamento a bom termo.
A dinâmica sexual conjugal também conhece momentos felizes e difíceis ao longo da vida a dois. O casal aprenderá a conviver e a superá-los quando houver amor. Este tudo supera. Nada resiste a ele. Se no namoro alguém não aprendeu a conhecer e a respeitar seu futuro cônjuge, a exercitar as virtudes da renuncia e da continência, será mais difícil fazê-lo após o casamento; com efeito, o sexo carnal e fugaz num contexto sem amor e/ou sem compromissos oficiais, longe de ser remédio para angustias e depressões, se toma fator agravante de desilusão presentes ou futuras, uma vez que o relacionamento se forja numa relação inconsistente, de interesses circunstanciais e de duração efêmera.
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Domingo, 25 de Março de 2007

Castidade; reflexões sobre o celibato
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 418/1997)
REFLEXÕES SOBRE O CELIBATO
Em síntese: Fulton Sheen, famoso Bispo norte-americano, escre­veu sua autobiografia, na qual propõe ponderações sobre o celibato. Enfatiza o fato de que o celibato não e um truncamento, uma renuncia sem mais, mas e, sim, uma troca: a troca da criatura pelo Criador; do finito pelo Infinito, do relativo pelo Absoluto (cf I Cor 7,2-35). É certo que o celibatário tem que viver neste mundo, lidando com os valores criados deste mundo, mas ele o faz com o possível desapego para poder descobrir sempre mais o Eterno presente no tempo. Quem não tem o senso de Deus, não compreende a vida una ou indivisa. Ate mesmo grandes homens religiosos não católicos, como o Mahatma Gandhi e o Secretário Geral da ONU em tempo idos, deram o testemunho de grande estima pela vida celibatária, que eles mesmos abraçaram.
* * *
O Bispo norte-americano Fulton Sheen, conhecido por seus progra­mas de televisão, escreveu um livro autobiográfico intitulado Treasure in Clay[1] (Tesouro dentro da Argila), no qual se encontra o capítulo 13, que propõe "Reflexões sobre o Celibato" (pp.201-213). São páginas notáveis, das quais vão, a seguir, traduzidos alguns trechos dos mais significativos.
I. O TEXTO
"Há três conselhos evangélicos: pobreza, castidade e obediência. Nem todos os três são populares do mesmo modo... Em nossos dias, não existe muita estima a obediência e a castidade. A pobreza parece ser mais valorizada não tanto como despojamento pessoal, mas como via para auxiliar a pobreza alheia - o que é realmente recomendável. A razão pela qual a castidade está em declínio, é que vivemos numa cultura sensual. A Idade Média foi uma época de fé; depois veio a Idade da Razão no século XVIII; agora vivemos na Idade dos Sentimentos.
Nos tempos da rainha Vitória, o sexo era tabu; atualmente a morte é que é tabu. Cada época tem seus próprios tabus. Creio que uma das ra­zões para a promiscuidade sexual de nossos dias é a falta de finalidade para a vida humana. Quando dirigimos um carro e nos perdemos na estra­da, geralmente passamos a dirigir com mais velocidade; assim também, quando falta o pleno sentido da vida, surge a tendência a compensá-lo com acelerações, drogas e intensidade de afetos...
O celibato se toma mais difícil para quem se afasta do amor de Cristo; vem a ser então um fardo pesado. Eu poderia fazer um retrospecto da minha vida, e estou certo de que veria a minha atitude diante do celibato sempre em relação com o meu amor pessoal a Cristo. Desde que meus afetos deixam de se voltar para Ele, começam a se voltar para as criatu­ras. O celibato não é a ausência de afetos; é, antes, a intensidade dos afetos.
Cada afeto tem um objeto que o excita: um bloco de ouro, uma mulher, um 'cacho de cabelos' como dizia Kipling ou Cristo. Por que Jesus aceitou a Paixão e a Cruz? Porque Ele sentia um ardente afeto para com a vontade do Pai. Ele o comparou a um fogo (Lc 12,49). Um marido que ama intensamente a sua esposa, não tem problemas de infidelidade, mas aquele que está constantemente em litígio com a esposa, põe-se muitas vezes a procura de algo de melhor.
Notáveis casos de celibato manifestaram-se ao publico na socieda­de moderna. Gandhi, por exemplo, foi um homem profundamente
religio­so. Ele amava os párias 'intocáveis' da Índia por causa de Deus a ponto de se tornar celibatário com a idade de trinta e um anos. Com o consenti­mento de sua esposa, fez o voto de abraçar o celibato no resto de sua vida. Ele declarava ter um dharma, uma tarefa ou uma missão, que ele tinha de executar a todo preço na sua vida. Isto implicava, para ele, a prática de duas virtudes a pobreza e o celibato. Observou o psicanalista Erik Erikson: 'Ele abriu mão da intimidade sexual para entregar-se a uma mais ampla intimidade comunitária, não porque a sexualidade lhe parecesse imoral'. Gandhi mesmo explicou: 'Eu quero dedicar-me ao serviço da comunidade; por isto tive que renunciar ao desejo de ter filhos e rique­zas e viver a vida de Vanaprastha, isto e, de alguém dispensado dos cuidados da casa.
Dag Hammarskjörd, mais tarde Secretário Geral das Nações Unidas, foi também alguém que acreditou no celibato porque tinha apaixonado amor a uma finalidade, ou seja, a paz entre as nações. Ele declarou: 'Para quem responde ao chamado do Caminho da Possibilidade, a soli­dão pode tornar-se obrigatória’. No seu qüinquagésimo terceiro aniversa­rio, ele escreveu este bilhete a Deus: 'Dá-me esta indispensável solidão de modo que se me tome mais fácil entregar-te tudo’. Sendo um homem normal, ele sentia 'o desejo de compartilhar e abraçar, de ser unido e absorvido’. Mas, como Gandhi, ele afirmou: 'A solidão devida ao celibato pode levar a uma comunhão mais intima e profunda do que aquela que se realiza entre dois corpos'.
Na Organização das Nações Unidas houve quem o escarnecesse por causa do seu celibato e o acusasse de homossexualismo. Ele jocosa­mente replicou aos seus detratores nos seguintes termos: 'Pois que ele nunca teve outro igual, os homens chamaram anormal o unicórnio’. Tão veemente era a sua estima de fraternidade entre as nações que Dag julga­va haver muita carga a ser jogada no mar para salvar o navio.
Esses dois homens (Gandhi e Dag), provavelmente sem o saber, diziam a mesma coisa que São Paulo a respeito do celibato: 'o homem não casado se entrega aos afazeres do Senhor. Todo o seu anseio é agra­dar ao Senhor. Mas o homem casado tem de se preocupar com os afaze­res do mundo e se dedicar a agradar a esposa. Ele está dilacerado entre dois pólos' (1Cor 7,32s).
Em última análise, tudo se reduz a quanto um homem está apaixo­nado, a quão alto vão os ardores dos seus afetos e dos seus anseios. Se um homem é capaz de renunciar a sua liberdade para aderir a mulher que ele ama, também é possível a um homem renunciar a uma mulher por causa de Cristo. O amor no serviço celibatário sobe ou cai conforme o amor a Cristo. Quando Cristo se torna menos importante no coração do homem, outra coisa há de sobrevir para preencher o vazio... Cristo na Cruz e Cristo na Eucaristia será sempre a pedra de toque da autenticidade do celibato. Quanto mais deixamos de responder a este dom, tanto menos desejamos olhar para um Crucifixo, tanto menos queremos visitar o Se­nhor no seu Sacramento.
A libido ou o impulso sexual é um dos mais fortes instintos no ser humano. Um dos grandes erros de certas modalidades de educação sexual é crer que, se as crianças conhecem alguns dos males que resultam de excessos, elas se abstêm do abuso sexual. Isto não é verdade. Nenhum mortal, ao ver sobre uma porta a tabuleta 'Febre tifóide’, será impelido a forçar a porta para contrair a doença. Mas, se a palavra 'sexo’ estiver gravada sobre uma porta, verificar-se-á um impulso para arrombar a porta e entrar.
A libido tem uma finalidade muito mais ampla do que freqüente­mente se supõe; ela não existe somente para o prazer; não existe somen­te para a propagação da espécie; não é somente um meio para intensifi­car a união do marido e da esposa. É também um potencial que tende à superioridade. O impulso sexual é capaz de transformar. O carvão tanto se pode tornar fogo como se pode tornar um diamante. A libido tanto pode ser posta para fora como pode ser armazenada. Ela pode procurar união com outra pessoa de fora, mas pode também procurar união com outra pessoa que está dentro, isto, é, Deus.
Assim o celibato não é somente a renúncia à pessoa de fora, é também a concentração na pessoa que está dentro. Deus não está fora. Ele está em nós; 'Hei de habitar em vós e vós habitareis em mim' (Jo 14,2o). O celibato é um transformador que multiplica a energia de dentro para a concentrar inteiramente em Cristo, que vive na alma.
Os fornicadores não acreditam que alguém possa ser celibatário. Eles projetam o seu próprio erotismo sobre os outros. Doutro lado, os
ce­libatários são aqueles que devem compreender a fraqueza dos
forni­cadores. Nós, sacerdotes, que nunca violamos o voto de celibato, somos freqüentemente interpelados nestes termos: 'É muito fácil para vocês; vocês não são tentados'. Ora é justamente o contrário que acontece. O celibatário é tentado, talvez mais do que qualquer outro. A maçã do outro lado da cerca parece mais doce. Quem conhece melhor o empenho que um atacante ou um médio ou um goleiro tem que exercer numa partida de futebol: o jogador mesmo ou o espectador? Quem conhece a força do vento? Aquele que é carregado pelo vento ou aquele que pode ficar de pé e resistir?..
Quanto mais amamos a Cristo, tanto mais fácil é pertencer a Ele somente".
II. REFLETINDO...
Fulton Sheen é muito sábio ao discorrer sobre o celibato, que ele conhece por experiência própria.
Podem-se realçar três pontos na sua explanação:
1) a ênfase no fato de que o celibato não é um truncamento, uma renuncia sem mais, mas é sim uma troca: a troca da criatura pelo Criador, do finito pelo Infinito, do relativo pelo Absoluto (1Cor 7,25-35). E certo que o celibatário tem que viver neste mundo, lidando com os valores criados deste mundo, mas ele o faz com o possível desapego para poder desco­brir sempre o Eterno presente no tempo.
2) Quem não tem o senso de Deus, não compreende o celibato. Pode julgar que é castração, frustração... o celibato só se entende como voltado para Deus. Por isto quem não entende o celibato, deveria abster-­se de o criticar. O celibato é. coisa nobre e santa, plenamente justificada aos olhos da fé... Tanto que muitos pensadores e religiosos não católicos o sabem valorizar grandemente.
3) Fulton Sheen cita, dentre os não católicos, o Mahatma Gandhi e o ex-Secretário Geral da ONU Dag Hammarskjörd. Dão belo testemunho de amor ao celibato por suas palavras e sua vida. Muitos outros nomes se poderiam citar ainda, corroborando a experiência de fidelidade a vocação para a vida una e indivisa.
APÊNDICE
SEGUEM-SE DUAS CARTAS: a primeira publicada no jornal O GLOBO em data de 5/11/96, e a segunda enviada ao mesmo jornal, mas não publicada. Ambas retomam e explicitam ainda a temática da vida una, levando em conta, principalmente a segunda, o pensamento indiano.
1. A Clássica Perspectiva Cristã
Em vista do artigo "Os anjos querem ser homens" de Elias Mugrabi, publicado em O GLOBO de 30/10 próximo passado, página 7, e de seme­lhantes pronunciamentos, fazem-se oportunas algumas ponderações. Não se vê bem por que os meios de comunicação social se ocupam tanto com o celibato do clero, pressionando ao casamento aqueles que fizeram livre opção pela vida una e indivisa. Esta tem seus alicerces espirituais no
Evan­gelho (Mt 19,12: "eunucos por amor do Reino dos Céus"), em S. Paulo (1Cor 7,2535) e na Tradição cristã (basta lembrar as obras de S. Cipriano de Cartago, S. Ambrósio de Milão, S. Gregório de Nissa, S. João Crisóstomo...). Não estamos numa democracia? Ou será que a onda de pan­sexualismo, que invade nossa sociedade, obceca a opinião pública, levando-a a crer que o sexo é um imperativo incoercível e não lhe permitindo ver o significado grandioso da vida totalmente consagrada ao Senhor e aos valores eternos? O insuspeito jornalista Paul Francis, em recente crônica de O GLOBO, estimava o celibato como uma das grandes prendas da Igreja Católica; o mesmo é dito por cristãos orientais, assim como per seguidores do hinduísmo. Se há falhas por parte de algumas pessoas con­sagradas, isto é compreensível, dada a fragilidade humana, mas não es­vazia o valor da vida una. Para reconhecer este valor, basta ouvir o testemunho de tantos homens e mulheres que vivem fielmente a vida indivisa (sustentados pela graça de Deus, que nunca falta) e que encontram aí enorme fator de alegria e felicidade, porque amam profundamente a Deus e aos irmãos. Pe. Estêvão Tavares Bettencourt O.S.B.
2. O Enfoque Indiano e Psicológico
(Dra. Olga Sodré)
Minhas pesquisas na área da Filosofia e da Psicologia (doutorado em Filosofia Indiana, na Sorbonne, e mestrado em Psicologia, na PUC-RJ) não apenas puseram em evidência a valorização deste estado em diferentes caminhos de busca da união com Deus, como também me aju­daram a distinguir este processo dos mecanismos de repressão e subli­mação estudados pela psicologia. Apenas, como exemplo, na Índia, Os urdhvaretas, são aqueles que canalizam sua energia sexual para cima, através da abstinência e da continência sexual. Segundo a doutrina e a prática da yoga, tal energia pode ser canalizada pelo sistema nervoso para o cérebro, desenvolvendo suas potencialidades latentes destinadas a as­censão espiritual. Brahmacarya ou continência é considerado como um meio de acesso a um poder espiritual oculto, que resulta em novo vigor físico e mental: Quando a continência se toma estabelecida, vigor é obtido. Tendo atingido vigor, o Yogui aperfeiçoa suas realizações (siddhis)" (Encyclopedia of Yoga, de Ram Kumar Rai, Prachya Prakashan Varanasi, 1982, pág. 192).
Embora num sentido diverso desta busca de siddhis ou poderes espirituais, a vida de muitos santos católicos atesta o valor e grandeza da experiência humana do celibato, que longe de ter sido patológica ou desequilibradora de suas vidas, contribuiu, ao contrário, para sua elevação e aperfeiçoamento como seres humanos. O ideal da vida una surge desde o inicio do cristianismo como um meio de configuração a Cristo (que é modelo deste tipo de vida) e como uma via de realização do Amor (Ágape) a Deus e aos outros seres. Neste sentido, longe de ser apenas uma privação da satisfação momentânea, a vida una é, sobretudo, a busca de uma união completa com a fonte da verdadeira satisfação. . A única experiência humana semelhante, embora ainda pálida e distante pelas limitações e deformações humanas, é a experiência do estado de felici­dade de uma pessoa apaixonada. Se muitas vezes a vida una não é as­sim vivida, trata-se mais da dificuldade ou inadaptação da pessoa que escolheu este caminho do que do valor em si de tal opção. Embora se possam observar problemas psicológicos nesta ou naquela pessoa, que optou pela vida una, assim como sinais de repressão ou de sublimação envolvendo esta escolha, a processo espiritual da vida una é próprio, desenvolvendo-se em intima relação com o Amor de Deus, no nível mais profundo do ser humano - Olga Sodré. __
NOTA:[1] Originally published by Doubleday and Company New York 1980).
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Castidade: qual será a genuina atitude do cristão
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 30/1960)
Por: JOÃO (Natal) e ANGUSTIADA (Rio):
2) Otimismo ou pessimismo em relação ao corpo humano? Condescendência ou austeridade no tocante aos prazeres da carne?
Qual será a genuína atitude do cristão?
As questões atinentes ao modo de tratar o corpo humano mereceram em todos os tempos detida atenção de pensadores e moralistas. A fim de melhor manifestar o sentido da autêntica resposta, proporemos, antes do mais, breve panorama das principais soluções até hoje formuladas para o problema.
1. Visão retrospectiva
O homem representa, no conjunto das criaturas, um pequeno enigma, pois associa em si as tendências mais contraditórias: ora nele se faz ouvir o brado do espírito, que aspira a tudo que é nobre, belo e elevado; ora, o rebuliço dos sentidos e da carne, que cobiçam os prazeres ilusórios da terra; o orgulho, o amor próprio, o egoísmo diminuem a personalidade, essa mesma personalidade que é capaz de estupendos rasgos de altruísmo.
Em torno do homem não se observa tal conflito: as plantas dão gérmen, flor e fruto bem parecer sujeitas a contradições; Os animais irracionais seguem seus instintos vitais sem dar mostras da incoerência que agita o homem. o animal que, bem alimentado, repousa ao sol, de nada parece carecer para sua felicidade; o ser humano, porém, quanto mais se sacia de bens carnais, tanto mais parece inquieto e insatisfeito.
O homem, por esse motivo, constitui, entre as criaturas visíveis, um tipo singular; seríamos tentados a dizer... um ser defeituoso. Não obstante, em virtude da sua inteligência e da sua liberdade de arbítrio, ele merece incontestavelmente ser tido como a obra-prima da criação.
Tal enigma sempre chamou a atenção dos sábios desde os tempos anteriores a Cristo. Sejam aqui mencionadas algumas: de suas sentenças a respeito
a) Na Índia antiga predominou o pessimismo em relação à natureza humana e á vida no mundo material. o ideal do hindu ficou sendo a evasiva, a fuga do ciclo das reencarnações, que são sempre tidas como punição da alma; o sábio hindu aspira a esquecer a matéria e desprezar a vida sensitiva, para viver exclusivamente da reflexão e da contemplação intelectivas.
b) Na Grécia antiga, também o pessimismo se fez ouvir, exprimindo-se em variada escala de tonalidades.
O Pitagorismo (séc. V a C.) considerava o corpo como túmulo em que a alma estava sepultada; pela procura da sabedoria ou pela filosofia, ensinavam os pitagóricos, o espírito se deveria aos poucos libertar da servidão da matéria e das reencarnações sucessivas.
Platão († 347 a C.) reavivou essas idéias, servindo-se do trocadilho «soma-sema (corpo-sepulcro)». O corpo seria cárcere, e a união da alma humana com ele equivaleria a degradação ou a castigo devido a culpas cometidas em existência anterior; por conseguinte, a finalidade suprema do sábio também seria a de emancipar-se da vida corpórea (o filósofo, enquanto o pode, desliga a alma do intercâmbio com o corpo..., não faz caso dos prazeres que provenham do corpo (Fedon 64e-65a).
Também os estóicos pouca estima manifestavam para com o corpo.
Epícteto (séc. I d. C.), por exemplo, tinha-o na conta de «alguma coisa que não me pertence» (Dissertações 1.3, c. 24) ou de «burrinho que carrega meus fardos» (lbd. 4.1). Não obstante, o filósofo prescrevia o asseio naturalmente exigido pelo corpo, a fim de não causar incômodo à sociedade: «Quando o animal se limpa, diz-se que ele imita o homem; quando o homem se suja, diz-se que ele imita o animal) (Ibd. 4,11). Fora, porém, do asseio estritamente necessário, Epícteto julgava «ser Sinal de baixeza qualquer tratamento dispensado ao corpo» (Manual 41). O Imperador Marco Aurélio († 181) professava idéias semelhantes, interpelando o leitor nos seguintes termos: «Não és senão uma alma pequena que carrega um cadáver, como dizia Epícteto» (Meditações 4,41).
Sêneca († 30 d. C.), por sua vez, compartilhava um ponto de vista do estoicismo; sabia, porém, manifestar-se moderadamente em textos como o que se segue:
«Dá a teu corpo apenas o suficiente para que esteja são. É preciso tratá-lo com certa dureza, a fim de que não se desvie da sujeição ao espírito. Não comas senão para acalmar a fome, nem bebes senão para extinguir a sede. Não procures, mediante a veste, senão defender-se do frio, e, mediante o teto, não aspires senão a intempéries da estação... Recorda-te de que em ti nada há de tão notável quanto o espírito; a este, grande como é, tudo deve parecer pequeno» (epíst. 8).
Ninguém negará a sabedoria que possa estar incluída nos que acabamos de transcrever. Mais adiante procuraremos analisá-la melhor. Por ora, interessa-nos levar em conta ainda outro traço do pensamento grego.
c) Ao lado de manifestações pessimistas, a literatura helênica apresenta outrossim afirmações positivas referentes à natureza humana.
Sócrates († 399 a.C.) e Platão († 347 a.C.), por exemplo, davam a crer que a virtude coincide com o saber, pois parece que todo aquele que conhece a virtude, naturalmente a pratica; o vício ou o defeito moral seriam meros produtos da ignorância humana. Tal tese supõe equilíbrio e harmonia na natureza, de sorte que a vontade esteja plenamente a altura de realizar as aspirações mais nobres do seu sujeito.
Outros pensadores gregos apregoavam, de certo modo, o culto do corpo; a beleza do físico juvenil era tema caro a literatura helênica; a figura do atleta, do triunfador dos jogos olímpicos, era grandemente exaltada pela opinião publica. Entende-se, pois, que a moral grega tenha incluído entre os seus preceitos o cuidado do corpo, de maneira que a higiene hoje em dia é tida como expressão característica do pensamento helênico. Este, de resto, se traduzia muito bem na seguinte máxima ática do séc. V a C.:
«O maior dos bens, para um mortal, é a saúde. E o segundo dos bens é ser um jovem belo e bem estruturado».
Não há duvida, os humanistas gregos sabiam que seu otimismo não dispensava o sacrifício: para fortalecer os músculos, para dar ligeireza e plasticidade ao corpo, e preciso submeter-se a severa disciplina; dai a advertência de Filocteto (409 a. C.) : «Tem consciência de que a ti também é necessária a dor. Em recompensa desses males, porém, terás a vida g1oriosa» (Sófocles, Filocteto 1418-1422).
Entre os romanos, o poeta Juvenal († 125) tomou-se o arauto do otimismo humanista, formulando o famoso adágio: «Orandum est ut sit mens sana in corpore sano. - Havemos de orar para que uma mente sã subsista em corpo são~ (Sátiras 10, 356).
Eis assim recenseados os principais tópicos da mentalidade pagã concernente á natureza humana.
d) O Cristianismo, ao entrar no mundo, não podia deixar de se opor a qualquer afirmação de otimismo absoluto em relação ao corpo. A moral do Evangelho tem consciência de que a natureza humana foi, no inicio da história, afetada por uma culpa, de sorte que o cristão deve tomar atitude reservada, muitas vezes mesmo restritiva, em relação aos movimentos de sua natureza (voltaremos um pouco adiante a falar dessa queda inicial). - Tal concepção severa, genuinamente cristã7 se implantou nas escolas antigas e medievais de espiritualidade.
e) No séc. XVI, porem, o chamado «Renascimento» procurou restaurar o pensamento grego independentemente da ideologia cristã; em conseqüência, uma onda de otimismo em re1ação á natureza humana (o «Humanismo») penetrou na cultura da época: uma mentalidade naturalista, mais ou menos pagã e hedonista (gozadora) se apossou de muitos redutos de cultura. Esse otimismo chegou ao auge no séc. XVIII. «O homem é bom por sua natureza», tal foi o principio que inspirou a «moral da simpatia» de Adam Smith († 179o): os critérios que definem justiça e injustiça não seriam ditados pela razão, mas pelos sentimentos ou a simpatia;
a «moral do dever» de Kant († 1804): a natureza humana seria suficientemente forte ou propensa ao bem para poder praticar o dever por causa do dever mesmo, abstraindo de qualquer sanção anexa;
a «moral da liberdade total» de Diderot († 1784) e de Rousseau († 1778): o homem sendo bom por natureza, a corrupção só poderia provir de fatores extrínsecos ao próprio homem, isto é, da má organização das classes na sociedade ou da falta de instrução.
Nos séc. XIX/XX o liberalismo generalizado, com suas múltiplas modalidades (em moral, religião, filosofia, política), não é senão a expressão variegada desse otimismo inspirado por reação contra a mentalidade cristã: pressupondo que o homem seja naturalmente bom, os contemporâneos não raro afirmam que o vício provem da ignorância e que, por conseguinte, «basta abrir escolas para poder fechar prisões»; um homem instruído seria um homem morigerado. Há quem atribua as quedas morais dos cidadãos à péssima gestão dos governos civis: «Reformai o Estado, dizem, extingui a opressão que desencadeia a revolta nos covardes; e tereis supresso toda desordem e criminalidade; dai liberdade aos instintos, e estes s6 produzirão frutos bons; o homem é um cordeiro que somente a escravidão consegue transformar em lobo; se desejais acabar com os ladrões, começai por demitir os guardas da policia; é a obsessão de estarem constrangidos a praticar o bem que leva os homens a cometer o mal. A fruta proibida é sempre a mais atraente; para que ela deixe de seduzir, basta que levantemos a respectiva proibição».
f) Completando o bosquejo histórico, notaremos agora que, ao lado do otimismo humanista do séc. XVI, Lutero († 1546) e seus discípulos deram expressão a concessões derrotistas concernentes á natureza humana; esta teria sido atingida em cheio pelo pecado dos primeiros pais, de sorte a ser, mesmo após a Redenção de Cristo, totalmente incapaz de praticar o bem; o homem por si seria servo da concupiscência e do pecado, de modo que só abusivamente se lhe pode atribuir a faculdade do livre arbítrio; vão seria pretender que o homem pratique obras boas e meritórias.
Nos séc. XVII/XVIII o Jansenismo acentuou esse pessimismo, apresentando, entre outras coisas, a humilde compunção do genuíno cristão como um temor doentio e sufocador.
Não se poderia deixar de notar que também esse pessimismo jansenita exerce sua influencia até nossos dias em pessoas para quem a Religião vem a ser motivo de tristeza e medo mórbidos.
Após este rápido esboço histórico, passemos à consideração da solução cristã dada ao problema das relações vigentes entre o corpo e a alma humana.
2. A solução cristã:
Sócrates, em um de seus colóquios filosóficos, ensinava a Alcebíades: «A alma é o homem» (cf. Platão, Alcebíades Primeiro 130c).
Pois bem; distanciando-se de qualquer concepção unilateral ou do espiritualismo exagerado, o cristão repete com São Tomaz de Aquino: «Anima... non est totus homo, et anima mea non est ego. - A alma não e o homem todo, e a minha alma não é o meu eu» (In 1 Cor 15,2).
A doutrina cristã, portanto, professa que o homem é essencialmente um composto de alma e corpo, alma e corpo que, segundo os desígnios do Criador, se unem em harmonia, de modo a se completarem mutuamente. A alma não atinge por si só a sua perfeição própria; haja vista, por exemplo, o seu modo de conhecer: qualquer raciocino, por mais abstrato que seja, se baseia em dados fornecidos pelos sentidos, de sorte que, se algum órgão da vida sensitiva (principalmente o cérebro) e lesado, a inteligência já não exerce normalmente is suas funções (tal e o caso dos chamados «doentes mentais»).
A ciência moderna se compraz em sublinhar a intima correspondência que existe entre a fisiologia (constituição do corpo) e a psicologia (manifestações da alma) da pessoa humana.
O famoso Dr. René Blot observa o seguinte:
«A natureza masculina e a natureza feminina diferem biologicamente em todas as suas manifestações fisiológicas. Não há uma só atividade vital que não esteja marcada pela masculinidade no varão ou pela feminilidade na mulher» (La nature féminine et le féminisme 6).
Aliás, tendo em vista a sexualidade, já S. Agostinho declarava: «Mulier mysterium. - A mulher é um mistério».
Tão íntima união entre o físico e o psíquico do homem acarreta importante conseqüência para o conceito de perfeição humana:
«A liberdade do homem não é a mesma que a de um espírito puro. Ela não consiste em que a alma só esteja tênuemente unida ao Corpo; nem a dignidade do homem implica em esforço para afrouxar a união da alma com o corpo, como se o ideal fosse simplesmente romper essa união. Não; tal ruptura seria diretamente a morte; não seria virtude. A virtude é virtude do homem todo: a alma do homem virtuoso não esta solta do corpo, mas ela o domina e dele faz seu instrumento para o bem» (R. Blot, Le corps et 1'âme 125).
Em conclusão: considerando a essência do homem em si ou na ordem ideal, o cristão professa otimismo; sabe que corpo e alma foram destinados pelo Criador a prestar complemento um ao outro em vista do pleno desabrochar da personalidade.
2. Passando agora para a ordem das realidades concretas, como elas existem neste mundo, o discípu1o de Cristo não pode deixar de temperar o seu otimismo.
E por quê?
Eis o que narra a fé cristã: Deus, que concebeu harmoniosamente a natureza humana, ao criar o primeiro casal (Adão e Eva), quis dotá-lo de dons que ultrapassavam as exigências dessa natureza humana - dons preternaturais e sobrenaturais (cf. «P.R.» 28/1960, qu. 2). Aconteceu, porém, que os primeiros pais, abusando do seu livre arbítrio, não aceitaram o desígnio divino, mas se afastaram de Deus. As conseqüências foram a perda dos dons gratuitos, característicos do estado inicial, e a ruptura da harmonia originária: tendo-se revoltado contra Deus, o espírito do homem experimenta a revolta da carne; e, conseqüentemente, em tomo do homem os seres inferiores (animais, vegetais, minerais) causam dano tanto à carne como ao espírito. o homem, na realidade histórica concreta em que nos achamos, já não e o que deveria ser conforme o seu exemplar ou ideal. Em outros termos: a natureza humana com que nos defrontamos aqui na terra, não é a entidade harmoniosa que descrevemos nos incisos anteriores, detendo-nos no plano abstrato ou especulativo; embora essa natureza humana se conserve substancialmente boa, ela está vulnerada por múltiplas tendências desordenadas.
3. Sendo assim, compreende-se que a genuína atitude do cristão perante o humano não possa ser a de um otimismo irrestrito (otimismo que levaria a afirmar como bons todos os movimentos da carne e do espírito), nem também a de um pessimismo que tenha a matéria na conta de criatura essencialmente má e destinada a ser destruída. Entre um e outro extremo, o Evangelho ensina que o corpo deve ser reconduzido à sujeição que naturalmente lhe compete em relação a alma e a Deus. Este programa se resume também na fórmula: purificação da natureza humana e de seus instintos, não, porem, extinção ou aniquilamento da mesma.
O cristão, portanto, e chamado a praticar o combate à natureza, não para chegar a um estado de apatia total ou de extinção de todos os (afetos alegria, tristeza, medo, audácia...) da natureza (tal era o ideal do estóico pagão, ideal que não levava em conta a colaboração que o corpo deve prestar a alma humana),
mas para chegar ao que se chama a metriopatia, ou seja, a disciplina dos afetos e paixões tal que permita ao espírito usufruir, sem detrimento algum para si, dos serviços do corpo. Este terá que dar tudo que tem de bom, sem jamais tomar a dianteira sobre o espírito.
Os autores de espiritualidade costumam atribuir papel muito importante na vida sobrenatural as paixões ou aos afetos devidamente controlados. o ideal do cristão não é um ideal linfático (aguado ou facilmente acomodatício); ao contrário para realizar as obras de Deus, requerem-se paixões fortes, oportunamente suscitadas e controladas pelo sujeito (por «paixões» entendem-se aqui os movimentos em que corpo e alma se empenham na conquista de um bem).
Verifica-se mesmo que todos os santos foram profundamente apaixonados ou os grandes «apaixonados» do seu século. Não há dúvida, eles nunca teriam realizado as grandes obras que despertam a admiração dos pósteros, se não tivessem sido movidos por dose de amor e entusiasmo pouco comum. A realização da vida cristã exige adesão decidida e enérgica aos bens invisíveis, adesão que, em melo aos obstáculos suscitados pelo mundo visível, não pode ser sustentada senão mediante a mobilização de todas as qualidades que o corpo e a alma ofereçam para tal fim.
Em resumo, pois: a sabedoria crista consiste em excitar os afetos da natureza (coragem, temor, alegria, tristeza, audácia...) na ocasião oportuna e dentro dos limites convenientes, de modo que cada um dos seus afetos preencha devidamente o seu papel sem excesso nem desvio.
4. As considerações acima projetam luz ainda sobre outro aspecto do nosso problema. Costuma-se citar freqüentemente um adágio que se toma por vezes ocasião de mal--entendidos: «A graça não destrói a natureza, mas supõe-na e aperfeiçoa-a» (cf. S. Tomaz, Suma Teológica I q. 1, a. 8 ad 2).
Este axioma só poderá ser retamente avaliado mediante uma distinção:
a) A graça (a ordem sobrenatural) não destrói, mas supõe a natureza... no plano ontológico ou na linha das essências. - Sim. A ordem sobrenatural ou a vida cristã não é dada ao homem como algo de descontínuo com a natureza humana. Ao contrário, os dons sobrenaturais foram concebidos pelo Criador como coroa ou cúpula das facu1dades (inteligência, vontade, sensibilidade com seus afetos) da natureza racional; cf. «P.R.» 28/196o, qu. 2 (pág. 137).
b) Descendo agora do plano abstrato para a ordem concreta, real, já não se pode dizer que «a graça simplesmente supõe a natureza e a aperfeiçoa». Há, sim, na vida prática, não raros conflitos entre as tendências da natureza e as aspirações da graça ou aspirações sobrenaturais. Quem dissesse «Sim» a tudo que a natureza sugere e apetece, destruiria a graça recebida no batismo e nunca chegaria a perfeição cristã. A razão de tais conflitos já foi indicada: a natureza humana, na realidade histórica, não se conservou tal como no plano especulativo foi concebida pelo seu Autor; não nos e possível, por conseguinte, transpor para a ordem existente concreta todo o otimismo que concebemos ao considerar o homem em si mesmo ou abstratamente.
5. Os princípios que acabamos de expor, também nos permitem avaliar certo ideal de santidade que, inspirado pela mentalidade de nossos tempos, se vai propagando como se fosse a autêntica mensagem do Cristianismo para os nossos dias.
Com efeito; em 1946 realizou-se na França um inquérito intitulado «Vers quel type de sainteté allons-nous? - Para que tipo de santidade caminhamos?».
Ora uma das respostas que, pode-se dizer, resumia exatamente as demais, era assim concebida:
«Associar a mais elevada vida espiritual com todos os prazeres humanos, excetuado apenas o pecado; tal parece ser o ideal» («Vie Spirituelle» n.º 304, fev. de 1946, 238).
Esta afirmação categórica reaparece sob formas equivalentes em outros testemunhos. o seguinte provém de uma Diretora de hospital:
«A consciência do pecado instalado em nós e da nossa miséria moral é assaz rara. A espiritualidade atual... não se preocupa muito com a necessidade da expiação. A idéia de que somos 'pobres pecadores', como professamos na 'Ave Maria’, não penetra muito a fundo na psicologia religiosa atual. Facilmente os homens julgam que poderiam, sim, ter procedido melhor, mas que, em todo caso, o que eles realizaram já é satisfat6rlo. Esta atitude é corroborada pela tendência jurídica da nossa mentalidade latina, que tem o pecado na conta de transgressão da lei, considerada em parte como um código; ora, pensam muitos, enquanto alguém não infringe uma cláusula do código, nada ha. que lhe censurar; tal pessoa é justa» (Ibd. 241).
Uma assistente social, por sua vez, escrevia:
«Meu ideal de santidade? - É o de uma celibatária... capaz de ser pioneira da cultura e do movimento social moderno. Eu a quisera ver muito elegante, capaz de lançar a moda, não apenas de a seguir - o que é meio de influência muito importante. Que os autênticos cristãos deixem de estar no 'reboque’ e tomem finalmente o lugar que sempre deveriam ter ocupado à frente de todas as iniciativas espirituais, intelectuais e sociais» (Ibd. 239).
Um membro da Ação Católica assim se exprimia:
«Nossa espiritualidade equivale a um humanismo cristão. A tendência mais acentuada, principalmente nos jovens, visa uma liberdade total, que significa desabrochar em todos os sentidos. Os homens praticam, sem duvida, a renuncia imposta pela necessidade, como seria a perda da saúde ou de um noivo mas a luta do individuo contra si mesmo, a procura da mortificação contam poucos adeptos; são coisas que quase escandalizariam. Por que não gozarmos de tudo que Deus coloca a nossa disposição? Procurar a cruz para nos assemelharmos a Nosso Senhor... não entra nas perspectivas da espiritualidade contemporânea. Não são compreendidas, são, antes, severamente julgadas, certas renúncias excepcionais, como a de deixarmos que nos atribuam injustamente alguma falha sem que nos desculpemos, a fim de sermos mais semelhantes a Cristo crucificado» (Ibd. 233).
Uma jicista (membro da «Juventude Independente Católica»), por fim, preconizava:
«Os santos de amanhã serão menos penitentes; serão muito mais os reis da criação» (Ibd. 232).
Perguntamo-nos agora: como julgar tais concepções, aparentemente tão apropriadas para captar a simpatia do homem moderno e trazê-lo a Cristo?
Sem negar o que possa haver de magnânimo nessas fórmulas, não recearemos dizer que são perigosas e, na prática, inexeqüíveis. Sim; quem considera com otimismo irrestrito a natureza humana, sem se preocupar com mortificação, arrisca-se a ver-se suplantado pelas ciladas da carne. Quem se entrega ao prazer lícito, intencionando recuar diante dos deleites pecaminosos (e somente diante deles), dificilmente deixará de cair neles; arrastado pela natureza, tal indivíduo se renderá tanto ao que é licito como ao que é ilícito.
É por isto que não se pode dar razão aos que interrogam: «Que mal há em usufruir dos bens que Deus criou?» - Suposto (como se entende) que esses bens não sejam em si pecaminosos, o gozo irrestrito dos mesmos debilita a resistência da personalidade, que, vulnerada pelo pecado original, tende não somente a usar mas também a abusar... Por conseguinte, para conquistar firmeza na virtude, o cristão tem inevitavelmente que se abster em certo grau até mesmo dos bens lícitos (esse grau será mais ou menos intenso, conforme as tendências próprias da natureza de cada um). Qualquer que seja a época em que viva o cristão (mesmo em meio ao libertinismo do séc. XX), ele jamais se poderá adaptar a mentalidade contemporânea de sorte a esquecer o pecado original e as tristes conseqüências que acarretou para a natureza humana.
Está claro, isto não quer dizer que o cristão se deva tomar um tipo desambientado ou um quisto na comunidade; não. «Um santo triste é um triste santo», reza a máxima tradicional. O justo, portanto, saberá utilizar, em toda a medida do possível, Os valores tanto da família como da sociedade; saberá dar4hes sentido sobrenatural, sem, porém, esquecer que em tudo é necessário observar uma certa cautela ou «virgindade», a fim de que a natureza não tome a dianteira sobre a graça:
«Digo-vos, irmãos:... os que se alegram, sejam como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; os que usam deste mundo, como se não usassem, porque passa a figura deste mundo» (1Cor 7,29-31).
Assim fazendo, o cristão será, sem dúvida, o homem sempre ambientado e atual; será «o sal da terra e a luz do mundo» (cf. Mt 5, 13s).
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Castidade; celibato
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 319/1988) Apresentamos, a seguir, o artigo do Exmo. Sr. D. Manoel Pedro da Cunha Cintra, Bispo Emérito de Petrópolis, a quem PR muito agradece a valiosa colaboração:
O CELIBATO É CONTRA A LEI NATURAL?
por: D. Manoel Cintra
Não; de maneira nenhuma.
Porque a lei natural não obriga cada pessoa a contrair casamento. Obrigaria sim, se o casamento de cada pessoa fosse necessário para a propagação do gênero humano. Tal, porém, não acontece. A perpetuação da espécie humana, através dos tempos, se obtém normalmente, sem dificuldade, bastando que a obrigação do casamento recaia sobre toda a coletividade e não sobre cada um de seus membros.
Santo Tomás o explica, com meridiana clareza. Na sua "Suma Teológica" (2a. 2a., q. 152 a. 2º) mostra como a virgindade, ou castidade perpétua, não é proibida pela lei natural. Ele esclarece, de acordo com a sã filosofia, como é preciso entender que os preceitos da lei natural não atingem do mesmo modo toda a comunidade e cada indivíduo.
Imprescindível essa distinção entre comunidade e indivíduo. Ao responder a objeção de que "assim como pecaria quem se abstivesse de toda comida, por agir contra o seu bem individual; de igual modo também peca quem se abstém completamente do ato de geração, porque está agindo con­tra o bem da espécie", o Aquinate escreve:
"De dois modos podemos estar sujeitos a um dever. Primeiro, como tendo a obrigação de cumpri-la individualmente, e então não o podemos omitir sem pecado. Mas outro é o dever que a multidão deve cumprir, e ao qual não está obrigado, em particular, nenhum membro dela, pois há muitas coisas necessárias à multidão que um só não pode realizar, mas que o pode ela, porque um dos seus membros realiza isto e outro aquilo.
Ora, o preceito de comer, que a lei natural impõe ao homem há de necessariamente ser cumprido por cada um; do contrário, ninguém poderia viver. Mas a preceito da geração diz respeito a toda a multidão dos homens, a qual é necessária não só a multiplicação corporal, mas também o progresso espiritual. Por aí se vê que a multidão humana fica suficientemente provida se vários dos seus membros se derem à obra da geração carnal, enquanto outros, dela se abstendo, se entreguem a contemplação das coisas divinas, para honra e salvação de todo o gênero humano".
Esta distinção apresentada por Santo Tomás esclarece igualmente outros aspectos dos preceitos da lei natural. Por exemplo, o da propriedade privada, que é necessária para haver liberdade na sociedade, mas de que cada indivíduo se pode privar espontaneamente (e aí está a liberdade, por motivos superiores, como no voto religioso de pobreza. Diga-se o mesmo quanto ao voto de obediência: quem a faz, usa de sua liberdade para aceitar, por amor de Deus, a vontade divina manifestada pelos Superiores, em lugar da própria vontade.
Em se tratando do celibato eclesiástico, é preciso notar que ele existe na Igreja precisamente pela livre determinação de cada levita, antes de receber as Ordens Sacras. A Igreja jamais obriga alguém a viver em celibato senão em conseqüência dessa prévia e pessoal decisão. Mas também ninguém a pode obrigar a promover às Ordens Sacras quem prefere constituir família. Assim ela aceita o compromisso, amadurecido e responsável, de cada candidato que resolve sacrificar o direito natural de se casar, para entregar-se totalmente ao serviço de Deus.
Como é fácil de se entender, esse compromisso é extraordinariamente grave, como o tem acentuado muitas vezes o Santo Padre, a Papa. Muito grave, não só pelo direito natural ao possível casamento, direito ao qual o sacerdote renuncia, como também pelo bem comum da Igreja, que o acolhe, na Ordenação Sacerdotal, e que tem em vista a comunidade crista; a cujo proveito espiritual o levita se consagra "com coração indiviso", no dizer da Presbyterorum Ordinis, n.º 16, do Concílio Vaticano II.
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Sexta-feira, 23 de Março de 2007

Castidade: castidade: que é?
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 332/1990

Em síntese: O folheto O Domingo de 2/7/89 publicou um artiguete sobre a castidade, que causou espécie. Apresentando-a como a imitação de Deus, que nada possui, mas entregou tudo ao homem, dá a entender que tudo é lícito em matéria de relações sexuais, desde que uma pessoa não queira possuir a outra. - Ora tal concepção é errônea a vários títulos: 1) Deus tudo possui, nem pode deixar de possuir, pois, por definição, é o Criador e o Senhor de tudo; 2) o amor verdadeiro é o de benevolência, que sabe respeitar a próximo, sem se servir dos semelhantes. As páginas que se seguem, propõem outrossim a autêntica noção de castidade como sendo a continência (para pessoas solteiras) ou o reto uso das funções sexuais (para pessoas casadas).
***
Em tempos recentes, foi publicado, em folheto de grande circulação, um artigo sobre a castidade, que causou surpresa... O autor reduzia a castidade a não possuir,... não possuir o outro. Feita esta ressalva, parecia ensinar que "tudo vale a pena, se a alma não é pequena" (Fernando Pessoa) ou, apoiando-se em S. Agostinho: "Ama e faze o que quiseres". Em conseqüência, não haveria mais normas nem reservas para o uso da sexualidade, desde que o indivíduo faça como Deus fez: Ele não quis guardar nada para si: "Criou tudo e entregou tudo à humanidade". Entregou até o seu próprio Filho... "Assim Deus é a castidade absoluta":
"Deus não possui nada, porque deu tudo. Castidade é essa pureza de ser puro dom, entrega, presente. Deus criou o universo inteiro, e não ficou com nada para si. Tomou-se pobre. Não bastasse isso, deu-se a si mesmo. Se ele, Deus, fez isso, a que nós, sua imagem e semelhança, somos convidados a fazer? Darmo-nos também. Aprender que as flores não precisam ser apanhadas no jardim. Elas já estão se dando" (Ivo Storniolo, O Domingo de 2/789).
Estes dizeres sugerem algumas observações..
1. Considerações gerais
Antes do mais, devemos notar que os dizeres atrás transcritos realizam um jogo de palavras vazias ou uma vã dialética, pois na verdade Deus tudo possui; é o Criador e o Senhor de todas as coisas e pessoas. Certamente Ele dá, e dá divinamente, mas sem perder o senhorio que Deus (por ser Deus mesmo) não pode perder. Disto se depreende quanto é precária a argumentação do articulista. - Passemos agora a particulares.
Não respondemos por Fernando Pessoa, mas, a respeito de S. Agostinho, devemos afirmar que entendeu o amor que tudo legitima, como amor a Deus e adesão incondicional ao plano do Senhor; ora é claro que a pessoa que assim ama, não se entregará a desmandos, mas praticará o autodomínio e o controle de suas paixões, pois Deus quer que as criaturas subordinem seus afetos a sã razão e à fé, sem se entregar ao libertinismo. Quem ama a Deus, ama o próximo respeitando as leis do Criador.
Está claro que "possuir alguém" no sentido de "dominar outra pessoa e manipulá-la" é um grande mal (que Deus não comete), mas isto não basta para constituir a castidade. Esta é algo de grande e nobre, que descreveremos mais adiante.
Óbvio também que "dar-se a outrem" é muito belo; Deus nos apresentou o exemplo deste gesto. Mas há diversas maneiras de dar-se: existe, sim, o dar-se em agápe (amor benevolente, não cobiçoso, não interesseiro), como Deus se deu a nós, em total gratuidade. E existe o dar-se em eros ou em amor cobiçoso, interesseiro e manipulador - coisa que Deus não faz. Por conseguinte, não é suficiente dizer que devemos dar-nos; esta locução é ambígua, pois os prostitutos e as prostitutas se oferecem ou se dão, contrariando a Lei de Deus. Vê-se, pois, como a palavra "amor", hoje tão freqüentemente utilizada, pode ser ilusória: não raro significa o amor egoísta, aproveitador, meramente instintivo, e não o amor cristão, que é "querer construir o outro", em vez de "querer o outro construído".
Examinemos agora
2. O sentido da castidade
Chama-se castidade o reto uso das funções sexuais. Estas existem no ser humano, por desígnio do Criador, a fim de proporcionar ao homem e a mulher complementação mútua, da qual a prole é muitas vezes a expressão natural.
O Senhor Deus quis anexar às funções da natureza um prazer, que tem o papel de estimular o exercício das mesmas. Assim à alimentação, indispensável para a conservação do indivíduo, se liga um atrativo espontâneo. Também a vida sexual, necessária para a conservação da espécie, é incentivada por um prazer anexo. Tal prazer, porém, é um concomitante, e não a finalidade das funções naturais. Acontece, porém, muitas vezes que o indivíduo procure apenas o prazer, com exclusão da finalidade do mesmo - o que pode redundar em degradação da pessoa humana; tal a o caso de quem come só pelo prazer de comer, e também o de quem recorre à sexualidade apenas pelo prazer erótico. Quem se entrega a tal prática, facilmente se torna escravo de paixões violentas, que humilham a pessoa; as paixões fazem capitular a razão. Recorda S. Agostinho, falando ao Senhor: "Adolescente muito miserável, sim, miserável no limiar mesmo da adolescência, eu Vos pedira a castidade. Dissera: 'Dai-me a castidade, a continência, mas não ma deis de imediato'. Sim; eu receava que, se me atendêsseis logo, me curaríeis dessa doença da concupiscência, que, em última instância, eu queria alimentar mais do que dominar" (Confissões VIII 7). Depois de certo tempo, as paixões enojam o indivíduo, sem que veja como libertar-se de tal situação. É São Tiago quem diz: "Cada qual é tentado pela própria concupiscência, que o arrasta e seduz" (Tg 1,14).
A castidade não é a primeira das virtudes; a primeira, a que está na base da vida cristã é a fé. A consumação desta é a caridade, que São Paulo chama "o vínculo da perfeição" (Cl 3, 14). A castidade, porém, suscita o clima necessário para que estas duas virtudes desabrochem e, com elas, as demais. Isto é evidente no que concerne a fé: muitas vezes os afetos desregrados prejudicam o modo de pensar da pessoa; diz muito sabiamente o ditado popular: "Quem não vive como pensa, acaba pensando como vive"; S. Agostinho observa que, enquanto cedia às paixões, não conseguia encontrar a verdade (Confissões X 41). Também a caridade (o amor) se ressente da falta de castidade, pois o homem carnal se torna egoísta, manipulador, fechado aos interesses alheios. A vida casta é bela, pois permite a manifestação do específico humano, ou seja, permite a elevação das funções vegetativas e sensitivas ao piano espiritual; sem ser sufocadas, tais funções entram na construção de alguém que foi feito a imagem e semelhança de Deus.
3. Graus de castidade
Distinguem-se diversos graus e modalidades de vida casta: a pré-matrimonial, a matrimonial, a consagrada a Deus e a pós-matrimonial.
1) A castidade pré-matrimonial consiste na abstenção do uso do sexo. Verdade é que o indivíduo durante a vida inteira é marcado pelas características masculinas ou femininas do seu sexo (timbre da voz tipo de pele, de mãos...), das quais ele não só pode isentar; mas nem por isto está obrigado ao exercício da sexualidade, que se chama "a genitalidade". Sem dúvida, há quem julgue que este é obrigatório desde que desperte o apetite sensual no adolescente; tal concepção é falsa; ao contrário, está comprovado que a continência pré-matrimonial é fator de saúde e penhor de fidelidade e felicidade no casamento. Para conseguir viver a castidade pré-matrimonial, o jovem há do estabelecer a hierarquia dos valores, não só deixando levar pela errônea concepção de que a castidade é um imperativo inexorável; convença-se do contrário, e terá êxito, pois a mais poderosa "glândula sexual" do homem é o cérebro, com o qual pensamos e com o qual concebemos imagens e fantasias. A vitória sobre as paixões desregradas requer também o treinamento da vontade, que deve ser bastante forte para dizer Sim e dizer Não quando o bom senso o exija. A propósito muito se recomenda o livro de João Mohana: Vida Sexual dos Solteiros e Casados, Ed. O GLOBO, Porto Alegre - Rio de Janeiro.
2) A castidade matrimonial consiste em que os cônjuges pratiquem a genitalidade em respeito mutuo, sem concessão a afetos desordenados, e em conformidade com as leis da natureza. Em conseqüência, o sexo oral, o sexo anal e o homossexualismo, por serem aberrações que ferem a natureza, são rejeitados pela Lei de Deus. Todavia não é vedado aos esposos desejosos do evitar filhos manter relações sexuais quando a própria natureza é estéril; nisto não há derrogação às normas do Criador, que propiciam periodicamente ao organismo feminino um repouso necessário à saúde.
3) A castidade consagrada, nos casos femininos, é chamada virgindade consagrada (embora possa existir após a perda, voluntária ou involuntária, da virgindade física). Nos casos masculinos, é o celibato. Consiste na entrega do todo o ser humano com seus afetos diretamente ao Senhor e ao serviço do seu Reino. Corresponde a uma vocação especial e supõe um dom próprio do Senhor (cf. 1Cor 7,7); não implica menosprezo do matrimônio, que é santificado por um sacramento, mas, de certo modo, vem a ser baliza ou referencial para todos os cristãos, pois todos, direta ou indiretamente, são chamados a se consagrar ao Senhor e aos interesses do seu Reino.
4) A castidade pós-matrimonial ou da viuvez também é bela; tem seu protótipo na figura bíblica de Judite, a viúva fiel ao Senhor, que salvou seu povo, munida do um dom especial. São Paulo, em suas epístolas pastorais, atribui às viúvas na Igreja funções próprias, correspondentes a sua experiência de vida (cf. 1Tm 5,3-16).
Conclusão
A castidade é preciosa especialmente em nossos dias, quando muitas pessoas, impelidas pelo erotismo, se tornam vítimas do vazio e da frustração, e não vêem mais sentido para a sua vida; as drogas e o suicídio as ameaçam. A prática da castidade é um sinal que chama a atenção, pois mostra que alguém pode ser plenamente feliz e realizado atendendo a outros apelos que não os das paixões desregradas; manifestam-se assim outros valores que o Senhor Jesus apregoou e o Apóstolo São Paulo explanou muito enfaticamente (cf. Mt 19, 12; 1Cor 7, 25-35). É em Deus e na fidelidade incondicional aos seus desígnios que a criatura encontra a sua consumação.
Para poder viver a castidade, recomendam-se três elementos muito importantes: 1) a educação da vontade (como dito atrás), sem a qual ninguém atinge meta alguma; é ilusório crer que, dizendo Sim a todos os impulsos, alguém possa conseguir felicidade e auto-realização; 2) o pudor, que é o respeito pelo corpo, templo de Deus; é também a delicadeza de ânimo, que reconhece o sentido transcendental das funções que o homem tem em comum com os outros viventes na terra; 3) a oração, fonte de força e nobreza de ideal para todos os homens; nunca pode faltar na vida de um cristão, pois é a alavanca que o ajuda a sair de toda fossa e encruzilhada e lhe comunica o indizível sabor da presença de Deus, muito mais atraente do que qualquer outro.
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Castidade: antropologia do prazer
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 315/1988)por Hubert Lepargneur

Em síntese: O Pe. Lepargneur percorre algumas escolas que se manifes­taram sobre o sentido do prazer, desde a antigüidade até os nossos dias. De­tém-se longamente sobre o pensamento católico, que ele critica por ter sido, durante séculos, pessimista em relação ao prazer (conforme Lepargneur). Conclui insinuando que a doutrina da Igreja e a estima do prazer se vão aproximando mutuamente nos últimos tempos. Contudo o livro é, por ve­zes, obscuro; não apresenta uma tese claramente definida.
Na verdade, a Igreja distingue entre o prazer sensível (ou mesmo sen­sual) e o prazer espiritual. Este é parte integrante da formação de uma perso­nalidade e da vocação que o Criador deu a todo ser humano; este foi feito para a vida (cf. Sb 2,23s). - Quanto ao prazer sensível, não é mau, desde que subordinado a uma finalidade ulterior, - o prazer pelo prazer redunda em hedonismo total, que nunca satisfaz ao homem e, deixando-o insaciado, pode suscitar o uso de drogas (fuga da realidade) e a conseqüente criminalidade. O homem há de se reger não pelo “princípio do prazer", mas pelo da auto-realização ou perfeição, que inclui necessariamente certas renúncias e privações, indispensáveis para que a pessoa cresça harmoniosamente e des­cubra cada vez mais a verdadeira alegria.
***
Após escrever a "Antropologia do Sofrimento" (cf. PR 289/1986, pp. 252-261), o Pe. Hubert Lepargneur escreveu a "Antropologia do Prazer",[1] livro que suscita problemas, deixando o leitor sujeito a interrogações. Na verdade, o assunto está muito em foco na filosofia contemporânea, especial­mente por causa da "revolução sexual", que irrompeu nos últimos decênios. Eis a razão pela qual abordaremos o conteúdo do livro e lhe teceremos alguns comentários.
1. Linhas principais do livro
1.1. Que diz o autor?
O Pe. Lepargneur apresenta a posição de vários pensadores e escolas em relação ao prazer e ao desejo (desejo que se deve entender como "desejo sensível" ou "da sensibilidade" no contexto do livro): os estóicos, os antigos escritores da Igreja, a teologia medieval, Lutero e os reformadores do século XVI, a Psicanálise moderna, o Estruturalismo de Michel Foucault... são pas­sados em revista. É enfatizada, de modo especial, a severidade com que os mestres cristãos dos primeiros séculos consideraram o uso da genitalidade mesmo entre cônjuges. À p. 27 Lepargneur propõe evolução das idéias no campo católico:
"Simplificando muito, vamos distinguir três fases: uma primeira domi­nada pelo pessimismo e a grande figura de Santo Agostinho; uma segunda, que principia com a voz mais otimista de São Tomás de Aquino, mas que nunca se impôs completamente neste particular, na prática eclesial, e que vira mais nitidamente ao pessimismo entre o século XIV (Guilherme de Occam) e o II Concílio do Vaticano (década de 1960); a fase atual, a partir dos meados do século XX, caracteriza-se pela contestação, a indecisão, os conflitos de consciência e de costumes, as releituras, os cortes epistemológi­cos, isto é, nos motiva a rever de perto os problemas" (pp. 27s).
Para apoiar suas afirmações, H. Lepargneur se refere a livros de histó­ria ou a autores "de segunda mão", nem sempre católicos, que ele cita com certa freqüência como pontos de apoio de seus dizeres: M.-O. Métral (p. 27), Georges Duby (pp. 27ss), J. Nooman (pp.34-36), L. Flandrin (p.37), Jacques Doyon (p. 33), J.-M. -Pohier (p. 115, autor cujas posições liberais foram censuradas pelo magistério da Igreja), G. W. Forell (p. 117, protestan­te). Melhor teria sido que Lepargneur recorresse menos aos julgamentos pro­feridos por tais autores, não raro unilaterais; poderia ter sido mais indepen­dente no seu modo de analisar o passado. Leva em conta muito mais os traços negativos do que os positivos de maneira um tanto preconcebida; nem parece interessado em entender os antigos dentro do seu respectivo contexto.
Quem acaba de ler o livro em foco, não percebe claramente o que o autor quer dizer ou qual a tese final da sua obra: certamente mostra não seguir a orientação de S. Gregário de Nissa (+394), S. Agostinho (+430), S. Cesário de Arles (+542), S. Gregório Magno (+604). Mas também não mani­festa a sua posição diante da questão: o prazer, como prazer, é lícito ao cris­tão?... ao ser humano digno e honesto? - O leitor se vê interpelado por grande número de sentenças de filósofos, teólogos, psicólogos (nem sempre expostas com clareza; ver pp. 38,40); encontra também críticas á doutrina católica e a outras escolas..., mas em vão procuraria saber para onde caminha o pensamento do autor. Eis os parágrafos finais do livro:
'Por enquanto, seguimos o conselho que deu, há mais de um decênio, o psicanalista Jean Bergeret, já que concordamos sobre a relevância atual de suas observações: 'Seria desejável que a psiquiatria, a filosofia e a teologia in­terrogassem ainda mais a psicanálise com vistas a esclarecer, no quadro de cada individualidade, uma melhor elaboração estruturante do prazer, sem impor, através de interditos ou idéias tão rígidos quanto infundados, regras ou códigos éticos demais rígidos e irrealistas. Sendo essencialmente variá­veis os graus de maturação..., os modelos éticos só podem se conceber como tão especificamente personalizados quanto os modelos hedônicos'. E ainda esta assertiva final do mesmo artigo de J. Bergeret: 'Que caminho sobra para os teólogos percorrerem, não apenas nas relações de troca de informa­ções com os outros pesquisadores, mas sobretudo no interior deles mesmos, para tentar ir ainda mais longe?'
Prazer, fim ou combustível do desejo? Esta e outras perguntas, nunca totalmente respondidas, não significam para nós qualquer indevida relativi­zação da moral. Duas imagens, para finalizar. 'Gosto muito de Yacatan, o país dos Mayas: aí vivi três dias de felicidade, nas choças dos camponeses, os únicos três dias de felicidade de minha vida.' Quem fez esta recente decla­ração? O maior romancista contemporâneo da Itália. Sic transit gloria mundi.‘Sobre a tela de Molenaer de Haarlem (começo do século XVIII), vê-se uma jovem senhora sendo penteada por uma velha servidora diante dum garoto que brinca: o pé da senhora repousa sobre uma caveira, o garoto faz borbu­lhas de sabão'.[2] 'E ninguém vos tirará a vossa alegria' (Jo 16,22)" (pp. 184s).
1.2. A Igreja no livro
No tocante à Igreja Católica, o autor nem sempre é fiel e reverente porta-voz: julga que, "como a URSS, a Igreja romana é uma gerontocracia inevitavelmente conservadora" (p. 42). Estes dizeres comparam indevida­mente Igreja (Corpo de Cristo Místico) e URSS (Estado ateu e materialista); além do quê, pecam por insinuar que a fidelidade ao passado é própria dos velhos, ao passo que a juventude seria tipicamente inovadora. Ora a Igreja, ao professar o seu Credo, não se pode reger por critérios meramente huma­nos ou pela evolução de culturas e mentalidades; ela tem que ser o eco vivo da Palavra de Deus, que por vezes "é loucura e escândalo" (1 Cor 1,23).
À p. 42 ainda, o autor escreve: "De 1909 a 1940 o Tribunal da Rota anulou 40 casamentos por exclusão do bem da prole". - Ora um erudito pensador como H. Lepargneur bem sabe que a Igreja não anula (não torna nulo o casamento válido), mas declara nulos os casamentos que sempre fo­ram nulos, mas pareciam válidos no foro externo.
À p. 75, Lepargneur apresenta uma versão da doutrina do pecado original que é caricatura, apoiando-se para tanto nos escritos de J.-M. Pohier. - É de crer que Lepargneur, como antigo professor de Teologia, te­nha consciência de que a versão assim apresentada e criticada não correspon­de ao que a Igreja ensina.[3]
Além do mais, o autor se refere freqüentemente à "Igreja romana", teminologia esta pouco usual na bibliografia católica e costumeira em livros de não-católicos; cf. pp. 112.115.117.179... A única Igreja fundada por Cristo (cf. Mt 16,16-19; Jo 21,15-17) é católica (= universal), apóstolica (= fundada sobre e por Cristo, mediante os Apóstolos) e romana, porque Pe­dro, o chefe dos Apóstolos e seus sucessores tiveram e têm sede em Roma.
O livro de Lepargneur, assim sumariamente apresentado, sugere
2. Reflexões
A guisa de comentários da obra, proporemos quatro pontos:
2.1. Prazer sensível e prazer espiritual
Para dissertar com clareza sobre o tema "prazer", é indispensável dis­tinguir "prazer sensível" e "prazer espiritual".
Prazer sensível é o que toca à sensibilidade, aos sentidos externos e in­ternos do ser humano, podendo tornar-se sensual (erótico, lúbrico, lascivo). Prazer espiritual é o que tem sede no plano espiritual; é motivado por valo­res espirituais ou transcendentais (Deus, a união com Deus, a perspectiva da bem-aventurança definitiva, etc.).
2.1.1. Prazer espiritual
O prazer ou gozo espiritual paira no horizonte dos fiéis como grande dom de Deus, Pode-se dizer que todo homem foi feito e chamado para usu­fruir de tal prazer. Assim diz o Senhor no Evangelho ao servo fiel: "Entra na alegria do teu Senhor" (Mt 25,12-23). O Apocalipse, em seus dois últimos capítulos (21 e 22), apresenta as núpcias do Cordeiro com a Igreja como ponto final de toda a história da salvação. Esta implica a fruição "daquilo que o olho não viu, o ouvido não ouviu, o coração do homem jamais perce­beu" (1Cor 2,9).
Na vida presente a alegria espiritual resulta da união com o Senhor ou da fidelidade à vontade de Deus; vem a ser tanto mais significativa quanto mais generoso for o cristão em sua resposta a Deus. É o antegozo da bem-aventurança celeste, que muitos amigos de Deus experimentaram no decorrer da sua peregrinação terrestre. Situado no plano espiritual, este prazer é com­patível com a tribulação no plano corporal, como atesta São Paulo: prisio­neiro em Roma, o Apóstolo escreveu a carta aos Filipenses, que é um convi­te à alegria (cf. 2,2; 4,4.10). Aos coríntios declara o Apóstolo: "Estou cheio de consolo; transbordo de alegria em toda a minha tribulação” (7,4). Aos Romanos: “Nós nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a perseverança, a perseverança uma virtude comprovada'' (5,3s).
Por isto o cristão exercita a alegria como virtude e como dom do Espí­rito Santo (cf. Gl 5,22), a ponto de se dizer que “um santo triste é um triste santo”. Uma das expressões de tal alegria, entre outras, é o cultivo do teatro religioso, dos autos paralitúrgicos, dos jogos, das festas de família nos âm­bitos católicos desde a Idade Média até os nossos dias (coisa que Lepargneur reconhece à p. 64). - Donde se vê que o prazer espiritual não “destrona Deus nem faz de Deus um meio para fins humanos”, como afirma Lepagneur, citando o autor protestante G.W. Forell (pp. 125s). De resto, são insepará­veis um do outro o amor de Deus e o gozo pessoal do cristão que ama; dan­do glória a Deus, o cristão não se aniquila, mas, ao contrário, se auto-realiza.
2.1.2. Prazer sensível
O prazer sensível ou decorrente da vida sensitiva não é mau em si. O Cristianismo não é dualista, ou seja, não ensina que só o espírito é bom e a carne é má; ele sabe, ao contrário, que carne e espírito no plano ontológico são criaturas do único Deus, que as fez para se completarem mutuamente. - Acontece, porém, que no plano ético as tendências da carne não raro se antecipam ao ditame da razão e o sobrepujam. Já São Paulo reconhecia: “O querer o bem está ao meu alcance, não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas cometo o mal que não quero” (Em 7,18s). E aos Gálatas: “A carne tem aspirações contrárias ao espírito, e o espírito con­trárias à carne” (GI 5,171).
Disto se segue que a indiscriminada satisfação dos desejos sensíveis do homem alimenta paixões que ameaçam sufocar os anseios do espírito; estes afetos podem tornar-se veementes a ponto mesmo de desfigurar a personali­dade humana (cf. 1Cor 6,9-11).
Os antigos tinham viva consciência do ardor dos impulsos da carne. Daí a severidade com que consideravam todas as concessões feitas à natureza sensível. Muito estimavam a ascese sistemática, à qual exorta o próprio Apóstolo:
“Não sabeis que aqueles que correm no estádio, correm todos, mas um só ganha o prêmio? Correi, portanto, de maneira a consegui-lo. Os atletas se abstêm de tudo; eles, para ganhar uma coroa perecível; nós, porém, para ganhar uma coroa imperecível. Quanto a mim, é assim que corro, não ao in­certo; é assim que pratico o pugilato, mas não como quem fere o ar. Trato duramente o meu corpo e reduzo-o à servidão, a fim de que não aconteça que, tendo proclamado a mensagem aos outros, venha eu mesmo a ser repro­vado” (1 Cor 9,24-27).
Visto que na cópula sexual os impulsos naturais são excitados ao máximo para se obter a finalidade do respectivo ato, vários mestres cristãos antigos e medievais recomendavam aos cônjuges extrema cautela a fim de não caírem em atitudes meramente sensuais ou contrárias a dignidade racional do ser humano. São estas recomendações que muitos historiadores citam e criticam, escarnecendo a mentalidade dos antigos. A propósito observamos:
A excessiva prudência da parte de escritores antigos não significa que condenassem o matrimônio. Já São Paulo se insurgia contra aqueles que proibiam o casamento (lTm 4,3) e recomendava as núpcias a quem tivesse vocação matrimonial (cf. L Tm 5,14; 1Cor 7,9); descreveu mesmo o matri­mônio como “o grande sacramento relacionado com a união de Cristo com a sua Igreja” (Ef 5,32). - Ocorre, porém, que certas prescrições legais do Antigo Testamento sugeriam aos cristãos reservas no tocante ao uso do ma­trimônio (cf. Lv 15,1-33).
Tal modo de ver era condicionado por fatores contingentes, e não pe­las premissas doutrinárias do próprio Cristianismo; com o tempo, cedeu a concepções menos pessimistas.
Os mestres contemporâneos preferem ser mais sóbrios no concernente às cautelas necessárias para evitar os desmandos dos afetos; cada cristão faça seu programa de vida harmoniosa e bela, na qual a carne deve corresponder ao ideal de vida concebido pela razão e pela fé. Continua válida a meta: não permitir que os afetos sensuais sobrepujem as aspirações da mente, mas os meios recomendados são mais freqüentemente deixados a critério de cada qual dos interessados.
Com outras palavras: pode-se reconhecer o valor do prazer sensível, contanto que seja subordinado ao espírito. Aliás, tudo o que o homem, como homem reto e digno, faz, traz o cunho do espírito ou da espiritualida­de; o ser humano é, em todas as suas expressões, psicossomático, de modo que até as funções que lhe são comuns com os animais inferiores, trazem sua marca própria, derivada da espiritualidade da alma humana.
Verdade é que o Papa Inocêncio XI em 1679 condenou a proposição seguinte: “Não é pecado comer, beber ou fazer uso do matrimônio unica­mente por prazer sensual” (Ver Denzinger-Schönmetzer, Enquirídio dos Símbolos e Definições n.º 2108s [1158]). Tal condenação não significa que ao cristão não seja lícito desejar o prazer sensual, mas quer dizer que o pra­zer sensual lícito (o de um bom prato para quem precisa de alimento, o da relação conjugal entre esposo e esposa...) deve ser regido e dimensionado pela razão; esta tem que saber colocar esses prazeres dentro da ordem har­moniosa da vida de alguém que mais e mais procura chegar a Deus; o prazer tem que estar em sintonia com a oração e o trabalho, não pode ser uma ilha ou um bloco independente, quase subtraído a Deus, mas há de ser a expres­são de alguém que pertence ao Senhor tanto por sua alma como por sua constituição corpórea. - Deus quis anexar o prazer a certos atos destinados à conservação do indivíduo (a alimentação) e à conservação da espécie (o ato sexual), a fim de estimular a pessoa à prática desses atos. Isto significa que tal prazer é lícito (pois Deus o propicia); é lícito, porém, não como fi­nalidade em si, mas como meio associado a determinado fim; na medida em que o prazer serve a conservação do indivíduo ou à conservação da espécie, é válido e pode ser procurado. Notemos que a cópula conjugal é lícita tam­bém nos dias estéreis da mulher, pois é a própria natureza quem proporcio­na esses períodos de pausa. Em conseqüência, o homem não fere a natureza ou a lei de Deus quando realiza o ato sexual em tais condições.
Os prazeres de uma recreação, de um passeio, de um concerto, do cul­tivo da arte... são justificados desde que isto implique - como geralmente acontece - distensão, restauração do físico e do psíquico desgastados... Ao contrário, o prazer sensível pelo prazer apenas, sem finalidade ulterior ou su­perior, pode escravizar o homem e desfigurá-lo, jogando-o abaixo de sua dig­nidade; é o que ocorre quando se procura a comida pelo bom gosto da comi­da apenas, o sexo tão somente por causa do deleite do sexo, a bebida apenas pela euforia que ela provoca...
2.2. Amor e prazer
2.2.1. O “princípio do prazer”
É freqüente associar entre si amor e prazer, como se todo amor deves­se acarretar uma compensação ou um deleite sensível para quem ama. Prin­cipalmente na idade juvenil amor e prazer podem parecer inseparáveis um do outro.
De modo geral, é lícito dizer que a sociedade moderna tem por normal o gozo e o prazer, ao passo que foge indistintamente do sofrimento, do sacrifício, da renúncia..., como se fossem formas de castração, incompreen­síveis num programa de auto-realização. Principalmente Sigmund Freud, o pai da Psicanálise materialista, disseminou a concepção de que a felicidade consiste no prazer. Eis o que tal mestre diz, após perguntar qual o objetivo da vida:
“A resposta dificilmente pode errar; os homens tendem à felicidade, querem tornar-se felizes e permanecer assim. Esta tendência tem dois aspectos: um positivo e outro negativo. De um lado, quer-se a ausência de dor e desprazer; do outro, a experiência de fortes sensações de prazer. No sentido mais estrito, a felicidade só se refere à última.. Como se vê, é simplesmente o programa do princípio do prazer que estabelece o alvo da vida” (Das un­behagen in der Kultur, pp. 433s).
Notemos que, para Freud, o prazer tem sempre um cunho sexual; é satisfação orgânica ou física, à qual serve o Eros ou a Libido. Ora Freud re­conheceu que o prazer assim entendido não tem continuidade ou é passagei­ro. Por isto também julga que o homem jamais pode ser feliz; na melhor das hipóteses, poderia gozar “moderadamente”...
O “princípio do prazer”, atrás exposto, só pode levar à amargura da desilusão ou da resignação “moderada” de Freud. Muitos daqueles que iden­tificam prazer e felicidade, caem no hedonismo desenfreado; procuram acumular prazeres, fazendo de todo momento a ocasião de novo prazer... Dai resultam facilmente a depravação moral e a decadência social.
Aliás, no livro mesmo de H. Lepargneur, é citado o pensamento de Alexander Lowen, partidário da libertação do prazer sensorial; o homem teria que reencontrar as sensações perdidas ou as de Adão no Eden. Todavia o próprio Lowen confessou:
“Nem o antigo código moral nem o novo código amoral, a ética do di­vertimento, traz uma resposta significativa ao problema do comportamento sexual no mundo atual Obviamente não há resposta... Embora eu tenha en­fatizado o prazer, não posso admitir que a sua busca exclusiva seja o objeti­vo da vida. Por sua própria natureza, quanto mais o procuramos, mais se es­quiva... Há uma antítese entre prazer e realização, oriunda do fato da reali­zação exigir autodisciplina. O compromisso com o objetivo ou uma tarefa envolve necessariamente o sacrifício de alguns prazeres imediatos. Se a pessoa é incapaz de adiar a gratificação imediata de seus desejos, será como uma criança cujas realizações nada são e cujos prazeres só têm sentido para si, como criança” (A. Lowen, Prazer. Uma abordagem criativa da vida, São Paulo 1984, citado às pp. Sis de Lepargneur, obra em foco).
O fracasso do princípio do prazer ou do hedonismo total leva-nos a procurar outro caminho para a descoberta da felicidade. Tal será
2.2.2. O “princípio da auto-realização”
O ser humano foi feito por Deus para a vida e a vida plena. Tal é o oti­mismo cristão.
Esta plena auto-realização só pode ser obtida mediante a subordinação dos impulsos instintivos ao ideal concebido pela razão (que a fé, no cristão, ilumina). - Ora tal subordinação implica renúncia, indispensável na evolução normal da criança e do adulto.
Para ilustrá-lo, transcrevemos aqui uma passagem do livro “Prazer ou Amor?” de D. Valfredo Tepe, bispo de Ilhéus, livro que é a autêntica respos­ta cristã ao problema levantado por H. Lepargneur;
“Já no plano natural vemos como a mortificação está a serviço da vi­da, da realização. Os seres vivos unicelulares são potencialmente imortais, com a condição da renúncia. À medida que crescem, perde-se o equilíbrio entre superfície e volume. Ou acabam morrendo, esclerosados, ou renun­ciam à sua existência anterior, dividindo-se em dois, para retomar o processo de crescimento. A divisão é um truque da natureza que lhes permite a continuação da vida. Partindo desta idéia, um cientista conseguiu, num expe­rimento de laboratório, manter amebas em vida durante cento e trinta dias, sem divisão, praticando apenas nelas uma amputação cada dia. Deste modo os protozoários podiam continuar o processo de assimilação e crescimento. Normalmente, as amebas se dividem em duas de dois em dois dias. As ame­bas que sofreram amputação tornaram-se, pois, 65 vezes mais velhas que suas irmãs. A amputação transformou-se em meio poderoso de rejuvenesci­mento.
Na vida humana observamos algo semelhante. A dieta tem cunho de mortificação, mas serve à vida; alivia o coração sobrecarregado pela tarefa de impelir o sangue por um organismo inchado pela gordura. No plano espiri­tual torna-se fatal a inchação do homem que segue desenfreadamente o princípio do prazer. Ele se enche de bens, de satisfações, de conhecimentos e de glórias; julga-se engrandecido e não percebe que está ficando imobiliza­do e asfixiado. O rejuvenescimento está na mortificação; amputando o que é excessivo, renunciando ao crescimento demasiado de suas tendências instin­tivas, o homem ganha nova vida” (pp. 126s).
A esta altura dirá alguém a não satisfação de um desejo é frustração e gera neurose... - Deve se responder distinguindo entre frustração e privação nenhuma autêntica renuncia é frustração. É privação, sim, não raro dolorosa e difícil; “A renúncia dói, é certo - mas com bisturi esterilizado a ferida logo cicatriza, sem inflamação nem supuração Uma privação só se torna frustração supurante, quando nela não há nem conformidade nem compensação. Renúncia é aceitação ativa e consciente de uma privação por motivo superior como, por exemplo, o amor a um grande ideal ou o amor a Deus” (Valfredo Tepe, ob. cit., p. 127).
“O cristão, cujo lema de vida é o princípio da realização, a procura da perfeição, soluciona o conflito entre o Eu e o Id pela renúncia consciente às exigências descabidas dos instintos. Contra a tríplice concupiscência que reina no mundo, isto é, dentro de cada um, a cobiça dos olhos, a cobiça da carne e a soberba da vida, arma-se o cristão pela esmola, pelo jejum e pela oração. “Boa é a oração acompanhada de jejum; e dar esmola vale mais do que juntar tesouros de ouro” (Tb 12,8). No termo técnico “esmola” resume a Ascética todo o esforço para debelar a exagerada tendência à posse de bens materiais. A palavra ‘jejum’ designa os meios estratégicos para fazer frente aos desejos da carne, tanto no terreno da volúpia como no da gula. A “oração”, enfim, é a melhor arma para manter o homem 'no seu lugar': criatura de Deus que não tem motivo de vangloriar-se como se não houvesse recebi­do tudo de Outrem (cf. 1Cor 4,7).
Com outras palavras: a finalidade do ser humano não é a satisfação, mas a perfeição. Quando o homem se aposenta na satisfação - e aí está o perigo da apregoada 'vida boa' -, ele não se realiza, fica descontente, doen­te. O enfado, o tédio pode até paralisar a vontade de viver e levar ao suicí­dio. Jogar fora todas as riquezas, como o fez S. Francisco, pode assumir o aspecto de verdadeira libertação e renascimento. A alma, desimpedida, começa a correr o seu caminho como um gigante: o caminho da perfeição, a plena realização, impelida pela esperança, essa energia dinâmica que jamais permite ao homem acomodar-se em acampamentos provisórios” (Valfredo Tepe, ob. cit., pp. 130s).
Continua o autor desta obra:
“Um médico observou: 'Não raro experimentamos o seguinte: vem a nós pacientes, homens e mulheres, falando-nos do tempo difícil que tiveram de atravessar, dos esforços penosos que tiveram de fazer para alcançar deter­minado alvo, e, depois que alcançaram esta meta e julgavam poder gozar sua vida sossegadamente, nesse momento adoeceram. Mais: existem até observa­ções de indivíduos que passaram por provações gravíssimas, e, quando tal fase terminou e eles voltaram a viver em abastança e sossego, pensando to­dos que então poderiam realmente gozar a vida e ser felizes, nesse momento cometeram suicídio.. - Opulência, portanto, causa realmente doenças, e isso porque seduz o homem a tomar o caminho da comodidade, a permanecer preferentemente na passividade ou a deixar atrofiadas muitas das suas capacidades e possibilidades, por causa de sua atividade unilateral. É um erro substancial infelizmente muito disseminado, pensar que nada seria mais fa­vorável para a saúde do que o não fazer nada e a preguiça. O contrário é que é verdade. O indivíduo a quem se fazem exigências, o homem que se subor­dina a um fim maior e mais elevado, o homem que experimenta possuir uma vida plena de sentido, este homem é são” (p. 117).
Ainda a respeito da cobiça não mortificada pode-se citar uma página de Jorge Amado, que observa como os crimes têm pavimentado as estradas que levam às minas do ouro metálico; vícios e sangue derramado têm adu­bado as terras do 'cacau dourado':
“Os trabalhadores na roça tinham o visgo do cacau mole preso aos pés, virava uma casca grossa que nenhuma água lavava jamais. E eles todos, tra­balhadores, jagunços, coronéis, advogados, médicos, comerciantes e exportadores, tinham o visgo do cacau preso na alma, lá dentro no mais profundo do coração. Não havia educação, cultura e sentimento que o lavassem. Cacau era dinheiro, era poder, era a vida toda, estava lá dentro deles, não apenas plantado sobre a terra negra e poderosa de seiva. Nascia dentro de cada um, lançava sobre cada um uma sombra má, apagava os bons sentimentos” (Ter­ras do Sem Fim, 1957, p- 245).
2.3. Amor e Sofrimento
Vimos quanto é ilusório crer que amor é apenas prazer ou que alguém possa chegar à auto-realização evitando o sofrimento. Acrescentemos que, muito paradoxalmente, o sofrimento está ligado à grandeza ou à perfeição do ser humano.
Com efeito. Observe-se que os seres inanimados (minerais), quando percutidos ou lesados, não reagem; nada sentem; são os mais imperfeitos dos seres, pois não têm vida. Passando para o nível dos seres vivos vegetativos, verificamos que, quando um vegetal ou uma planta é maltratada ou mutila­da, ela tende a se restaurar reagindo contra a lesão infligida; dir-se-ia que não é impassível como os minerais. Subindo ao degrau dos animais irracionais, percebemos que reagem muito sensivelmente aos golpes dolorosos; gemem, rugem, fogem, contra-atacam. - - Elevando-nos ainda na escala dos seres, che­gamos ao homem, que certamente sofre mais do que os restantes seres visí­veis, porque, além de sofrer fisicamente, ele sabe que sofre (tem consciência psicológica); o homem reflete sobre o seu sofrimento, comparando-o com o seu ideal e verificando que este é, não raro, truncado ou prejudicado pelas adversidades da caminhada: um pai ou uma mãe de família atingidos em sua saúde física quando têm filhos pequenos, sentem, além do incômodo físico, a dor de não poderem desempenhar devidamente a sua tarefa de educado­res, - - Diremos mesmo; quanto mais um ser humano é nobre e profundo (no plano moral), tanto mais sofre; quanto menos alguém tem ideal ou vive como criatura inteligente, tanto menos sofre; diz-se que a mãe desnaturada é aquela que não se sensibiliza pela dor dos filhos.
Eis em que termos o sofrimento é essencial ao homem e característi­co da sua transcendência: ele decorre da dignidade mesma da natureza hu­mana, que aspira legitimamente a realizações prejudicadas pelos golpes da vida. Ele decorre, com outras palavras, da nobreza intelectual (e espiritual) do ser humano, que não só conhece, mas sabe que conhece ou reflete sobre si mesmo (coisa que os animais inferiores não realizam).
Compreendem-se então as palavras do S. Padre João Paulo II:
“Ainda que os sofrimentos do mundo dos animais sejam bem conhe­cidos e estejam próximos ao homem, aquilo que nós exprimimos com a pa­lavra 'sofrimento' parece ser algo particularmente essencial à natureza huma­na... O sofrimento parece pertencer à transcendência do homem” (Carta Salvitici Doloris n.º 2).
Está claro, porém, que uma pessoa de fé sabe superar a dor natural que a afeta, olhando para o modelo do Cristo Jesus; Este, diante da perspec­tiva da sua Paixão e Morte, orava: “Pai, se possível, que este cálice passe sem que eu o beba; faça-se. porém, a tua vontade e não a minha” (Mt 26,39). Acima de tudo, importa ao cristão identificar-se com o desígnio do Pai, que certamente é mais sábio que os planos dos homens.
2.4. As “raízes pagãs” da Moral católica
1. À p. 72, H. Lepargneur, criticando a Moral católica, sugere que “ela tem raízes no pensamento pagão”; cita, em apoio seu, os nomes de Michel Foucault (“filósofo e pesquisador da história, mas não cristão)') e J.-M. Pohier, professor de Moral censurado pelo magistério da Igreja.
Antes do mais, notemos: é estranho que Lepargneur, em seu livro, pro­cure fundamentar-se em autores que ou não são cristãos ou são dissidentes da reta doutrina católica.
Pergunta-se agora; como a Moral cristã tem raízes no pensamento pagão?
- É certo que a cosmovisão cristã, monoteísta como é, difere radi­calmente da cosmovisão pagã, que era politeísta (mitológica) ou panteísta (estóica) ou dualista (pitagorismo, orfismo...). É certo também que o Evan­gelho dignificou enormemente a pessoa humana (a mulher, as crianças, os enfermos e carentes...); enobreceu a família... E o que se depreende da leitu­ra dos documentos antigos, entre os quais sobressai a Epístola a Diogneto, jóia da literatura dos séculos II/III.
Se há pontos de contato entre a Moral cristã e a Moral grega pré-cristã, são pontos acidentais (é certo que o ideal da Pátria dos estóicos muito signi­ficou para os cristãos) ou, ainda, pontos que a lei natural, incutida a todo homem pelo Criador, recomendava tanto a pagãos como a cristãos; neste rol estão os que M. Foucault menciona; “a monogamia procriadora, a condena­ção das relações homossexuais, a exaltação da continência”. Assim há, por vezes, semelhanças entre Cristianismo e correntes não cristãs, semelhanças que não são devidas a algum empréstimo, mas simplesmente decorrem do fato de que a natureza humana é a mesma em todos os indivíduos, com suas aspirações éticas e religiosas congênitas.
2. À p. 117 Lepargneur, ao falar de Maria SS., afirma que “a figura da Virgem-Mãe não é própria do Cristianismo, bem assentada na mitologia”.
- Não nos deteremos na refutação desta sentença, visto que o tema já foi longamente abordado em PR 294/1986, pp. 510-521.
3. De modo especial, a vida una (celibato ou virgindade) é menospre­zada por muitos pensadores contemporâneos; Lepargneur alude ao celibato sacerdotal ''institucionalizado por volta do século XI” (p. 117).
Na verdade, o celibato sacerdotal tem sua origem na mais pura concep­ção de vida cristã, apresentada por S. Paulo em 1Cor 7,25-35: O Apóstolo aí observa que os valores definitivos entraram neste mundo desde a vinda de Cristo; por conseguinte, “o tempo se fez breve” (1 Cor 7,29); o cristão tem interesse em concentrar todo o seu tempo, suas ocupações e preocupações no serviço ou no desenvolvimento do Reino de Deus lá iniciado; daí a esti­ma da vocação à vida una ou indivisa; esta permite dedicação mais livre e in­tegral à causa do Reino: “Quem tem esposa, cuida das coisas do mundo e do modo de agradar à esposa, e fica dividido” (1Cor 7,33). Aqui está a raiz do celibato abraçado por amor a Cristo. Parece que desde os tempos de São Paulo lá era cultivado na Igreja, como a resposta mais espontânea e autêntica que o cristão podia (e pode) dar ao anúncio do Reino; o celibato sacerdotal, inspirado por tal convicção, foi-se tornando prática sempre mais usual, que os Concílios regionais foram sancionando desde o de Elvira (Espanha) em 306 (?).
Sobre a penitência cristã, que alguns querem assemelhar a práticas en­cratistas ou dualistas não autenticamente cristãs, veja-se o artigo respectivo às pp. 353-360 deste fascículo.
Poder-se-iam fazer ainda algumas observações sobre a forma literária do livro, no qual muitos galicismos se encontram.
3. Conclusão
O prazer integra o desenvolvimento e a plena realização da pessoa hu­mana. Ninguém pode renunciar a todo prazer sem correr o risco da deformação psicológico. Esta verdade não é nova no Catolicismo, pois já foi vivenciada pelo Apóstolo São Paulo e os primeiros cristãos. Todavia o ponto nevrál­gico da questão consiste em definir o que é o prazer integrante da grandeza humana; será o prazer no sentido freudiano (erotizante, sexual) ou o prazer em acepção mais elevada? - O que diferencia o cristão do hedonismo moderno, é a opção por este segundo sentido de prazer.- é subordinado à ple­na realização e a perfeição do homem, a qual não pode deixar de incluir pri­vação e renúncia assumidas em vista de uma finalidade superior.
Não há, pois, dilema entre Deus e o prazer. Ao contrário, a glorificação do Criador implica inevitavelmente o engrandecimento e a felicidade da criatura, ainda que esta não se preocupe com sua bem-aventurança.
Infelizmente os princípios da filosofia de Sigmund Freud têm influ­enciado autores cristãos que, por sua vez, induzem sutilmente os fiéis a ce­der ao princípio do prazer; donde resulta freqüentemente o hedonismo ja­mais satisfeito, e propenso às drogas e ao crime.
Para dissipar idéias tão errôneas, muito se recomenda o livro de D. Val­fredo Tepe: “Prazer ou Amor?”, Ed. Mensageiro da Fé, Salvador. O autor, com grande sabedoria psicológica e teológica, evidencia que o amor, perfei­ção de todo homem, longe de excluir certas renúncias, as exige e aceita com alegria, pois são condição de serviço a Deus e grandeza da criatura.
Muito úteis também são:
VIKTOR FRANKL, Psicoterapia e Sentido da Vida. Ed. Quadrante, Rua Iperoig, 604 - VALFREDO TEPE, 05O16 São Paulo (SP).
VALFREDO TEPE, O Sentido da Vida, Ed. Vozes, Petrópolis (RJ)
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NOTAS:
[1] Ed. Papirus, Campinas 1985, 135 x 210 mm, 185 pp.
[2] Em nota o autor observa que a citação é de André Chastel em Le Monde, 21/11/1984, e acrescenta: "Trata-se evidentemente da Senhora Mundo, ale­goria da Vaidade Universal. O prazer-vaidade nem dura tanto quanto esta tela holandesa, o tempo duma borbulha de sabão."
[3] Eis o que se lê às pp. 75s do livro em foco:
"Na opinião do Pe. Pohier... acreditar que o homem é imortal por na­tureza, que ele se tornou mortal em decorrência duma culpa que lhe teria merecido a retração do privilégio da imortalidade, por parte daquele que lhe teria outorgado... Acreditar que o homem pode recuperar este privilégio com a condição de morrer para si mesmo e aniquilar-se na obediência..., eis que se parece... com os votos mais típicos da fase crítica do complexo de Édipo" (os grifos são nossos).
Este texto merece reparos:
1) Natureza... privilégio... Se o homem era imortal por natureza, ele não o era por privilégio. Na terminologia usada pelo autor, há, portanto, uma contradição: privilégio é o que vem acrescentado à natureza. .
2) Na verdade, o homem tem uma alma imortal por sua própria natu­reza (pois é espiritual). Mas o homem não é só alma; é também corpo unido à alma; este composto tende a se decompor pelo desgaste dos órgãos cor­póreos. Ora no estado original Deus concedeu ao homem (como composto de corpo e alma) o privilégio de não se decompor ou não morrer (cf. Gn 2,17; 3,19). Este privilégio foi perdido pelo pecado dos primeiros pais (cf. Rm 5,12-17). Pois bem: Cristo não nos redimiu da mortalidade do homem ou do composto (mortalidade do homem que não impede a imortalidade da alma), mas prometeu-nos a ressurreição após a morte, à semelhança do que aconteceu com o próprio Jesus. - Nisto não há resquício do complexo de Édipo.
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Quinta-feira, 22 de Março de 2007

Castidade: a sexualidade humana
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 268/1983)
Em síntese: O livro em pauta to rejeitado tanto pela Comissão Doutrinal da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos em 1977 como pela S. Congregação para a Doutrina da Fé em 13/07/1979. Os motivos de tal condenação são, entre outros, a índole subjetiva dos critérios da moralidade adotados pelos autores da obra: o bem estar que decorra de alguma prática sexual (relações pré-matrimoniais, homossexualismo, masturbação...) é suficiente para legitimar tal prática. Os autores recorrem também com freqüência a estatísticas referentes à conduta sexual dos homens de nosso tempo, atribuindo-lhes forte valor decisório em favor de práticas classicamente tidas como aberrantes. Ora sabe-se como são precárias muitas das estatísticas hoje em dia aduzidas pelos pesquisadores; além do quê, é de notar que a verdade e o bem não dependem do voto da maioria, mas pairam acima do número, grande ou pequeno, de seus adeptos.
Os critérios propriamente evangélicos, como seriam a vivência do Batismo, que é morte ao velho homem e ressurreição com Cristo para uma vida nova, estão quase apagados na perspectiva do livro em foco. A teologia da cruz e o valor desta não têm significado na definição do comportamento sexual, conforme tais autores, que insinuam a legitimidade do uso do sexo entre duas pessoas não casadas, até mesmo por divertimento.
Estas poucas observações são suficientes para justificar a condenação do livro por renomados teólogos e moralistas, como também pelos simples fiéis, que guardam a capacidade de julgar teorias a luz da fé e da Páscoa de Cristo.
* * *
Comentário: Foi publicado em 1982 um livro intitulado «A Sexualidade Humana. Novos Rumos do Pensamento Católico Americano»1 . É da autoria de Pe. Prof. Anthony Kosnik (coordenador), Pe. Prof. Ronald Modras, Sister Agnes Cunningham, Dr. William Carrol, professor de Direito, e Dr. James Schulte, especializado em Direito matrimonial. Tal estudo foi solicitado pela Sociedade Americana Católica de Teologia, que houve por bem publicar o relatório final da Comissão atrás indicada sem lhe conferir aprovação ou desaprovação (cf. p. 7). o original norte-americano foi publicado em 1977 e logo traduzido para línguas estrangeiras.
O livro provocou celeuma nos Estados Unidos da América, a ponto de induzir a Comissão Doutrinal da Conferencia Episcopal Norte-Americana a publicar Declaração condenatória do mesmo. Tal documento foi corroborado por um pronunciamento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé datado de 13/07/1979, publicado em Apêndice a este artigo (cf. pp.208-213). Estes dois documentos, acompanhados de intervenções de Bispos diversos, evidenciam quanto é delicado e candente o conteúdo da obra em pauta. Eis por que referiremos, antes do mais, alguns dos seus traços mais salientes; a seguir, proporemos reflexões sobre o mesmo.
1. O conteúdo do obra
O livro começa por um estudo da sexualidade humana na Bíblia (cap. I) e na Tradição cristã (cap. II). Apresenta, depois, alguns dados das ciências empíricas sobre a sexualidade (cap. III) e elementos para uma teologia da sexualidade (cap. IV). Por ultimo traça diretrizes pastorais (cap. V), ao que se seguem um Pós-escrito e três Apêndices.
1. Os autores abordam todas as facetas da teoria e da prática sexual. Em alguns casos parecem apresentar apenas as sentenças de antropólogos, sociólogos ou filósofos; em outros insinuam ou explicitam diretrizes para o comportamento sexual (mesmo quando referem posições de pesquisadores das ciências humanas, os autores do livro não raro as apóiam indiretamente).
Neste contexto, o livro propõe:
1) o livre recurso a anticoncepcionais artificiais, segundo os ditames da «consciência de cada indivíduo implicado» (p.158);
2) o recurso à esterilização definitiva do homem ou da mulher, de acordo com as circunstâncias em que as pessoas interessadas se encontram (pp. 169s);
3) a inseminação artificial heteróloga (mediante doador anônimo), desde que «exista um forte desejo mútuo por parte do marido e da mulher e suficiente estabilidade na vida conjugal para compensar os riscos indicados» (p. 171);
4) a união marital sem contrato civil e sem o sacramento, também chamada «matrimônio consensual»... «Só podemos concluir que tais relações, verdadeiramente criativas e integradoras para os indivíduos implicados, podem ser também moralmente aceitáveis, pelo menos enquanto não forem supressas as restrições civis para a realização do matrimônio legal» (p.178);
5) ao julgar as relações sexuais pré-matrimoniais, dizem os autores, não se deve isolar este ou aquele ato de relacionamento sexual. Será preciso levar em conta «a relação com Deus e a posição moral dos interessados diante de todas as situações da vida». «o desprendimento, a honestidade e o desejo de levar vida verdadeiramente cristã com respeito a outras relações e dimensões podem indicar com segurança qualidades semelhantes numa conduta de um casal. No trato com católicos solteiros, é possível avaliar a seriedade e a qualidade morais de um relacionamento pelo espaço dado á oração e à participação em comum nos sacramentos da Igreja, sobretudo na Eucaristia» (p.205).
Em outros termos talvez se pudesse dizer: quanto mais «piedosos» forem os jovens, tanto mais estarão credenciados para ter relações sexuais pré-matrimoniais!
Ainda dissertando sobre a vida sexual dos solteiros, escrevem os autores: «As relações que promovem o crescimento e a integração, são moralmente boas» (p.216).
Em suma, os solteiros involuntários, os solteiros viúvos e os solteiros divorciados também estão habilitados a ter seus relacionamentos sexuais fora do matrimonio; cf. pp.217-222.
6) Sobre o homossexualismo lêem-se os seguintes pronunciamentos:
«Os homossexuais têm os mesmos direitos ao amor, intimidade e relacionamentos como os heterossexuais... As normas que regulam a moralidade da atividade homossexual são as mesmas que regulam toda atividade sexual» (p.256).
«Os homossexuais cristãos têm as mesmas necessidades e direitos aos sacramentos como os heterossexuais. Ao determinar se convém ou não dar absolvição ou a S. Comunhão a um homossexual, pode o pastor orientar-se pelo principio geral da teologia moral fundamental, de que só se pode impor uma obrigação moralmente certa. Ubi dubium, Ibi libertas. Uma dúvida invencível, seja de direito, seja de fato, permite seguir uma opinião verdadeira e solidamente provável em favor da liberdade» (p.258).
7) No tocante à masturbação, é dito à p.272:
«As pessoas que estão seriamente a braços com a tarefa de integrar a sua sexualidade, especialmente os adolescentes, deveriam ser incentivadas a receber a Eucaristia em toda oportunidade, mesmo que tenha havido incidências ocasionais de masturbação. A pressuposição é que não pecaram gravemente e por isso não perderam o seu direito de receber os sacramentos» (p.272).

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