sexta-feira, 20 de junho de 2008

Céu: a vida continua além da morte

Em síntese: O livro de Tarsizo de Oliveira e Sirtei Paseto manifesta a boa intenção de dissipar o horror da morte que existe em muitas pessoas. To­davia procura fazei-lo mediante argumentos assaz subjetivos; além do quê, apresenta lacunas em matéria de Filosofia e Teologia: os conceitos de ser humano, tempo e eternidade, vida, energia, matéria deixam muito a desejar. No tocante à própria Parapsicologia os autores parecem não levar em conta suficiente o poder da sugestão e a enorme capacidade de projeção subjetiva que a sugestão mobiliza sem que o indivíduo o perceba.
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O livro "A Vida continua além da Morte" se deve a dois autores re­sidentes em Santa Catarina. O Prof. Tarsizo de Oliveira é o fundador do Centro de Estudos Parapsicológicos em Florianópolis, da Associação de Parapsicologia e das Clínicas Famo. Como parapsicólogo, tem-se dedica­do ao tratamento de doenças psicossomáticas. - Quanto à Professora Siriei Paseto, é Coordenadora do Departamento de Psicorientologia da Asso­ciação Catarinense de Parapsicologia. Publicaram o livro em foco[1] que tenta mostrar o que acontece antes e depois da morte e durante a própria morte. Os autores consideram uma temática que é certamente delicada, conjugando entre si aspectos psicológicos, parapsicológicos, filosóficos e teológicos. Examinemos e comentemos o livro.
I. O conteúdo da obra
Os autores querem dissipar o medo da morte, incutindo a idéia de que esta vem a ser a plenitude da vida:
"A morte se apresenta como a situação em que o ser humano tem o pri­vilégio do desenvolvimento de todas as suas faculdades, atingindo por exce­lência o ponto máximo de sua vida, através da qual poderá chegar a uma perfeita maturidade espiritual, onde todas as suas características psíquicas e mentais, tanto as cognitivas como as volitivas e afetivas, podem ser exercidas em sua plenitude, sem os condicionamentos exteriores e suas limitações hu­manas. É o momento em que o ser humano tem a possibilidade, através de seus méritos, de atingir a plenitude de sua realização. Antes, o mesmo tinha limitações de toda ordem, através dos conceitos e dos condicionamentos tanto hereditários como psicológicos, adquiridos durante a educação, sem fa­lar na ignorância, falta de conhecimentos mais profundos a respeito das coi­sas de Deus" (p. 34).
Como é que os autores sabem o que ensinam?
Recorrem a depoimentos de pessoas que passaram pela morte aparente e voltaram ao pleno gozo de suas forças ou - mais estranho - deixaram mensagens que outras pessoas captaram por psicografia. Com outras palavras: segundo T. de Oliveira e S. Paseto, as pessoas que estão em estado de morte aparente, podem transmitir a outras o que lhes vai na alma; as mensagens assim emitidas são captadas pelo subconsciente de familiares e amigos do paciente, e estes, por sua vez, podem reprodu­zir tais mensagens, fazendo-as passar do seu subconsciente para o cons­ciente; o fenômeno de reproduzir as mensagens de moribundos é cha­mado pelo dois autores "psicografia”:
"A psicografia, que quer dizer escrita do psiquismo ou escrita mental, é o resultado de uma captação telepática de pessoas vivas que captaram da mesma forma de alguém que estava no estágio de morte aparente. Portanto, sempre que é reproduzida uma mensagem psicografada, o psicógrafo está escrevendo algo que aflora do seu subconsciente ou que está captando do subconsciente de outras pessoas, não havendo, dessa forma, nenhuma co­municação com o espírito do morto, como algumas pessoas querem supor, mas comunicação de vivos para vivos" (pp. 42s).
Como se vê, os autores recusam a necromancia ou a consulta aos mortos ou a comunicação dos mortos com os vivos, como a admite o Es­piritismo. Neste ponto conservam fidelidade ao Cristianismo.
Eis um espécimen de mensagem psicografada dirigida pelo esposo moribundo à esposa viva e aflita:
"Sinto-me como a lagarta que se transforma em borboleta, como a criança que deseja e luta para nascer. Faço um esforço enorme para ir, para ouvir, para refletir, mas tudo voltado para mim mesmo. Estou em estado de in­trospecção, revivendo todos os relacionamentos. Sou eu mesmo, só, mas na companhia de todas as pessoas que conheci.
Queria te explicar, mas tenho plena consciência de que não sabes o que eu sinto. Se estivesses entendendo, querida, saberias por tua própria ex­periência o que é ver a luz pela primeira vez, o que é falar e ouvir pela primeira vez.
Eu me sinto vitorioso, vitorioso de mim mesmo. Sinto-me único, absolu­to, harmonioso e principalmente completo e feliz. Só agora consigo sentir-me totalmente.
Querida, eu sei que para ti está sendo um momento dificílimo, mas, compreende-me, para mim é vital, é fundamental. Eu nunca chegaria até mim mesmo se não fosse por esse caminho. Não é doloroso como estás pensando e deixando transparecer; para mim é o verdadeiro estado de graça. Não quero que sofras, pois eu não estou sofrendo. Continuo tendo objetivos, não acabei, como estás pensando. Eu cresci, sou bem maior do que já fui. Não estou morrendo da forma como estás pensando. É por amor, só por amor, que estou lutando para confortar a tua dor. Pois, se não existisse o amor, eu já te­ria me libertado...
Confirmo e afirmo o meu grande e eterno amor, porque agora sei e te­nho certeza que ele é eterno" (pp. 45s).
Em alguns casos os pacientes dizem que passam por um túnel, en­contram um ser de luz, sentem-se felizes,... mas de repente são chama­dos a voltar ao corpo na terra.
"Fui internado no hospital, gravemente enfermo. Sentia dores em todo o corpo e tonturas. Os médicos não sabiam bem o que eu tinha. O médico me enviou para exames para ver se descobriam. Durante os exames, aplicaram uma droga que me fez estremecer e senti que estava morrendo. Neste mo­mento, percebi um túnel e, ao mesmo tempo, uma luz.
Mentalmente a impres­são que tinha era de que a luz falava, mas tinha certeza que tudo isso se pas­sava em minha mente. O que sentia era que eu estava em um julgamento on­de toda a minha vida era recapitulada mentalmente. Senti um peso enorme ao concluir que a minha vida não fora voltada para o amor, a caridade e para o próximo. Foi nesse momento que a luz desapareceu e, ao seguir pelo túnel, apenas escuridão e isolamento. Senti um desejo enorme de ter vivido de outra forma. Neste momento, voltei a ouvir a voz do médico que dizia estar eu rea­gindo. A experiência foi muito válida para que eu pudesse reconstruir a minha vida interior" (p.32).
Comentam os autores:
"É muito comum as pessoas durante este estágio terem a sensação de estar passando por um túnel. Uns relatam como um túnel longo e escuro no início e com uma luz muito forte em seu final. Em todos os casos pesquisados em que aparece a luz, esta é de um brilho indescritível e não prejudica os olhos ou ofusca, nem impede de ver outras coisas ao redor; isso porque sen­tem que tudo o que estão vendo não é através dos olhos físicos, mas através da mente. Em todos os casos, a sensação é de que a luz representa um ser de luz, do qual emana amor e paz. Mesmo que as descrições a respeito da luz, sejam invariáveis, o que dela emana varia de indivíduo para indivíduo, mas a maioria identifica a luz com Cristo ou, simplesmente, com Deus. Podemos definir que o diálogo que, em muitos casos, aparece com o ser de luz é um diálogo mental" (pp. 33s).
Logo após a morte o indivíduo se encontra face-a-face com Deus...:
"Sabemos que todo ser humano, após o estágio de morte aparente, se encontrará face a face com Deus e com Cristo ressuscitado. Mesmo que du­rante toda a sua vida não tenha ouvido falar deles, lhes é oferecida a chance de optar por Deus e por Cristo.
Os pagãos terão a oportunidade desse desenvolvimento, também aqueles que, durante a sua vida, não chegaram ao desenvolvimento da cons­ciência e da liberdade, ou seja:
Os débeis mentais, que também terão a sua oportunidade de encontro com Deus. Não querendo contrariar conceitos religiosos, mas com o objetivo de esclarecer a muitos a respeito do assunto, podemos afirmar que a mesma chance ocorre com os milhões de seres humanos que morreram antes de nascer, seja por motivos naturais ou mesmo pelo grande número de abortos que acontecem pelo mundo inteiro. Também as vitimas de acidentes catastró­ficos que, com suas mortes repentinas, truncam bruscamente a vida, aparen­temente sem ter qualquer momento de preparação, essas têm a mesma chance como as demais" (pp. 36s).
Os autores afirmam outrossim que a ressurreição se dá por ocasião da morte; cada qual, ao morrer, chega ao fim dos tempos ou fim do mundo. Cf. p. 23.
Expostas as principais linhas doutrinárias do livro em foco, reflita­mos a respeito. Verdade é que o pensamento dos dois autores nem sem­pre é preciso; falta-lhes um pouco de rigor lógico ao concatenar e expri­mir suas idéias; cf. pp. 36 (final). 23 (confuso).
2. Comentando...
É muito oportuna e louvável a intenção, dos autores, de mostrar que a morte não é um fim, um truncamento, mas, sim, uma passagem para vida melhor e mais plena. Isto é autenticamente cristão.
Acontece, porém, que, para incutir esta grande verdade, os autores apelam para argumentos experimentais muito subjetivos e discutíveis; querem saber demais no tocante ao que se dá na hora da morte e depois. Com efeito...
2.1. Psicografia
As mensagens atribuídas a moribundos e captadas por familiares e amigos podem ser simples projeções ou expressões dos afetos desses familiares e amigos. Nada garante que tenham realidade objetiva ou que sejam comunicações feitas pelos moribundos. É preciso não esquecer o poder da sugestão: quando alguém crê que pode receber mensagem de outra pessoa, inventa (sem o saber) tal mensagem. Por isto o recurso à psicografia é falho; não pode ser aduzido como prova do bem-estar dos moribundos.
A imagem do túnel pelo qual a alma do moribundo passaria num vôo fora do corpo parece corresponder a um arquétipo congênito do psi­quismo humano; para chegar à luz, deve haver um canal que não seja de luz e que faça a mediação entre a penumbra da terra e a plena luz do além. A Dra. Elizabeth Kübler-Ross averiguou a existência de tal imagem em depoimentos de seus pacientes postos em estado de coma e restituídos à saúde; tal imagem não passa de projeção do psiquismo humano, e carece de realidade objetiva, pois não podemos conceber que o além seja confi­gurado segundo a arquitetura do aquém, com seu túnel, seu jardim, sua fonte de luz, suas muralhas...; a outra vida não se dará num cenário ma­terial comparável ao presente, em reedição revista, melhorada e aumen­tada... A propósito já foi publicado um comentário em PR 216/1977, pp. 501-506 (comentário do artigo "Vida após a Vida" de Raymond Moody J r).
2.2. Retrocognição, Simulcognição e Precognição
Segundo T. de Oliveira e S. Paseto, a pessoa em estado de morte aparente goza de conhecimentos dilatados, abrangendo o seu passado, o seu presente e o seu futuro; cf. p. 37. -
Como se pode provar esta tese?
Realmente nenhum dado experimental e nenhum raciocínio a provam. Há, sim, teólogos que julgam que, na hora da morte, a pessoa recebe de Deus uma luz especial para poder fazer, com clareza nunca antes atingida, sua opção decisiva e definitiva por Deus ou contra Deus. Esta sentença não é aceita por outros bons teólogos, que a têm por gra­tuita ou arbitrária; na verdade, é paradoxal imaginar que alguém, sofren­do o declínio de sua lucidez de mente pela arteriosclerose e outros acha­ques, possa repentinamente gozar de perspicácia de mente nunca antes alcançada; toda a vida do homem deve ser vivida de maneira tão cons­ciente quanto possível, de modo que cada ato humano seja responsável e possa ser levado a sério. É durante a vida inteira que a pessoa deve exercitar-se para comparecer diante do Juiz Divino; é isto que dá grande­za aos atos mais comezinhos.
O momento da morte é grande e importante, porque decisivo. Cremos que Deus assiste a cada qual naquela hora com as graças neces­sárias; mas esse momento não é senão a etapa final de uma caminhada, que deve ser, toda ela, homogênea ou uma opção cada vez mais cons­ciente por Cristo e o Pai. Não queiramos saber muita coisa a respeito daquele transe; podemos dizer que ele terá as características que cada qual tiver preparado; quem tiver vivido com Deus, poderá sentir-se feliz por chegar ao termo final de sua caminhada; quem tiver vivido longe de Deus, talvez se assuste enormemente ao perceber a chegada da hora derradeira.
2.3. Encontro face-a-face com Deus
O encontro face-a-face com Deus ou a visão direta de Deus é a própria bem-aventurança celeste, prêmio dado àqueles que viveram e morreram com Deus neste mundo. Por isto não se pode afirmar que, após o estágio de morte aparente., todo ser humano gozará desse encon­tro. - Dizemos, em perspectiva cristã, que após a morte, todo indivíduo passa pelo juízo particular:
a luz de Deus o ilumina para que possa avaliar a sua vida terrestre com toda a objetividade e veracidade possível; reco­nhece com nitidez tudo o que fez de bom e menos bom e aceita
natural­mente a sentença daí decorrente. Isto, porém, não é visão de Deus fa­ce-a-face.
Também é de notar que após a morte não é possível converter-se do mal para o bem ou vice-versa. A morte estabiliza o homem na sua úl­tima opção. É certo que o Senhor Deus dá a cada qual, no decorrer da vida terrestre, as graças necessárias para que opte sempre pelo melhor e colha copiosos frutos na hora da morte.
Além do mais, não se pode admitir que a alma humana se separe do corpo antes da morte e vagueie pelo espaço, contemplando o seu cor­po submetido a tratamento médico ou penetrando em jardim suave e luminoso. A alma humana é o princípio vital do corpo; sem alma, este simplesmente não vive, de modo que mesmo as pessoas postas em coma e morte aparente têm sua alma presente no corpo; a separação de corpo e alma só se dá na hora da morte; não há retorno da alma ao corpo mortal.
2.4. Antropologia
A antropologia suposta pelos dois autores não distingue clara­mente entre corpo e alma. Estes seriam apenas duas facetas de um bloco monolítico, segundo se depreende dos dizeres da p. 23 ("a plenitude da realização do ser humano corpo-alma"). Por conseguinte, a ressurrei­ção seria a própria morte tida como "total desenvolvimento das possibi­lidades da natureza humana sem limitações" (p. 23). Esta concepção an­tropológica, porém, está em contradição com aquela perspectiva de alma que sai do corpo, passa por um túnel, entra num jardim luminoso, etc. (pp. 32s). - Os autores não chegaram à clareza de conceitos neste ponto (como, aliás, também em outros pontos relacionados com a Filosofia e a Teologia).
Dizer que no momento da morte cada qual vive o fim dos tempos ou o fim do mundo é errôneo, pois após a morte a alma humana experi­mentará ainda a noção de futuro; ela estará não num regime de eternidade, mas no regime do evo, do qual temos tratado repetidamente em PR; cf. 275/1984, pp. 274-281; 257/1981, pp. 243-245.
Após a morte a alma, sendo espiritual e imortal, subsiste sem corpo e aguarda o fim dos tempos, quando Cristo há de vir glorioso para julgar todos os homens e se dará a ressurreição universal.
Aliás, os dois autores empregam com facilidade despropositada a palavra "eterna". Assim à p. 21 afirma: "a energia é eterna". Ora só Deus é eterno; nenhuma criatura é eterna, nem pode vir a ser eterna (o que seria contraditório). À p. 22 escrevem: "Nada termina, mas tudo se transforma; a existência é provisória, mas a vida é eterna". Ora observa­mos que somente a vida de Deus é eterna, porque só ela não teve come­ço e não terá fim; a nossa vida não é eterna, porque teve começo; visto que não terá fim, é vida imortal ou eviterna (não vida eterna).
À p. 22 os autores asseveram que "existe uma continuidade de vida desde as partículas subatômicas. Deste modo não podemos fazer divisão entre matéria e vida". - Eis outro ponto falho: a vida tem suas proprieda­des básicas, que só se encontram nos vegetais e nos animais (irracionais e racionais): nutrição, crescimento, reprodução, capacidade de se restau­rar quando lesada. Ora nenhum mineral possui tais particularidades; por isto a vida não existe nos minerais. A vida depende de um princípio vital próprio, que pode ser material (nos vegetais e nos animais irracionais) ou imaterial, espiritual (no ser humano).
Eis algumas reflexões que nos sugere o livro de T. de Oliveira e S. Paseto. Reconhecemos a boa intenção dos dois autores, mas podemos afirmar que em matéria de Filosofia e Teologia apresentam lacunas sérias. No tocante à própria Parapsicologia parecem não levar em conta suficiente o poder da sugestão e a enorme capacidade de projeção subje­tiva que a sugestão mobiliza, sem que o indivíduo tenha consciência dis­so

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