sexta-feira, 20 de junho de 2008

Alma Humana: a alma humana é imortal?

Em síntese: A imortalidade natural da alma humana se evidencia, no plano filosófico, a partir de três argumentos principais
- a alma humana, sendo espírito, é simples ou não composta; por conseguinte, não se decompõe ou não se dissolve por sua própria natureza. Deus, que a criou, poderia aniquilá-la, mas não o faz, pois isto contradiria à sabedoria e à justiça do Criador;
- a alma humana aspira naturalmente à vida, e à vida sem fim; ora tal desejo inato não pode ser frustrado, pois, se o fosse, a natureza seria absurda e suporia o absurdo em sua origem. Todavia não se pode crer que o ser humano seja o único absurdo em meio a um mundo cheio de ordem e harmonia naturais;
- a alma humana aspira naturalmente à justa sanção ou à retribuição devida ao bem e ao mal. Já que esta só ocorre precariamente na vida presente, deve haver outra vida na qual a justiça seja exercida. Em caso contrário, a história seria absurda, terminando com o espezinhamento (ao menos, parcial) do bem e da virtude e a exaltação (ao menos, parcial) do mal.
Verdade é que o composto humano (corpo e alma) aspira à vida imortal. Todavia o composto humano é, por sua natureza, perecível, de modo que o seu desejo de imortalidade é veleidade, incapaz de encontrar a sua resposta natural. A fé ensina que o Senhor Deus ressuscitará o ser humano depois da experiência da decomposição ou da morte, sendo Cristo o penhor e o exemplar da ressurreição de todos os homens.
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Comentário: Sabe-se que a morte não põe fim, por com­pleto, à pessoa humana, pois os feitos desta continuam pre­sentes aos pósteros; principalmente aquelas pessoas que con­tribuem mais eficazmente para a construção ou a destruição da humanidade, permanecem, de certo modo, atuando junto às gerações posteriores. É este o tipo de imortalidade que, por exemplo, o marxismo propõe ao ser humano a partir de suas premissas materialistas; a escola de Marx tenta recon­fortar seus discípulos dizendo-lhes que a grandeza imortal do homem consiste em ser o carvão lançado na grande locomo­tiva da história da humanidade; destrua-se, contanto que faça avançar o comboio, em cuja marcha cada um se imortaliza.
Outras correntes de pensamento admitem a sobrevivência da alma humana; sustentam, porém, a tese de que esta perde a sua individualidade e se integra num grande todo que leva uma vida impessoal. É o que professa o hinduísmo em geral.
Há, porém, quem afirme que a alma humana é por si mesma imortal, de tal modo que, quando o corpo já não lhe oferece condições de exercer suas atividades psicossomáticas, a alma se separa do mesmo e subsiste em sua realidade indi­vidual e pessoal, exercendo os atos próprios da sua vida espi­ritual. É esta a tese clássica nas escolas de filosofia cristãs. Ultimamente, porém, alguns pensadores católicos, negando a distinção real de corpo e alma, asseveram que a morte extin­gue por completo o ser humano, mas Deus o ressuscita ime­diatamente após a morte!
Esta última tese não se sustenta desde que se admita, como se deve admitir, a distinção real de corpo e alma. No artigo anterior ficou comprovado que a alma humana é espi­ritual e o corpo material; a recusa desta afirmativa implica, ao menos implicitamente, profissão de materialismo.
Nas páginas subseqüentes, apresentaremos os argumen­tos em favor da imortalidade natural da alma humana, que é um ser distinto do respectivo corpo.
1. A natureza mesma da alma humana
A morte é a dissolução do ser vivo.
Um ser pode dissolver-se de duas maneiras: por si mesmo ou em razão de outrem. No primeiro caso, dissolve-se direta­mente; no segundo caso, a dissolução ocorre em virtude da dependência em que tal ser se encontra em relação a outro que se dissolve.
Ora a alma humana não pode dissolver-se por si, por­que não é composta de partes, mas é simples, como todo espírito é simples ou isento de composição. A quantidade e a extensão são propriedades dos corpos; um espírito não consta de partes justapostas.
A alma humana não pode dissolver-se em razão de sua dependência de outrem, ou, no caso, do corpo, porque ela não depende do corpo para existir; sendo espírito, e direta­mente criada por Deus e pode subsistir sem o corpo, embora exista para se unir à matéria e constituir com esta um todo substancial que é o composto humano.
Objeta-se, porém: dado que a alma humana não existe necessária, mas contingentemente, não poderia ela deixar de existir ou ser aniquilada? Em outras palavras: Deus, que criou a alma humana, tirando-a do nada, não a poderia redu­zir ao nada? Neste caso, a alma humana não se decomporia nem se dissolveria, mas simplesmente perderia a existência.
Eis a resposta adequada: Deus, que criou, pode certa­mente aniquilar qualquer criatura, pois seu ato criador é livre; Ele não é obrigado a conservar na existência qualquer criatura que seja. Se, porém, consideramos a Onipotência Divina não como atributo de Deus isolado, mas em relação aos outros atributos divinos, verificamos que a aniquilação de uma alma humana contrariaria à sabedoria e à justiça de Deus. Com efeito, seria uma espécie de contradição, pois Deus retiraria o ser de uma criatura depois de lhe ter dado uma natureza imortal; além disto, a aniquilação seria algo de injusto, pois tornaria impossível a aplicação das sanções merecidas pelo ser humano nesta vida.
Note-se, aliás, que esta última é a única razão que Kant (+ 1804) aceita para afirmar a imortalidade da alma. A sobrevivência da pessoa humana, diz este filósofo, é uma exi­gência da consciência moral, pois é evidente que a justiça não reina neste mundo: a virtude não costuma ser devida­mente recompensada, nem o vicio adequadamente punido. Antes, o contrário ocorre com freqüência: o justo é perse­guido, enquanto os maus prosperam. Ulteriores ponderações sobre este assunto seguir-se-ão sob o subtítulo 2 deste artigo.
Conclui-se, pois, que a alma humana é naturalmente imortal e não deixa de usufruir desta sua prerrogativa, pois Deus não subtrai às criaturas o que lhes outorgou como atri­butos próprios.
2. O desejo natural
Todo ser tende a se conservar e a perseverar na exis­tência. Nos seres que usufruem de conhecimento, esse desejo é condicionado pelo conhecimento. O animal irracional conhece apenas a existência presente e não deseja outra realidade; não teme a morte porque não a conhece. O homem, porém, conhece o ser de modo absoluto, abstraindo do tempo. Deseja, em conseqüência, existir sem tempo ou, positivamente, con­forme toda a duração possível do tempo - o que é existir sem limites de duração.
Ora o desejo natural de uma vida sem fim se deriva da própria natureza do homem; não é algo de convencional ou dependente de alguma forma de cultura. Tal desejo não pode ser frustrado ou vão; se o fosse, a natureza humana seria contraditória e absurda. Mais: ela suporia o Absurdo na sua origem, pois teria sido feita para a vida e a vida sem fim, mas não teria a capacidade de usufruir da imortalidade. Por conseguinte, a alma humana há de ser imortal, a fim de poder fruir da plenitude de vida à qual ela naturalmente aspira.
Dir-se-á, porém: se tal argumento é válido para a alma, há de ser válido também para o corpo, ou melhor, para o homem todo (composto de corpo e alma). Com efeito, o ser humano como tal deseja viver sempre e tem espontâneo hor­ror à morte.
Em resposta, consideremos o seguinte:
O desejo de imortalidade do homem (ou do composto de corpo e alma), embora seja natural, não é senão uma veleidade ou uma aspiração ineficaz, pois o composto humano tende naturalmente a desgastar-se; os órgãos corpóreos se vão extenuando e tornando ineptos para a vida; no momento em que estão totalmente deteriorados, a vida nesse orga­nismo se torna impossível e a alma humana se separa do mesmo.
Ao contrário, o desejo de imortalidade da alma humana pode ser eficaz, visto que a alma, não sendo composta, não se dissolve; além do mais, tem condições de sobreviver sepa­rada do corpo.
Há, pois, uma diferença entre o desejo natural de imor­talidade do composto humano e o desejo natural de imorta­lidade da alma humana. Em conseqüência, diz a filosofia, o primeiro não tem conseqüências práticas, ao passo que o segundo as tem.
Estas afirmações hão de ser completadas pelos dados da fé. Esta ensina que o Senhor Deus, atendendo gratuitamente ao desejo natural de imortalidade do composto humano, ins­tituiu a ressurreição física dos mortos. Jesus Cristo, Deus feito homem, tendo assumido a carne humana, quis padecer a morte do homem, a fim de vencê-la e ressuscitar como primícias de uma nova humanidade (cf. 1Cor 15,20). A res­surreição de Cristo é o penhor da ressurreição de todos os homens, a qual ocorrerá na consumação dos tempos, quando o Senhor vier em sua glória para dizer a última palavra da história.
Assim a fé ensina que o composto humano terá duração sem fim, pois, embora morra, o Senhor Deus lhe quer dar a vitória sobre a morte e conceder a plenitude da vida.
3. A sanção da justiça
O ser humano foi feito para a justiça, à qual aspira com toda a veemência. Contudo a justiça na vida presente é precária. Freqüentemente as pessoas retas e dignas são ma­terialmente prejudicadas por praticarem o bem, ao passo que os criminosos e iníquos são materialmente beneficiados pela perversão; a justiça humana e o curso da história não raro «premiam» os maus e «castigam» os bons.
Ora, se a alma humana não fosse apta a sobreviver após a existência presente a fim de receber a sanção de seus atos, a justiça ficaria definitivamente violada e conculcada no caso de muitos homens. A história da humanidade terminaria com o triunfo (ao menos, parcial) da injustiça e da desordem sobre a justiça e o bem. A prática da virtude não seria reco­nhecida como tal, mas, antes, colocada em plano de des­prezo e rejeição. Ora tais conseqüências suporiam um mundo absurdo, e, na origem deste mundo, um principio de contra­dição e absurdo, conseqüências estas que não condizem com a ordem e a harmonia que se verificam em geral no universo. Daí afirmar-se que a alma humana é, por si, imortal e, por conseguinte, apta a receber na vida póstuma a justa sanção, que muitas vezes na vida presente lhe é negada.
Se nada houvesse que correspondesse às aspirações ina­tas à vida, à justiça, à verdade, ao amor... que todo homem traz naturalmente em si, teriam plena razão os que, mediante entorpecentes e psicotrópicos, procuram «paraísos artificiais», ou aqueles que põem fim a si mesmos no suicídio. Diz sabia­mente Gabriel Marcel:
"Se a morte é a realidade última, todo valor se aniquila no escândalo puro; a realidade está como que ferida em seu coração".
O que acaba de ser dito, pode ser ilustrado pela veri­ficação de certos fenômenos ocorrentes na natureza. Esta parece excluir a frustração e o absurdo; com efeito,
se tenho olhos, é porque existe a luz para a qual o olho é feito;
se tenho ouvidos, é porque existem sons e melodias;
se tenho pulmões, existe o ar que lhes corresponde;
se tenho fome e sede, existem os alimentos de que preciso;
se a mulher tem o senso da maternidade e aspira a ser mãe, existe para ela a maternidade ou o poder tornar-se mãe.
Mais ainda:
se as águas do mar sobem por ocasião das marés, tornan­do-se agitadas e inquietas, sei que essa agitação não é casual, mas se deve ao atrativo sobre elas exercido pela Lua;
se a agulha magnética se agita dentro da bússola, posso estar certo de que existe um polo Norte (invisível, sim, mas muito real) que a atrai e só permite repouse quando devida­mente voltada para o seu Norte.
Assim analogamente, se verifico em mim (anteriormente a qualquer reflexão filosófica ou religiosa) a sede de certos valores ou mesmo do Infinito, posso estar certo de que tais valores e o Bem Infinito existem no Além, em correspon­dência a tais aspirações.
Simone de Beauvoir, imbuída de existencialismo, escre­veu muito acertadamente:
"Uma vida, para que seja interessante, deve assemelhar-se a uma ascensão: galga-se um patamar e, depois, outro...; cada patamar não existe senão em vista do patamar seguinte... Se essa subida, chegando ao auge, retrocede, ela se torna absurda desde o seu ponto de partida" ("Le sang des autres").
Aprofundando um pouco mais estas reflexões, observa­mos: o universo se apresenta marcado por nota de profunda harmonia; é o que declaram os estudiosos de qualquer dos reinos naturais: mineral, vegetal e animal (irracional). Eins­tein experimentava admiração extática ao considerar a ordem do infinitamente grande. Aliás, as ciências naturais não se­riam possíveis se o universo e a natureza não fossem inteli­gíveis ou não fossem o produto de uma Inteligência Suprema que concebeu cada uma das criaturas (grandes e pequenas) e seu maravilhoso interrelacionamento. Pergunta-se, pois: somente o homem e sua existência sobre a terra seriam algo de absurdo ou destituído de explicação e razão de ser?
Vê-se que o absurdo consistiria, antes, em se admitir que somente o ser humano seja marcado pela nota do absurdo no conjunto das criaturas; parece desarrazoado que, colocado no todo harmonioso do universo, o homem, e somente o ho­mem, não se beneficie da ordem que se exprime no conjunto e em cada um dos seus outros setores.
Em conclusão: certas interrogações e aspirações espon­tâneas em todo homem exigem resposta. Ora, já que tal res­posta não é dada na vida presente por alguma das finitas criaturas que nos cercam, há uma vida póstuma, em que encontramos, sem disputa nem contestação, a resposta aos mais genuínos anseios do ser humano (resposta que é indis­sociável da fruição do Bem Infinito ou do Criador).
A propósito
R. Verneaux, "Filosofia do homem". Livraria Duas Cidades, São Paulo 1969.
"Unwandelbares im Wandel der Zeit", herausgegeben von Hans Pfeil. Band li, pp. 15-72. Aschaffenburg 1977.
PR 117/1969, pp. 372-385 (Deus existe ?);
PR 118/1969, pp. 411-416 (Absurdo ou Mistério ?).
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Segunda-feira, 25 de Junho de 2007

Alma: que é a alma humana?
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 003/1957)
De modo geral, denomina-se alma o princípio vital que anima ou faz viver a matéria orgânica. Embora não se saiba definir exatamente em que consiste a vida, costuma-se dizer que é auto-moção ou “moção de si mesmo”. Distinguem-se três graus de vida:
a vida meramente vegetativa, cujas funções são nutrimento, crescimento e multiplicação da espécie
a vida sensitiva, que, além das funções anteriores, pos­sui a faculdade de conhecer, mediante os sentidos (órgãos do corpo), objetos concretos, dotados de tamanho, cor, sabor, sonoridade, etc. ; só atinge objetos dimensionais ;
a vida intelectiva, que tem, a mais, a função de elaborar noções abstraías, depuradas das dimensões e outras notas concretas, contingentes, com que os seres aparecem na natu­reza ; a inteligência, por exemplo, elaborando os dados rece­bidos pelos sentidos, chega à conclusão de que o «homem» não é somente Pedro, Paulo, João..., mas todo vivente (branco ou negro, alto ou baixo, masculino ou feminino) capaz de raciocinar ou racional. Um dos sinais mais característicos da presença do intelecto ou da vida intelectiva num determinado sujeito é a faculdade de falar, a qual supõe sempre um poder superior aos sentidos, coordenador das impressões recebidas por estes («se o chimpanzé tem a possibilidade de falar, mas na realidade não fala, entenda-se que a função de falar, em sua essência, não é função orgânica, mas função intelectual e espiritual», G. Gusdorf, La Parole. Paris 1953,4). Outra ca­racterística do ser intelectivo é o riso, que supõe a admiração, ou seja, o conhecimento abstrativo e lento que se faz por meio do raciocínio.
Na base desta tríplice distinção, fala-se de alma (prin­cípio vital) vegetativa, alma sensitiva e alma intelectiva.
Cada indivíduo possui uma alma só, que satisfaz a todas as funções de sua vida.
A alma intelectiva é própria do homem. Difere da vegeta­tiva e da sensitiva pelo fato de que, como acima dissemos, es­tas não têm funções que transcendam os limites da matéria; são materiais; por isto são produzidas pela potencialidade mesma da matéria e reabsorvidas por esta, quando cessam as disposições do corpo necessárias para que exerçam suas fun­ções. A alma intelectiva, ao contrário, possui atividade supe­rior à do corpo; é capaz de conhecer o que não cai direta-mente sob os sentidos (embora se sirva do conhecimento sen­sitivo como de base das suas elucubrações); conhece, por exem­plo, a causa invisível de um efeito visível, as relações entre os meios e determinado fim, aquilo que é essencial e perene em indivíduos diversificados por notas contingentes, etc. Por isto a alma humana não é material, mas «espiritual» (o modo de ser e o modo de agir de um indivíduo são estritamente corre­lativos entre si); o que mais precisamente significa: ela não tem extensão, nem tamanho, nem cor, nem sabor, nem figura, sem que por isto deixe de ser muito real (Deus também não tem figura nem cor). Daqui se segue, como melhor se dirá abaixo (nº. 2) que a alma humana tem origem independente da matéria e pode subsistir fora ou independentemente desta.
Dada a transcendência da alma humana em relação à da planta e à do animal irracional, costuma-se reservar o nome alma para o que concerne ao homem, chamando-se simples­mente princípio vital (vegetativo ou sensitivo) o elemento que vivifica as plantas e os irracionais.
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Terça-feira, 29 de Maio de 2007

Alma Humana: imortalidade da alma.
(Revista Pergunte e Responderemos, PR 1-2/1957)
"Queira indicar alguns argumentos racionais que provem a imortalidade da alma"[1].
1)A alma humana possui o desejo inato de existir sem fim e exercer seus atos vitais sem ruptura nem cessação de si mesma. Este desejo se deriva do fato de que ela é capaz de conceber o ser simplesmente dito, abstraindo de notas que o tornem individual e restrito (assim o cavalo pode ser concebido pelo homem como um ser; da mesma forma, uma pedra, uma criança, o próprio Deus). Ora, concebendo o ser sem restrição, a alma humana não pode deixar de o apetecer espontaneamente; não pode deixar de desejar a existência sem termo algum.
A tendência a não perder a existência, inata como é em toda alma humana, só pode provir do Autor da natureza ou do Criador. Disto se conclui que não há de ser frustrada ou vã; o Criador sumamente sábio não teria feito uma criatura. Espontaneamente tendente a um objetivo que ela não possa, ou não deva alcançar; tal criatura seria uma contradição, um absurdo, que deporia contra o seu Autor.
Resta, pois, afirmar que o desejo da alma humana de ser e viver conscientemente sem conhecer fim corresponde ao destino mesmo dessa alma. Ela é naturalmente imortal.
Note-se ainda o seguinte: embora o homem tenha horror a perecer ou morrer, ele, pelo fato mesmo de ser composto de corpo e alma, é contingente, traz em si o principio de sua decomposição ou morte. Sim; tudo que é composto, pelo fato mesmo de ser composto, tende a se decompor ou desagregar em virtude do uso ou desgaste das partes componentes. Por conseguinte, o desejo inato que o homem tem de não perecer, só se pode atuar (por via natural não suposta alguma intervenção extraordinária de Deus) na alma humana, que não possui partes componentes. A alma é, de resto, à parte ca­racterística do homem, parte que lhe dá a sua personalidade.
A fé acrescenta que Deus gratuitamente restaurará a união da alma e do corpo após a morte do homem, ou seja, no dia da ressurreição final.
2) A diferença do corpo humano, a alma não se compõe de substâncias químicas nem de matéria e espírito, mas é espírito só, substância simples. Em sua natureza, portanto, ela não traz princípio de desagregação, de destruição de si mesma (pois ela não é um agregado). Disto se segue que a alma humana por si não perece.
É verdade que Deus, O Qual a tirou do nada por criação, a poderia também reduzir ao nada; nenhuma criatura existe necessariamente ou por si; todo ser criado é contingente, só Deus é necessário. Contudo Este não aniquila a alma, pois usa da sua Onipotência de maneira sábia; tendo feito uma criatura desejosa de se conservar sempre no ser, Ele não con­tradiz a essa tendência.
«Que é a alma[2]»
De modo geral, denomina-se alma o princípio vital que anima ou faz viver a matéria orgânica. Embora não se saiba definir exatamente em que consiste a vida, costuma-se dizer que é automoção ou >. Distinguem-se três graus de vida: a vida meramente vegetativa, cujas funções são nutrimento, crescimento e multiplicação da espécie; a vida sensitiva, que, além das funções anteriores, possui a faculdade de conhecer, mediante os sentidos (órgãos do corpo), objetos concretos, dotados de tamanho, cor, sabor, sonoridade, etc. só atinge objetos dimensionais; a vida intelectiva, que tem, a mais, a função de elaborar noções abstratas, depuradas das dimensões e outras notas concretas, contingentes, com que os seres aparecem na natureza; a inteligência, por exemplo, elaborando os dados recebidos pelos sentidos, chega à conclusão de que o <> não é somente Pedro, Paulo, João, mas todo vivente (branco ou negro, alto ou baixo, masculino ou feminino) capaz de raciocinar ou racional. Um dos sinais mais característicos da presença do intelecto ou da vida intelectiva num determinado sujeito é a faculdade de falar, a qual supõe sempre um poder superior aos sentidos, coordenador das impressões recebidas por estes («se o chimpanzé tem a possibilidade de falar, mas na realidade não fala, entenda-se que a função de falar, em sua essência, não é função orgânica, mas função intelectual e espiritual”. (G. Gusdorf, La Parole. Paris 1953,4). Outra característica do ser intelectivo é o riso, que supõe a admiração, ou seja, o conhecimento abstrativo e lento que se faz por meio do raciocínio)”.
Na base desta tríplice distinção, fala-se de alma (principio vital) vegetativa, alma sensitiva e alma intelectiva.
Cada indivíduo possui uma alma só, que satisfaz a todas as funções de sua vida.
A alma intelectiva é própria do homem. Difere da vegetativa e da sensitiva pelo fato de que, como acima dissemos, estas não têm funções que transcendam os limites da matéria; são materiais, por isto são produzidas pela potencialidade mesma da matéria e reabsorvidas por esta, quando cessam as disposições do corpo necessárias para que exerçam suas funções. A alma intelectiva, ao contrário, possui atividade superior à do corpo; é capaz de conhecer o que não cai diretamente sob os sentidos (embora se sirva do conhecimento sensitivo como de base das suas elucubrações); conhece, por exemplo, a causa invisível de um efeito visível, as relações entre os meios e determinado fim, aquilo que é essencial e perene em indivíduos diversificados por notas contingentes, etc. Por isto a alma humana não é material, mas “espiritual” (o modo de ser e o modo de agir de um indivíduo são estritamente correlativos entre si); o que mais precisamente significa: ela não tem extensão, nem tamanho, nem cor, nem sabor, nem figura, sem que por isto deixe de ser muito real (Deus também não tem figura nem cor). Daqui se segue, como melhor se dirá abaixo (n° 2), que a alma humana tem origem independente da matéria e pode subsistir fora ou independentemente desta.
Dada a transcendência da alma humana em relação à da planta e à do animal irracional, costuma-se reservar o nome alma para o que concerne ao homem, chamando-se simplesmente

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