quarta-feira, 30 de abril de 2008

Capítulo 9 - A fuga, a permanência e a volta do Egito

O relato da fuga e da permanência da Sagrada Família no Egito é um particular, que devemos à pena do evangelista Ma-teus. Neste relato Mateus mostra José no exercício de seus direitos e de suas funções de chefe da Sarada Família. É a ele e que anjo do Senhor aparece, é a ele que o anjo fala, é a ele que vem comunicada a destinação, é a ele que será depois revelada o tempo da volta para Nazaré.Depois de ter cumprido todas essas prescrições legais, con-forme o costume da época, José sem dúvida pensava que era hora de voltar para sua casa, para o seu trabalho do dia-a-dia, mas o evangelista Mateus descreve que, antes da volta para a Galiléia, haverá um outro fato muito importante, onde a Provi-dência divina recorrerá novamente a ele. Através da comuni-cação em sonho por um anjo, é-lhe indicado o Egito como me-ta temporária de fuga, ou seja, até que Herodes morresse. Neste detalhe da fuga e permanência da Sagrada Família no Egito, descrito por Mateus, lemos: “Levanta-te, toma o meni-no e sua mãe e foge para o Egito e fica lá até eu te avisar, porque Herodes está procurando o menino para o matar” (Mt 2,13). A ordem de Deus para se exilar com a família foi cum-prida por José imediatamente e com perfeição. “De noite, to-mou o menino e sua mãe e retirou-se para o Egito, onde ficou até a morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia anunciado por meio do profeta: “Do Egito chamei o meu filho” (2,14-15). Ainda de noite ele empreende a viagem rumo ao desconhecido, seguindo o mesmo destino de Abraão, que se refugiou neste país, e de José do Egito, foi salvo ali das mãos de seus irmãos. Havia muito chão a percorrer, era necessário muita coragem e confiança em Deus, diante da ordem divina de que se exilassem nessa terra estrangeira, pois ali estariam em segurança, e seria dali, daquele país famoso por suas tra-dições, suas cidades cheias de monumentos solenes e com seus centros culturais e comerciais, que o Senhor seria cha-mado, como o profeta havia anunciado: “Do Egito chamei o meu filho” (Os 11,1). É por esse motivo que Mateus vê na fuga ao Egito e depois na volta da Sagrada Família à Nazaré, o cumprimento da verdadeira libertação prefigurada pelo antigo Egito e individualizada na expressão de Oséias citada acima.Na fuga para o Egito, o evangelista se compraz em mostrar o nosso Patriarca exercendo suas funções e direitos de chefe da família que lhe foram confiados. É para ele que o anjo apa-rece, é com ele que o anjo fala, é a ele que é comunicado o lugar onde devem ir e será depois a ele que o anjo transmitirá o anúncio de retorno à terra de origem.Deve-se ressaltar também a palavra “Egito” é uma localidade conhecida no AT não tanto por ser o refúgio dos Patriarcas e de outros personagens, mas sobretudo pelo lugar da dura es-cravidão do povo hebraico, da qual só o intervento divino pode libera-lo. Jesus é considerado por Mateus o verdadeiro Moi-sés, pois assim como Moisés acompanhou o povo hebraico até a terra prometida, Jesus o supera entrando na terra de Israel (Mt 2,20-21). O Papa João Paulo II colheu esta intenção de Mateus ao afirmar que: “Assim como Israel tinha tomado o caminho do êxodo, ‘da condição de escravidão’ para iniciar a Antiga Aliança, assim José, depositário e cooperador do mis-tério providencial de Deus, também no exílio vela por Aquele que vai tornar realidade a Nova Aliança”. (RC 14).Neste mistério também José foi o ministro da salvação fazen-do escapar da morte a vida ameaçada do Menino Jesus, co-mo rezamos na oração composta por Leão XIII. Eis um motivo a mais para confiar no Patrocínio de São José, pois ainda hoje temos muitas razões para recomendar a São José cada ser humano, como nos ensina o documento Redemptoris Custos (N 31).O evangelista nos relata com poucas palavras esta fuga para um país estrangeiro, não entrando em detalhes, não indicando o tempo e nem a forma da viagem, nem tampouco descreven-do as circunstâncias do trajeto. Limita-se a contar-nos o es-sencial, e o essencial é que Herodes procurava matar o meni-no Jesus. A atitude de Herodes não era estranha, pois já ha-via mandado matar outras pessoas consideradas seus rivais. Esse tirano não era benquisto pelo povo, e quando morreu, aos 69 anos, os judeus comentavam aos cochichos que ele tinha se “apoderado do trono como uma raposa, reinado como um tigre e morrido como um cachorro”. Mandar matar todas as crianças do sexo masculino, com menos de dois anos de ida-de, residentes na pequena aldeia de Belém e adjacências, tinha sido um de seus últimos atos infames, bem condizente com o seu mau caráter.Para buscar a liberdade em outras terras, a Sagrada Família teve que empreender uma viagem penosa e arriscada, pois o Egito não ficava perto. Para atingi-lo era preciso fazer uma caminhada de cerca de 400 quilômetros. É descartada a pos-sibilidade de que tenham feito essa travessia pelo deserto so-zinhos. Certamente serviram-se de pessoas que conheciam esse trajeto para chegar ao objetivo, pois, além do cansaço da caminhada, havia escassez de água, falta de segurança etc. Mesmo os soldados romanos, equipados e treinados para longas caminhadas, preferiam combater a atravessar aquele deserto, conforme relatou Plutarco.Os acontecimentos durante a viagem pelo deserto não nos foram relatados, portanto não existe nada que possa satisfa-zer a nossa curiosidade. Só existem piedosas e graciosas lendas, descritas com imagens poéticas pelos apócrifos (Os apócrifos são escritos da mesma época dos escritos bíblicos, ou um pouco posteriores, mas não são tidos como inspira-dos, portanto não estão incluídos no cânon oficial. Receberam a denominação de apócrifos, ou seja, ocultos, secretos, es-condidos, porque não eram de uso público, ou seja, não e-ram usados oficialmente na liturgia e no ensino). Algumas dessas lendas encontradas no evangelho apócrifo do Pseudo Mateus e no evangelho Árabe da Infância, relatam que ani-mais ferozes os acompanhavam no deserto, que bois e ou-tros animais lhes traziam o que era necessário, ou que árvo-res se inclinavam enquanto o Menino Jesus passava, ou ain-da, que árvores secas, sem folhas, tornavam-se frondosas para abrigá-los em suas sombras. Claro que a Providência Divina não deixou de socorrê-los nessa caminhada. Assim, árvores e palmeiras que se inclinavam para lhes fornecer fru-tos ou que faziam jorrar água fresca para matar a sede não passam de fantasia dos apócrifos.Entretanto, a lenda que teve maior repercussão na iconografia e na literatura encontra-se no Pseudo Mateus, nos capítulos 22 e 24. Ele narra que, “enquanto estavam conversando, vi-ram á sua frente os montes do Egito e suas cidades. Com a-legria chegaram aos limites de Ermópolis, e entraram em uma cidade do Egito chamada Sotine".Como não houvesse ali nenhum conhecido em cuja casa pu-dessem hospedar-se, entraram no templo denominado Capitó-lio do Egito."Nesse templo haviam sido colocados 365 ídolos, aos quais cada dia se atribuíam sacrilegamente honras de divindades. Ora, aconteceu que, ao entrar a beatíssima Maria com a cri-ança no templo, todos os ídolos caíram por terra, ficando completamente estragados e quebrados; assim demonstraram evidentemente que não eram nada”. Prosseguindo a narrativa, diz que “então Afrodísio, governador da cidade, ao saber do ocorrido, dirigiu-se ao templo com todo o seu exército. Os pontífices do templo, ao ver Afrodísio correr ao templo com todo o exército, pensavam que se vingaria daqueles que ha-viam feito os deuses caírem por terra. Mas ele, ao entrar no templo, vendo todos os ídolos prostrados no chão, aproxi-mou-se de Maria e adorou o menino que ela tinha nos braços. Depois de adorá-lo, disse a todo o seu exército e aos amigos: “Se este não fosse o Deus do nossos deuses, os nossos deuses não teriam caído por terra diante dele, nem permane-ceriam prostrados na sua presença, de maneira que, tacita-mente, proclamou que é o Senhor deles. Portanto, se não fi-zermos todos, com maior cautela, o que fazemos aos nossos deuses, poderemos incorrer no perigo de sua indignação e irmos todos ao encontro da morte: como aconteceu ao Faraó rei do Egito, o qual, não dando atenção aos múltiplos prodí-gios, foi submerso ao mar com todo o seu exército. Então todo o povo daquela cidade acreditou, por meio de Jesus Cristo, no Senhor Deus".É interessante notar que esta descrição, imaginária ficou imor-talizada no mosáico da abside da basílica Santa Maria Maior de Roma, onde está representada a cena de Afrodísio. Essa mesma realidade religiosa também é lembrada na prática de piedade das “Sete dores e alegrias de São José”, que lembra a alegria de São José “ao ver cair por terra os ídolos dos e-gípcios”.Quanto ao lugar onde a Sagrada Família viveu no Egito, não é possível precisá-lo. Mateus é tão genérico neste ponto que podemos concluir que bastou José chegar à fronteira do Egito, ao sul de Gaza, em direção a Wadi Aris, para estar seguro, fora do domínio de Herodes. Contudo, são diversas as locali-dades que disputam a honra de ter hospedado a família imi-grante de Nazaré. Entre elas destacamos Heliópolis, lugarejo distante 10 quilômetros de Cairo. Também no vilarejo de no-me Matarieh, próximo do Cairo, num lugar denominado “Jar-dim de Bálsamo”; são venerados um antigo sicômoro, conhe-cido com “árvore da Virgem”, e uma fonte, cuja tradição busca uma interpretação no “Evangelho árabe da Infância”, explici-tando que a Sagrada Família se dirigiria ao sicômoro hoje chamado Matarieh e Jesus fez com que ali brotasse uma fon-te, na qual a Senhora Maria lavava as suas fraldas. Do suor de Jesus, que se espalhou, proveio o bálsamo da região (c 24). Hoje nesta localidade está erigida uma igreja dedicada à Sagrada Família. Ainda em Cairo, entre as várias igrejas edifi-cadas, uma das mais importantes é Abu Sargha, construída segundo a tradição no lugar onde morava a Sagrada Famí-lia. Outras localidades se contentam em ter a honra ao menos da estada da Sagrada Família. Entre elas citam-se Bubaste, Bilheis, Pelusio e Koskam. Os elementos convencionais nos quais essas tradições se apoiam são quase sempre uma ár-vore, uma fonte ou uma igreja com uma referência clara a len-das apócrifas.Pouco nos importa saber o lugar onde residiram o certo é que foi neste país, poderoso por causa de seus exércitos ágeis que a Providência os colocou por algum tempo, alojados pro-vavelmente em um dos bairros hebreus, situados numa cidade próxima à fronteira oriental. Numa dessas localidades os “he-breus podiam encontrar auxílio e conforto junto aos compatrio-tas que viviam naquele país, famoso por suas tradições anti-gas, por suas cidades de monumentos solenes e por seus centros culturais e comercias onde pulsava a vida do grande mundo. No ambiente onde a Sagrada Família passou a viver, assim como em todo o Oriente, iniciara-se o culto ao impera-dor e o número de ídolos era bastante elevado: adorava-se o carneiro, o abutre, o crocodilo, o falcão... Além do mais, exis-tiam um vasto domínio de magia e de superstições, especial-mente no interior”. Com a solidariedade de seus compatriotas, José encontrou um lugar para instalar-se com a sua família e deu início à no-va vida em terra estrangeira, sem despertar nenhuma atenção para os israelitas que ali viviam. Juntos, os israelitas em país estrangeiro formavam uma associação mais bem estruturada e funcional do que na sua própria pátria, pois, pressionados pelas circunstâncias, precisavam ajudar-se mutuamente para subsistir.O tempo foi passando e o exílio determinado pela Providência chegava ao fim. Segundo uma das versões mais prováveis, dois anos após a matança dos inocentes, Herodes morreu depois de uma doença dolorosa e repulsiva. Livre do tirano, o Anjo apareceu novamente em sonho a José no Egito e lhe disse: “Levanta-te, toma o menino e a mãe e retorna à terra de Israel... José levantou, tomou o menino e a mãe e foi para a terra de Israel. Mas, tendo ouvido que Arquelau reinava na Judéia em lugar de seu pai Herodes, teve receio de ir para lá. Avisado em sonho, retirou-se para as bandas da Galiléia, indo morar numa cidade chamada Nazaré” (Mt 2,20-23). Solicito como sempre, José preparou tudo, pegou o menino e sua mãe e se pôs a caminho em direção da sua terra de origem. Voltar para a sua terra era, sem dúvida, motivo de grande ale-gria, porém o clima por lá estava tenso e semeado de discór-dia e violência. A política não andava bem as revoltas e a guerra civil havia causado muitas mortes. Arquelau, que as-sumira o governo da Judéia em lugar de seu pai Herodes da mesma forma um tirano, com sede de poder, e sua fama de atrocidades havia chegado também ao Egito. O povo acabava de sair das mãos de um sanguinário e começava a sentir na carne a dureza de um novo despotismo. José ao tomar co-nhecimento de todas essas péssimas notícias, sentiu medo e, como pai, temeu pela vida do menino. Como bom israelita, gostaria de no retorno, passar por Jerusalém, visitar o Tem-plo onde ficou distante de seus olhos durante o período de exílio e dar graças ao Senhor antes de iniciar a sua nova vida em Nazaré, mas novamente Deus fixou os rumos da sua vida, comunicando-lhe que se dirigisse diretamente a Nazaré, evi-tando assim qualquer risco de vida para o menino. Os primei-ros anos da vida de Jesus haviam sido cheios de intranqüili-dade. Agora, na pacata Nazaré, rodeado por seu ambiente familiar, José podia viver mais sossegado.É importante destacar um fato particularmente significativo nesta moldura do exílio. Tanto a ordem de refugiar-se no Egito como de retornar à pátria não foi transmitida a Maria. E sim a José, o que evidencia o reconhecimento da sua autoridade ou jurisdição paterna sobre Jesus. Neste acontecimento particu-lar, José exerceu plenamente a sua paternidade, a sua missão de chefe da Sagrada Família e esposo de Maria. Nesse fato vemos a sua participação e colaboração clara e precisa no mistério da redenção. A ele foi confiado o início da nossa re-denção, conforme rezamos na oração da coleta da missa do dia 19 de março. José foi ao mesmo tempo guarda legítimo e natural, chefe e defensor da família divina, ministério que e-xerceu durante toda a sua vida.Questões para o aprofundamento pessoal1.Leia e tome conhecimento do relato de Mt 2,13-18, além do motivo da perseguição de Herodes, qual outro o evan-gelista indica para esta fuga?2.Qual é a importância da atuação de José neste fato?3.Tome conhecimento de alguns relatos fantasiosos dos a-pócrifos durante a fuga da Sagrada Família para o Egito?

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